“Somos todos um bando de macacos sem pelos/ Só que a gente caga no banheiro”. Assim começa a música que dá título ao novo álbum de Meno Del Picchia, Macaco sem Pelo, segundo trabalho solo do cantor, compositor e instrumentista paulista. Os versos, bastante representativos da temática que percorre o álbum, podem parecer apenas uma rima divertida quando ouvidos pela primeira vez. E, sim, são divertidos. Mas ao entrar na “viagem” do disco, o ouvinte logo percebe que o humor de Meno, presente em várias das dez faixas do trabalho, não tem nada de ingênuo ou simplista e é, na verdade, o meio pelo qual o músico adentra questões humanas mais complexas e profundas.
“Uma linha fundamental do disco é essa de pensar, de forma bem-humorada, as fronteiras entre o mundo humano e o mundo animal. Ou seja, o lado civilizado, mais controlado, racional; e o lado que é mais instintivo, visceral, caótico. E, na verdade, pensar que esses dois mundos são um só. A gente quer dividir, mas está tudo conectado”, explica Meno. A faixa de abertura, Acasalamento, explicita bem a discussão, nos versos: “Um acasalamento nem sempre é racional/ É o ponto de encontro do humano e do animal”. E no refrão que se segue: “Quando um procura e o outro aceita/ Que estrutura mais perfeita”.
Com o disco, Meno, que tem 35 anos, conseguiu aproximar como nunca suas duas grandes áreas de interesse: música e antropologia. “A antropologia, ao mesmo tempo em que está falando de diferenças culturais, também está falando que somos todos um só. São diferenças culturais que acontecem em um corpo comum. Um corpo humano que é compartilhado”, diz ele, mestre na área desde a última segunda-feira, quando defendeu sua tese na USP sob orientação da antropóloga Rose Satiko. Com o show de lançamento do disco (já disponível para download gratuito no site) nesta quinta-feira, dia 14, Meno conclui dois partos em uma só semana. Ou, como prefere dizer, “um parto só, de gêmeos”.
Musicalidade
Nascido e criado em Bragança Paulista, bisneto do escritor, pintor e escultor modernista Menotti Del Picchia, Meno começou a tocar ainda criança, na cidade do interior paulista. Baixista e guitarrista, intensificou sua presença no meio musical quando veio para São Paulo, aos 18 anos, e nos últimos anos tocou com nomes como Bocato, Tulipa Ruiz, Metá-Metá, Passo Torto, Ricardo Herz, Cérebro Eletrônico, Andreia Dias, Peri Pane, Gustavo Galo e Badi Assad, entre outros, além de integrar a banda Druques. Convivendo com tantos parceiros em uma cena paulistana efervescente, concebeu Macaco sem Pelo de modo mais coletivo do que fez em seu álbum de estreia, lançado em 2008.
Com Marcelo Effori na bateria, Zé Pi na guitarra e Otavio Carvalho nos teclados e produção – além de participações de André Abujamra, Tatá Aeroplano, entre outros – Meno passeia por sonoridades diversas, mas que define, de modo geral, como “um disco de pegada latina e, ao mesmo tempo, rock n’roll”. Latina, explica ele, com referências à música nordestina, paraense e até mesmo à cumbia; rock, por sua vez, em levadas suingadas de guitarra e referências que vão do punk ao soul. No fim, “é também um disco pop”, diz ele.
Para a parte gráfica do álbum, o músico chamou o artista Paulo Papaleo, e se submeteu a uma experiência de transformação visual radical, deixando o cabelo crescer por meses e depois raspando todo o “pelo” (veja vídeo abaixo). Assim como as letras do disco, a capa subverte a noção de evolução: “O disco critica um pouco tanto essa nossa vida metropolitana, dentro dos muros, quanto essa nossa vida tecnológica demais, que tira a gente um pouco do barro do chão”, conclui Meno. Ou, como canta no disco, na mesma letra de música citada na primeira linha deste texto: “A gente pensa que é superior/ Só porque leva a vida no teclado do computador”.
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