Convivemos hoje com xingamentos e agressões contra quem pensa de maneira diferente. Foto: Hélio Campos Mello
Convivemos hoje com xingamentos e agressões contra quem pensa de maneira diferente. Foto: Hélio Campos Mello

Mais do que impeachment, o que o Brasil precisa mesmo é de um divã. Convivemos hoje com xingamentos e agressões contra quem pensa de maneira diferente, se veste com cores identificadas com essa ou com aquela agremiação política ou defenda pontos de vista diferentes.

Exemplos disso não param de crescer. Como um casal que foi agredido na avenida Paulista porque estava com uma bicicleta vermelha.

Esta intolerância patológica permeia o cenário político atual e é este debate que está no cerne desta edição de abril de 2016 da Brasileiros. Muito além das paixões, pensadores de primeira linha analisam a crise desencadeada pela gana dos opositores para derrubar a presidenta eleita, aliada à inépcia do próprio governo( a propósito, o substantivo presidente aqui é usado no feminino – presidenta – porque assim lá está, na página 1.546, no Dicionário Houaiss, em sua edição 2009)

Impeachment é um instrumento previsto na Constituição. Não depende da direção dos ventos. Para que um processo de impeachment culmine no afastamento de um presidente da República, é preciso que exista um crime de responsabilidade comprovado. De outra forma, é golpe. Desde a proclamação do resultado das eleições de 2014, seguida por um pedido de recontagem de votos pelo PSDB, Dilma Rousseff não teve nem um minuto de sossego. A pressão dos adversários, associada aos desacertos de sua gestão, provocou uma paralisia na máquina do governo. Como se não bastasse, a Operação Lava Jato não deixou pedra sobre pedra no campo do PT. Paralisadas pela perplexidade, as forças progressistas se recolheram até que a estratégia de “vazamentos seletivos” e as condutas questionáveis da chamada República de Curitiba ficassem evidentes.

A esquerda só começou a sair das cordas em meados de dezembro de 2015, depois que professores universitários lançaram o documento Impeachment, Legalidade e Democracia, na tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Entre os signatários estava o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, que em artigo nesta edição defende a não existência de argumentos jurídicos para o impeachment: “Eles não existem a não ser em pessoas que tenham sido tomadas por emoções como a justa indignação e o apaixonado ódio, ou então nos oportunistas que querem governar sem terem vencido nas urnas, ou então para quem o impeachment é a melhor forma de terminar a crise política e a crise econômica”.

A partir do ato no Largo São Francisco, as ruas passaram a ser ocupadas e uma divisão se estabeleceu. No dia 13 de março, um dos grupos promoveu uma megamanifestação na avenida Paulista, com semelhanças com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, arquitetada 52 anos antes, para derrubar o governo João Goulart.

O herói da manifestação dos defensores do impeachment foi o juiz Sergio Moro, da Lava Jato. Para cada cartaz de “Fora Dilma”, “Fora PT”, havia pelo menos uma louvação ao juiz, que no começo do mês havia promovido uma condução coercitiva irregular do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um dos cartazes recorria de forma direta ao espírito de 1964: “Moro, livrai-nos do mal. Amém”. Três dias depois, o juiz colocou mais lenha na fogueira ao divulgar grampos de conversas telefônicas de Lula, inclusive com a presidenta. Com o País perplexo e a notícia do grampo correndo mundo afora, o grupo pró-impeachment decidiu acampar na Paulista, em frente à Fiesp, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Apoiadora do golpe de 1964, assim como a mídia de antes e de hoje, a Fiesp, uma das principais articuladoras do movimento para a deposição de Dilma Rousseff, alimentou os acampados.

O acampamento durou 36 horas, marcadas por intolerância e ódio. Um adolescente que passou pelo grupo foi perseguido e agredido com tapas, chutes e socos na cabeça. A calçada só foi liberada depois de intervenção da Polícia Militar, pouco antes do ato contra o impeachment. De lá para cá, o equilíbrio de forças entre os dois campos ideológicos parece aumentar,  mas também aumentam os atritos entre desconhecidos, colegas, amigos e familiares por causa da política. Em Porto Alegre, uma médica pediatra interrompeu o atendimento de um bebê de um ano, que acompanhava desde o primeiro mês de vida, porque os pais são de esquerda. A médica chegou inclusive a avisar que está “declinando, em caráter irrevogável, da condição de pediatra” da criança, em mensagem enviada por WhatsApp à mãe do bebê, Ariane Leitão, que foi secretária de Políticas Públicas para Mulheres na gestão de Tarso Genro (2011-2014). Caiu por terra a ideia do “homem cordial”, central no livro Raízes do Brasil, do historiador Sergio Buarque de Holanda (1902-1980), como disse à repórter Vivian Mocellin a filósofa Marcia Tiburi. Também disse a autora de Como Conversar com um Fascista que o desrespeito à alteridade – ao que pensa o outro – é sinônimo de burrice.

E é por tudo isso que não por acaso o pacote de ecumênicas opiniões preparado pela Brasileiros para debater o Brasil tem Tales Ab’Sáber, um psicanalista, em sua abertura.

A partir do ato no Largo São Francisco, as ruas passaram a ser ocupadas e uma divisão se estabeleceu. No dia 13 de março, um dos grupos promoveu uma mega-manifestação na avenida Paulista, com semelhanças com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, arquitetada 52 anos antes, para derrubar o governo João Goulart.

O herói da manifestação dos defensores do impeachment foi o juiz Sergio Moro, da Lava Jato. Para cada cartaz de “Fora Dilma”, “Fora PT”, havia pelo menos uma louvação ao juiz, que no começo do mês havia promovido uma condução coercitiva irregular do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um dos cartazes recorria de forma direta ao espírito de 1964: “Moro, livrai-nos do mal. Amém!”. Três dias depois, o juiz colocou mais lenha na fogueira ao divulgar grampos de conversas telefônicas de Lula, inclusive com a presidenta. Com o País perplexo e a notícia do grampo correndo mundo afora, o grupo pró-impeachment decidiu acampar na Paulista, em frente à Fiesp, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Apoiadora do golpe de 1964, assim como a mídia de antes e de hoje, a Fiesp, uma das principais articuladoras do movimento para a deposição de Dilma Rousseff, alimentou os acampados.

O acampamento durou 36 horas, marcadas por intolerância e ódio. Um adolescente que passou pelo grupo foi perseguido e agredido com tapas, chutes e socos na cabeça. A calçada só foi liberada depois de intervenção da Polícia Militar, pouco antes do ato contra o impeachment. De lá para cá, o equilíbrio de forças entre os dois campos ideológicos parece aumentar, mas também aumentam os atritos entre desconhecidos, colegas, amigos e familiares por causa da política.

Em Porto Alegre, uma médica pediatra interrompeu o atendimento de um bebê de um ano, que acompanhava desde o primeiro mês de vida, porque os pais são de esquerda. A médica chegou inclusive a avisar que está “declinando, em caráter irrevogável, da condição de pediatra” da criança, em mensagem enviada por WhatsApp à mãe do bebê, Ariane Leitão, que foi secretária de Políticas Públicas para Mulheres na gestão de Tarso Genro (2011-2014).

Caiu por terra a ideia do “homem cordial”, central no livro Raízes do Brasil, do historiador Sergio Buarque de Holanda (1902-1980), como disse à repórter Vivian Mocellin a filósofa Marcia Tiburi. Também disse a autora de Como Conversar com um Fascista que o desrespeito à alteridade – ao que pensa o outro – é sinônimo de burrice.

E é por tudo isso que não por acaso o pacote de ecumênicas opiniões preparado pela Brasileiros para debater o Brasil tem Tales Ab’Sáber, um psicanalista, em sua abertura (leia a entrevista).


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