O Brasil deste início de século dá sinais de estar pronto para assumir seu papel de País do presente, distanciando-se da eterna promessa de “País do Futuro”, propagandeada por intelectuais, como Stefan Zweig, ao longo do século anterior. Já foi dito que um povo sem memória está fadado a repetir os erros do passado. Sendo assim, compreender de onde partimos é fundamental para saber como chegamos até aqui e, a partir daí, determinar para onde vamos. Um mergulho no Brasil do século XX por meio de sua memória fílmica é o que tem pontuado o trabalho do cineasta Eduardo Escorel desde 1990. Prova disso é a caixa de DVDs Era Vargas 1930-1935, produzida pela Tatu Filmes, que a Log On Multimídia acaba de lançar no mercado.
Incluindo os três primeiros de uma série de cinco documentários sobre o Brasil governado por Getulio Vargas, um dos personagens mais emblemáticos da história política do País no século XX, Era Vargas tem como foco os anos que vão dos levantes e demais acontecimentos políticos que o levaram ao poder em 1930, a princípio, apenas como governo provisório, até a chegada do Estado Novo, em 1937, aqui definitivamente como ditador. O projeto surgiu sob encomenda para a, hoje extinta, TV Manchete, em 1990. O que seria um programa para a emissora no aniversário de 60 anos da Revolução Constitucionalista acabou por revelar rico material de arquivo, inédito em grande parte. Assim surgiu a ideia de transformá-lo em uma série.
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O primeiro DVD traz o filme original, 1930 – Tempo de Revolução (1990), refletindo os últimos anos da República Velha. Os brasileiros do início século XX, que começara realmente apenas em 1914 com a eclosão da Primeira Grande Guerra, entravam nos anos 1920 condenados à modernidade. O ambiente era de insatisfação com as velhas oligarquias, quando a política Café com Leite ainda vigorava, alternando a manutenção do poder entre São Paulo e Minas Gerais, e com o voto aberto que facilitava a fraude por meio do cabresto. Em contraste surgiria uma nova classe intelectual disposta a romper com o passado e abrir as portas para a modernidade, como os artistas que escandalizaram o país na Semana de Arte Moderna. Esse era o pano de fundo para a narrativa de Edwin Luisi.
Permeado por depoimentos de historiadores, como Boris Fausto e Antonio Candido, entre outros, o filme é ilustrado com imagens poucas vezes vistas dos primeiros focos de revolta, como o movimento tenentista de São Paulo, ocorrido em 1924, e outros eventos políticos que antecederam a tomada do Palácio do Catete e a chegada de Vargas ao poder em 1930.
1932 – A Guerra Civil (1992), o segundo DVD, reflete a insatisfação de São Paulo e outros Estados com o governo de Getulio Vargas, que já demonstrava características de uma ditadura e era acusado de apenas trocar uma oligarquia por outra. A revolta paulista culminou em uma guerra civil que durou três meses, resultando em cerca de 800 vítimas, mais do que o número de brasileiros mortos durante a Segunda Guerra Mundial, mas com apoio maciço da população e alistamento espontâneo de 45 mil civis. Além do depoimento de historiadores e sobreviventes, que questionam a ideia ainda em voga de que o levante tinha intenções separatistas, o filme é rico em documentos filmados de manifestações populares e das tropas nas principais frentes de batalha. O destaque fica para uma cena que mostra um grupo de soldados brincando com a famosa matraca, engenhoca criada para imitar o som de metralhadoras e dar a impressão de melhor armamento para um grupo de revoltosos, muito inferior, em número e poderio bélico, ao Exército Nacional.
Já 1935 – O Assalto ao Poder (2002), o melhor e de maior duração dos três, é dividido em duas partes e registra um dos momentos mais marcantes da utopia comunista no País. Por meio de depoimentos de historiadores e, em especial, do lendário “Cavaleiro da Esperança”, Luiz Carlos Prestes – em entrevista de 1983 -, o filme registra os três levantes militares que, no fim daquele ano, tentaram derrubar o governo de Vargas. Analisa os acertos e erros dos revoltosos e os motivos para a derrota do movimento que culminou com o recrudescimento da repressão varguista, implacável com os insurretos que foram duramente caçados, presos e torturados, após o fracasso da insurreição. O DVD traz como extras uma série de fotografias históricas do período.
Cineasta e montador, Eduardo Escorel atua no meio cinematográfico desde os 20 anos. Foi assistente de Joaquim Pedro de Andrade e estreou no documentário com Bethânia Bem de Perto, dirigido em parceria com Júlio Bressane. Graduado em Ciência Política e Social, foi montador de Macunaíma (1969), entre outros filmes de Joaquim Pedro de Andrade, e quatro filmes de Glauber Rocha, Terra em Transe (1966), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), O Leão de Sete Cabeças (1970) e Cabeças Cortadas (1970). Também atuou como montador em Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho. Atualmente, finaliza Imagens do Estado Novo, quarto episódio de sua série Era Vargas, cobrindo o período que vai de 1937 à sua derrubada do poder, em 1945, e tem lançamento previsto para 2012. Mais de duas décadas desde o lançamento do primeiro documentário da série, em 1990, o cineasta já reuniu material inédito suficiente para contar a história política do País durante o século XX. Embora a série sobre os anos de Getulio Vargas esteja próxima da conclusão, sua intenção é levar o projeto adiante, chegando até 1985 e o fim da Ditadura Militar.
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