Aenida Paulista, a vibe de São Paulo. O Masp – Museu de Arte de São Paulo – é o cenário adequado para entrevistar um dos mais produtivos, polêmicos e geniais artistas brasileiros contemporâneos, o paulistano Alberto Marsicano. Músico, escritor, tradutor e ser humano policromático e irrequieto, atualmente envolvido na divulgação do seu mais recente livro, Crônicas Marsicanas (L&PM), do CD Marsicano Sitar Experience – Sitar Hendrix (2007) e com o movimento SOS Masp, continua mais consciente e elétrico do que nunca. O citarista, que recebeu o Award Indiano em 1995, e concorreu ao Grammy Americano em 2007 com o Sitar Hendrix, é responsável pela introdução da cítara clássica no Brasil, aliando peças tradicionais (ragas) ao pop, rock, MPB e experimentalismo.
Discípulo de Ravi Shankar e Krishna Chakravarty, compõe por um processo que leva suas músicas a, literalmente, assumirem a forma do elemento que representam. O músico, por meio de seu instrumento, cria formas etéreas que, segundo ele, unem o mundo material ao universo interior do ser humano, na busca de timbres, sons e meios, que possam conduzir a alma a um estado de equilíbrio. Ao dominar sete línguas, entre elas o bengali e o hindi, e ler em 13, incluindo o grego e o chinês clássicos, construiu sobre si, com méritos, uma história de estreita ligação com a arte pura. Marsicano conta que a base do lançamento do foguete foi aos 13 anos com uma Gibson SG na mão. “Eu era malvisto no colégio por ter um grupo de rock e fui expulso. Comecei a ter uma noção do meu caminho na vida em 1974, quando fui para Londres.” Foi na lisérgica cidade, hospedado num loft de uma amiga artista plástica, que teve o primeiro contato com a cítara, pelas mãos de um inglês. Começou a fuçar no instrumento e foi fazer um workshop com o mestre Ravi Shankar. “O que me ajudou muito foi a afinação da cítara ser igual à da viola de dez cordas. Eu sempre adorei viola caipira. Essa afinação me deu um diferencial incrível no exterior. Os professores ficaram loucos, disseram que eu tinha muito jeito pra coisa. Aí começou minha trajetória de citarista.”
Marsicano afirma, fazendo uma pausa, que, quando voltou ao Brasil, ficou cinco anos sem tocar por falta de instrumento – doeu no espírito. Em 1980 recebeu uma cítara da Índia e fez seu primeiro recital – de cara resolveu também eletrificá-la, o que considera um fato emblemático em sua vida. Antes dele, apenas o guitarrista Sérgio Dias (Os Mutantes) havia tentado introduzir a cítara na música brasileira. “Eu segui uma luz quase profética que introduziu a Raga (modos usados na música clássica indiana) no Brasil. Quando criei coragem pra fazer o recital, aproveitei o lançamento do meu primeiro livro – Sendas Solares – para realizar uma performance de 20 minutos junto com o percussionista Zé Eduardo Nazário.” Teria sido notícia, mas foi no mesmo dia do assassinato de John Lennon, 8 de dezembro de 1980. A época era a do surgimento do punk, um ambiente pouco propício para viagens musicais mais elaboradas. Apesar disso, ele colaborou com a maioria dos grupos surgidos nos anos 1980, como os Titãs. Ao mesmo tempo em que traduzia obras como Escritos de Willian Blake (L&PM, 1984 – relançado agora), percebeu um forte elo entre a palavra e o som, estruturando um storyboard sonoro. A sensibilidade o fez linkar as nuances da cítara à literatura.
“As consoantes são sonoras e fazem o instrumento fl uir com nitidez. Nessa hora saquei que a nossa música de raiz tem tudo a ver com a cítara. Tenho um projeto de CD com canções de Baden Powell e João Gilberto.” Nos anos 1990, Marsicano foi algumas vezes à Índia para obter, como diz, o segredo espiritual entre a cítara e a alma. Paralelamente, começou a desenvolver um trabalho de fusão de Ragas com MPB, mas encontrou dificuldade em emplacar um trabalho desse porte numa cultura pop tão massificada e pautada pela fácil compreensão. “O que me animou foi saber que o Hendrix havia tentado usar a cítara elétrica no disco Axis: Bold As Love. Fiquei louco e, pesquisando, entendi como a técnica dele tem a ver com cítara. E se você perceber bem, a quebradeira de ‘Fire’ tem uma semelhança enorme com música brasileira.” Sitiado entre a produção massificada e os esquemas do mainstream, o músico apresenta seu Sitar Hendrix em recitais, junto com os clássicos, que ele afirma hipnotizarem o público jovem. “Não é verdade que eles sejam passivos e consumam apenas o lixo que as gravadoras impõem. Existe uma necessidade de coisas belas, diferentes e mais elaboradas.”
Marsicano afirma que não quer ter a imagem de um cara doidão, que é vegetariano, come arroz integral e, deixa claro, que busca construir uma linguagem original, criativa e diferente para seu som: a ressonância cósmica. E dispara: “O Terceiro Mundo é condenado a não pensar e é destinado a copiar os modelos do Primeiro Mundo. Eu tento pensar e fazer algo diferente, que provoque alguma refl exão nas pessoas”. E ri quando ao comentar que, ao enviar o CD Sitar Hendrix aos Estados Unidos, foi indicado ao Grammy imediatamente. “A cítara é um instrumento tão mágico que, quando você começa a tocar, a penetrar em seu universo, é como uma abdução. Vejo- me transportado para outro lugar. Uma experiência realizada na Índia constatou que a cítara eleva as ondas cerebrais ao estado alfa, é e-mail direto para a central”, finaliza.
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