Memórias políticas

Oliver Chien / Divulgação

Randal Johnson

Entre os dias 3 e 7 de julho, será realizada em Paraty, no Rio de Janeiro, a 11a FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty. O evento terá mais de 40 convidados, será aberto com um show intimista de Gilberto Gil e o grande homenageado da nova edição será Graciliano Ramos. Em 27 de outubro de 2012, foram completados 120 anos de nascimento do escritor alagoano, e a FLIP estenderá as celebrações promovendo, entre outras ações, uma mesa de debates sobre o autor de clássicos como Vidas Secas e São Bernardo. Graciliano morreu em 1953, aos 61 anos incompletos, vitimado por um câncer de pulmão.

Um dos mais importantes nomes da literatura brasileira, ele foi também jornalista e político. Entre 1928 e 1930, chegou a assumir a prefeitura de Palmeira dos Índios, em Alagoas, eleito pelo voto popular. E será justamente essa faceta engajada e controversa de Graciliano, mais especificamente suas relações com o Estado Novo de Getulio Vargas e o comunismo, o tema da mesa de debates que será aberta pelo escritor Milton Hatoum e contará com a presença do brasilianista norte-americano Randal Johnson.

Professor do Departamento de Espanhol e Português da Universidade da Califórnia (UCLA) nos Estados Unidos, Johnson defendeu teses acadêmicas sobre o Cinema Novo e conclui, agora, um novo estudo sobre os diferentes posicionamentos políticos tomados, entre as décadas de 1930 e 1940, por quatro escritores brasileiros – Mário de Andrade, Cassiano Ricardo, Otávio de Faria e Graciliano Ramos. No capítulo dedicado ao autor de Memórias do Cárcere, o brasilianista defende que Graciliano já era comunista cerca de dez anos antes de sua filiação ao Partido Comunista do Brasil – PCB, em 1945.

Na entrevista a seguir, Johnson fala de sua paixão pelo Brasil, antecipa aspectos abordados em seu novo estudo e opina sobre as adaptações de Graciliano Ramos feitas pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos, que também integrará os debates na FLIP.

Gracilano no cinema – Cartazes originais das adaptações de Vidas Secas (1963), dirigido por Nelson Pereira dos Santos, e São Bernardo (1972), de Leon Hirszman

BrasileirosComo surgiu seu profundo interesse pelo Brasil?

Randal Johnson – Quando entrei na faculdade, já falava espanhol, mas também queria aprender português. Sabendo que a universidade ia começar a oferecer disciplinas em língua portuguesa, comprei, em meados de 1967, um disco de João Gilberto cantando músicas de Tom Jobim. Não entendia nada do que ele cantava, mas fiquei apaixonado. A partir daí, uma coisa levou a outra. Em 1971, tive a grande oportunidade de estudar na Universidade do Texas com Haroldo de Campos e Massaud Moisés, e, depois, com Affonso Romano de Sant’Anna. Foi Haroldo quem me inspirou a escrever uma tese de doutorado sobre o filme Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, adaptado do romance de Mário de Andrade. Fiz pesquisas na USP e tive a grande honra de conhecer Paulo Emílio Salles Gomes, Jean-Claude Bernardet, Maria Rita Galvão e outros críticos. Acabei me casando com uma brasileira e meus dois filhos são brasileiros. Sou o único gringo da família.

BrasileirosO senhor está prestes a lançar um novo estudo sobre as relações de Graciliano Ramos e outros três escritores brasileiros e o Estado Novo. O que pode antecipar?

R.J. – O livro que estou terminando trata do que chamo de relações sociais da literatura brasileira no período de 1925 a 1945. Trabalho com um conceito desenvolvido pelo crítico Edward Said, que defende a ideia de que os textos literários constituem uma rede dinâmica de relações sociais, intimamente vinculadas a relações sutis de autoridade e de poder. Esse poder não se refere necessariamente ao poder do Estado; pode se referir ao poder simbólico dentro do campo literário, em que onde existem hierarquias de vários tipos. Alguns romances são publicados pelas melhores editoras, outros não. Alguns se tornam canônicos, outros desaparecem. E isso depende em parte do que Said chama de “afiliações” ou as relações entre as obras propriamente ditas e diversas instituições, agências, classes e assim por diante. Ou ainda o que Bourdieu (o sociólogo francês Pierre Bourdieu) chamaria de “instâncias de consagração”. A prática literária se define, portanto, tanto em termos de uma intertextualidade, propriamente literária, quanto em termos do quadro institucional que sustenta a literatura de múltiplas maneiras. O livro trata de quatro escritores – Mário de Andrade, Cassiano Ricardo, Otávio de Faria e Graciliano Ramos – cada um representando determinada posição. No caso específico de Graciliano, estou interessado no processo da construção do perfil que ocupa, como escritor de esquerda, no campo literário brasileiro.

BrasileirosNelson Pereira dos Santos também estará na FLIP e fez adaptações de Vidas Secas e Memórias do Cárcere. Que avaliação o senhor faz dessas releituras?

R.J. – Graciliano Ramos teve muita sorte no cinema, com adaptações do peso de Vidas Secas e Memórias do Cárcere, de Nelson Pereira dos Santos, e São Bernardo, de Leon Hirszman. Isso se deve, a meu ver, a uma feliz consonância entre a visão estética e política do romancista e dos diretores. Quando Nelson fez Vidas Secas, não era apenas uma questão de adaptar uma obra clássica da literatura para o cinema, mas também de participar, de alguma maneira, de debates importantes que estavam ocorrendo na sociedade brasileira no começo dos anos 1960, particularmente questões relacionadas à pobreza e à reforma agrária. De certa forma, a mesma coisa aconteceu com Leon em São Bernardo, que representa uma crítica a determinado modelo econômico. Com Memórias do Cárcere, Nelson transformou o livro de Graciliano, que já é uma denúncia extremamente eloquente do autoritarismo e do arbítrio, em um marco importante na campanha para a redemocratização do País, depois de 20 anos de ditadura. É natural que Nelson tivesse de condensar a narrativa e fundir alguns personagens. Mas é um filme da maior importância para o cinema brasileiro.


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