Arquivoi autor desconhecido/Museu da Inconfidência

Nascida Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de Bragança em Lisboa, em 1734, imortalizou-se em Portugal como Dona Maria I, a Pia. Ou Dona Maria I, a Piedosa. No Brasil, onde morreu aos 81 anos em 1816, todos a conheciam como Dona Maria I, a Louca. Quem foi essa mulher? Mãe de D. João VI, avó querida de D. Pedro I. Com sua voz rouca, recebeu a Brasileiros na sacristia da Basílica da Estrela (ou Real Basílica e Convento do Santíssimo Coração de Jesus), uma imponente igreja de Lisboa, construída por ela mesma em 1789, considerada padrão FIFA, já naquela época.

O que poucos sabem no Brasil é que ela governou Portugal durante 15 anos (de 1777 a 1792, quando, dizem, pirou de vez e foi substituída por D. João VI, aquele que não tomava banho, o das coxinhas).

Dona Maria entrou atrasada na sacristia e foi logo esbravejando: “Acho muito oportuna esta entrevista, meu filho. Pois até hoje ainda não pude me manifestar sobre o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro de 2008!”.

Brasileiros – Mas o que houve, alteza?

Dona Maria I – Não te faças de desentendido, ó aldrabão! Fizeram uma homenagem à nossa vinda para o Brasil, em 1808 – duzentos anos antes de 2008, portanto –, e sabe quem foi que me representou? Um homem! Um homem! Astolfo Barroso Pinto!

Brasileiros – Mas eu nunca ouvi falar nisso.

Dona Maria I – E no travesti Rogéria, já? Rogéria encarnando Dona Maria I, A Louca, como dizem vocês. Um travesti que tem “Pinto” até no nome.

Brasileiros – A senhora vai me desculpar, mas Rogéria é uma grande atriz!

Dona Maria I – E tem mais, vamos esclarecer de uma vez por todas esse negócio de “A Louca”! Vá a Portugal, meu filho e pergunte quem foi a Rainha Maria I. Os brasileiros não sabem de nada a meu respeito. Teve uma peça de teatro escrita por um brasileiro, e interpretada por uma atriz portuguesa, a Maria do Céu Guerra, que me faz justiça. O autor foi o Antonio Cunha. Foi representada no Teatro Barraca. Conhece? Em Lisboa. Uma beleza. Agora, há dois anos.

Brasileiros – Mas a peça se chamava D. Maria, a Louca!

Dona Maria I – Mas me respeitava. Maria do Céu é a melhor atriz portuguesa.

Brasileiros – Mas por que a senhora enlouqueceu? Se é que enlouqueceu.

Pedro Prats
Pafrão FIFA – A entrevista aconteceu na luxuosa Basílica da Estrela (Real Basílica e Convento do Santíssimo Coração de Jesus), em Lisboa, Portugal

Dona Maria I – Tive um Alzheimer rápido e o João (D. João VI) me tirou do trono. Veja a vida que tive: em primeiro lugar, por uma questão lá dos Bragança, tive de me casar com o meu tio Pedro de Bragança. Não vais confundir com o Pedro I e o Pedro II, meu neto e o outro bisneto. Casei com o meu tio. Já foi uma barra! Mas tudo bem.

Dona Maria abre uma pequena bolsa pratea­da e tira um cigarrinho já enrolado.

Dona Maria I – Posso?

Brasileiros – Maconha?

Dona Maria I – Haxixe. Aceita?

Brasileiros – Obrigado, me dá muita larica. Tenho maconha aqui.

Dona Maria I – Se for do Maranhão, vou aceitar.

Enquanto fui buscar, comecei a pensar no “a Louca”. Será que era isso? Será que foi por causa da maconha que o D. João assumiu os assuntos de Estado em 1792, quando ela estava ainda com 58 anos? Ela dá uma forte tragada.

Dona Maria I – Continuando. Eu estava falando do que mesmo? Minha memória ultimamente…

Brasileiros – A senhora se casou com o tio José.

Dona Maria I – Isso! Obrigada. Muito bom esse do Maranhão. Isso não chega aqui em Lisboa. Vai direto para Paris. Napoleão, sabe? Só fuma do Maranhão… Mas, como eu ia dizendo, casei com o tio José. Que não fazia outra coisa a não ser sexo. Tive sete filhos com ele em 15 anos. É mole? Agora vejas, meu amigo, se não era para enlouquecer. Dos sete só um sobreviveu. Se tu tens filhos, sabes a dor e a loucura que é isso. Meu primeiro filho foi o José (mesmo nome do pai) que viveu apenas 17 anos, mas antes se casou com uma tia. Minha irmã. Meu filho se casou com a minha irmã! O pai casado com uma sobrinha e o filho com uma tia. Acho que ele virou tio dele mesmo, jamais entendi direito. O segundo filho, o João, nasceu morto. Olha a dor. Tive um segundo João que nasceu em setembro de 63 e morreu 24 dias depois. Eu, firme. Tive um quarto filho. Esse vingou.

Brasileiros – Esse que viria a ser o nosso D. João VI?

Dona Maria I – Exatamente. Depois dele, em 68, nasceu Mariana Vitória no Palácio de Queluz.

Brasileiros – Maravilhoso.

Dona Maria I – O fumo?

Brasileiros – O Palácio de Queluz.

Dona Maria I – E o tio José, meu marido, a fornicar. Em 74 nasceu Maria Clementina, que morreu com 2 anos. E pra fechar essa parte da minha vida, em 76 nasceu Maria Isabel, que morreu com 6 meses de idade. É pra enlouquecer ou não? E eu no governo. E não tinha esse negócio de Primeiro Ministro como a Rainha Elisabeth II, não. Era eu.

Brasileiros – A senhora se lembra de alguns atos do seu reinado?

Dona Maria I – Claro que me lembro. Portugal teve um grande desenvolvimento cultural e científico nas minhas mãos. Daí que veio o gosto pelas ciências e artes do João VI. Fundei a Academia Real das Ciências de Lisboa e a Real Biblioteca Pública da Corte.

Brasileiros – E foi também durante o seu reinado que aconteceu o processo, a condenação e a execução do alferes Joaquim José da Silva Xavier.

Dona Maria I – Quem é esse elemento? Desconheço.

Brasileiros – O Tiradentes.

Dona Maria I – Sim, foi, foi. Coitado deste estomatologista. Entrou de gaiato nessa história. Eu sugiro que a tua revista faça uma entrevista com ele. Ele vai te contar tudo. Se tinha alguém daquela canalha de latifundiários que não devia morrer era ele. Mas era pobrezinho, sabe? Sem pistolão. Mandei rezar várias missas por ele e toda a sua família. Um mártir, um injustiçado. Mas, dizem, excelente no seu ofício de extrair molares a seco.

Brasileiros – Enquanto eu estava enrolando, a senhora disse que gostaria de falar sobre a biblioteca.

Dona Maria I – Ah, sim, já havia me esquecido completamente. Durante o meu reinado, todos os livros que a Inquisição mandava queimar, eu guardava um exemplar comigo. Obras que foram banidas do público por motivos religiosos, políticos ou até mesmo eróticos. Guardava tudo. Ninguém sabia disso, nem o José. Livros dos séculos 15 e 16, tudo queimado. Quando viemos para o Brasil, em 1808, trouxe tudo comigo. Além dos 60 mil volumes da Biblioteca, eu trouxe todos os proibidos. Isso a oposição não vê, como diria seu amigo Tutty Vasques.

Brasileiros – Há quem diga que a senhora era a pessoa mais lúcida de todos os 16 mil portugueses que chegaram aqui em 1808.

Dona Maria I – De todos eu não posso dizer, mas mais lúcida que o meu filho D. João VI e da minha nora Dona Carlota Joaquina, com certeza. Eles eram caretas, preguiçosos… uma lástima. Mas eu fazia muita fé no Pedrinho que acabou proclamando a Independência de vocês. Um grande português!

Brasileiros – Ele nos deu uma entrevista dizendo que a senhora que o ensinou a tocar piano.

Dona Maria I – Disse isso, é? Esse era um dos poucos defeitos dele. Mentia muito. Desde pequenininho. Nunca toquei piano! Tocava trombone! Trombone de vara, conhece? Ainda toco de vez em quando, embora o meu fôlego não esteja lá essas coisas.

Olha para a bituca.

Dona Maria I – Me dê mais um aí que eu faço um solo de trombone para ti, que fostes mui simpático. Grita para dentro da sacristia – Joaninha, trazei o trombone e uns docinhos, Joaninha! E incenso! Muito incenso que a noite vai ser longa!

Brasileiros – Dona Maria, a senhora é o máximo! Trombone…


Comentários

4 respostas para “Mario Prata entrevista”

  1. Criatividade não falta a Mario Prata nesta entrevista. Parabéns ao querido Antonio Cunha por sua peça.
    abraços
    maura

  2. Avatar de maria do céu guerra
    maria do céu guerra

    muito obrigada pela referencia.A entrevista é muito engraçada.

  3. Avatar de Antonio Cunha
    Antonio Cunha

    Adorei, Mário!

  4. Avatar de Wander Nunes Frota
    Wander Nunes Frota

    Esse Mario Prata, hein!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.