Medos públicos, soluções privadas

Dilma Rousseff se apruma, mira seus interlocutores e canta: “Este é um congresso tropical, abençoado por Lênin e confuso por natureza“, parodiando o sucesso de Jorge Ben Jor. A cena é uma das muitas relatadas no livro O Cofre do Adhemar, do jornalista Alex Solnik, editor especial da Brasileiros, lançado dia 21 de setembro, mesma data de estreia da presidente nas Nações Unidas.

Com base em depoimentos do militante de esquerda Antonio Roberto Espinosa, Solnik relata o roubo de US$ 2,5 milhões do cofre secreto do ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros, em 1969, comandado pela organização revolucionária VAR-Palmares, da qual Dilma fez parte. A ação, que foi uma das mais emblemáticas da luta armada no Brasil, voltou aos holofotes nas eleições de 2010, quando a então candidata foi acusada de ter participado ativamente do assalto, embora seus colegas de VAR-Palmares negassem.

“Depois da expropriação do cofre, havia duas posições no movimento: um lado, do qual Dilma participava, era a favor de parar com as ações armadas e usar o dinheiro para financiar projetos de conscientização política. O outro, de Carlos Lamarca, queria a guerrilha rural. Então, houve esse Congresso clandestino, no qual estavam os ‘terroristas’ mais procurados do Brasil, e a Dilma resolveu cantar País Tropical para o Lamarca”, conta Solnik. “Os depoimentos revelam um perfil irônico e divertido da presidente, que não condiz muito com a imagem que
as pessoas têm dela.”.
[nggallery id=13912]

Mais abertura
Por ter se tornado chefe de Estado, Dilma é a personagem principal do livro de Solnik, cujos direitos já foram negociados para o cinema. O objetivo da obra, no entanto, é documentar uma das mais notórias ações de militantes clandestinos contra a ditadura, período da história que ainda carece de uma versão oficial. “Temos hoje o projeto da Comissão da Verdade, mas ele está sendo tratado de forma muito tímida. O governo tem de abrir os arquivos, liberar os documentos, fazer uma investigação longa. Não acho que tenhamos muitos livros sobre a ditadura. O que impede uma análise mais profunda desse período é o sigilo sobre as informações oficiais”, pondera o jornalista. O projeto, aprovado pela Câmara nesta quarta-feira (dia 21), será encaminhado para votação do Senado.

As personalidades presentes no lançamento do livro refletem a polêmica em torno do assunto. O ator Juca de Oliveira destaca a iniciativa de escritores que buscam documentar a luta contra a ditadura. “Precisamos olhar para esse período, porque é um vácuo na nossa história. É uma característica dos tempos atuais esse distanciamento de seus mortos, essa perda de memória. Pelo menos há consenso pela investigação, e acho positiva a posição de que a Comissão da Verdade não seja punitiva. Isso é papel do Ministério Público, e eu espero que haja punição para os casos mais graves”, avalia.

Já o ator e diretor Paulo César Pereio tem visão mais comedida. “Estabelecer a ‘verdade’ é uma forma de tornar as relações humanas impossíveis. Mas não conheço a história como o Alex a escreve, porque, embora tenha sido um caso com grande repercussão, as informações naquela época eram manipuladas”, pondera. “É um relato que só é possível hoje, porque antes não podia.”.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.