Mensalão ou a suprema indefinição

Ninguém seria capaz de definir com precisão o que, afinal de contas, foi o mensalão. Nele coube tanta coisa, entre as suas verdades e as fabulações com que jornalistas, procuradores e juízes o engordaram, que toda tentativa de defini-lo deixará pedaços importantes descobertos.

O problema começa do nome: mensalão é que o mensalão não foi. O dinheiro que correu em suas muitas veias não obedeceu a calendário. Apesar disso, foi o nome de péssimo gosto, da mesma família do “Minhocão” paulistano, que gerou para esse acontecimento multiforme a fisionomia que prevaleceu – a compra de votos na Câmara com dinheiro público e dinheiro de uma farsa bancária.

Sorte a do procurador-geral da República e do ministro-relator no Supremo Tribunal Federal, Roberto Gurgel e Joaquim Barbosa. O nome funcionou como uma seta de beira de estrada. Diante do emaranhado de fatos escuros e personagens cinzentas, o nome lhes indicou uma saída: adotá-lo como verdade e considerá-la demonstrada com outras verdades ou nem tanto. Se as denúncias de Roberto Jefferson fossem batizadas, por exemplo, de elefantão, muita gente ainda seguraria rabo pensando ser tromba, na procura de dar ao acontecimento a significação política pretendida.

Sobre o alicerce do que tinha de ser o mensalão, ergueu-se “o maior julgamento da história do Supremo”. Maior em que sentido, não ficou claro. Nem isso importa, desde que achemos mais um maior qualquer. Importante foram os proveitos oferecidos por esse julgamento. Ao menos três. A começar da transmissão de TV, muito didática sobre o Supremo, presume-se que para alguns milhões de pessoas que o viram em alguma das oportunidades.

Os fatos e depoimentos expostos no tribunal mostraram bem o estado a que está reduzido o fazer política no Brasil. Com a contribuição de leis e regimentos caducos ou imprestáveis de nascença, como a legislação do sistema partidário, o funcionamento descomprometido e mercantilista de Câmara, Senado, Assembleias e câmaras municipais. O custo para os cofres públicos e o facilitário rendoso da vida de político. E tanto mais.

A transmissão mostrou ainda o erro, voluntário ou não, de dar o chamado mensalão como compra regular de votos pró-governo na Câmara. Certo e demonstrado, é que o PT usou o esquema de Marcos Valério – antes praticado pelo PSDB – para pagar dívidas de campanhas eleitorais alheias, em troca de alianças partidárias. É uma forma de aquisição de apoio, sem dúvida, mas não é a “compra de votos para apoiar projetos de interesse do governo”, como feito para a reeleição presidencial.

Mas houve também milhões recebidos por pessoas como Valdemar Costa Neto e Roberto Jefferson sem evidência de repasse a outros. E houve compra de apartamento para namorada de presidente de partido. E houve grandes violações da legislação bancária em proveito não só de políticos, mas de bancos. E houve milhões em ganhos de agências de publicidade. Houve demais para uma definição só e precisa.


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