Karl Marx escreveu poesias, cartas apaixonadas e até peças de teatro. Mas o seu estilo literário pode ser facilmente surpreendido em suas obras teóricas ou no terreno da história. Até mesmo em O Capital a ironia é uma arma da crítica. É provável que, sendo um escritor frustrado na literatura, ele tivesse desempenhado com vigor estético seu papel de polemista político.
Quando Marx finalizou o Manifesto, em janeiro de 1848, ele estava em Bruxelas, onde, naquele mesmo mês, proferiu uma palestra sobre o livre câmbio. Mas o que nos importa é que ali a forma teatral foi usada amiúde. A técnica chegaria à perfeição em O 18 Brumário de Luiz Bonaparte. Marx dá a palavra para representantes das classes sociais como se fossem personagens de uma peça.
No Manifesto Comunista ele faz o mesmo. E quase sempre recorre à comédia: “Para arregimentar o povo, esses senhores agitaram como bandeira a sacola de mendigo do proletariado. Contudo, toda vez que os seguiu, o povo reconheceu em seus traseiros os antigos brasões feudais e se dispersou em meio a gargalhadas” (tradução de Victor Klagsbrunn).
Observamos técnicas radicais de composição no Manifesto Comunista. Diálogos imaginários, cenas cômicas e discursos irônicos povoam a obra. Ele também faz uma bricolage e compõe um texto literariamente poderoso. Na introdução a uma edição inglesa, Stedman Jones mostra que a imagem do espectro que ronda a Europa já aparecia num dicionário alemão de época. A conexão entre desenvolvimento de necessidades e de diferentes formas de produção surgira em Hugo Grotius. A expressão “exploração do homem pelo homem” foi inventada pelos socialistas utópicos saintsimonianos. O termo “pagamento in cash” é uma expressão de Carlyle. A palavra Weltliteratur (literatura mundial) foi cunhada por Goethe. A imagem do coveiro que enterra o burguês provém de Proudhon. De Flora Tristan o Manifesto retira “a constituição do proletariado em classe”, como informa Maximilien Rubel em seu livro de título provocador: Marx Critique du Marxisme. Por fim, Marx copiou partes de um “catecismo comunista” escrito por Engels (e por isso ambos assinam a obra).
Sua linguagem está calcada no destinatário. Logo, é um texto “apelativo”. Sua força pode ser confirmada pela sua persistência. No século 21, ele continua a ser editado no Brasil ou na Alemanha, nos Estados Unidos ou na Argentina. Edições novas, quase sempre em formato de bolso e com belas capas, surgem em francês, curdo, romeno, turco, norueguês, sueco, italiano e também em quadrinhos e em cordel.
*Professor de História Contemporânea na Universidade de São Paulo.
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