O Tratado de Assunção, que deu origem ao Mercosul, completa 20 anos no dia 26 de março. Um aniversário que muitos acreditam valer a pena comemorar. Por que não? Há pouco mais de um ano, quando o parlamento brasileiro aprovou a entrada da Venezuela como membro do bloco, discutimos aqui o significado da integração regional e os problemas em pauta naquele momento (Brasileiros, edição no 31, de fevereiro de 2010). São os mesmos que ainda povoam a agenda de política externa de seus membros. Vejamos como agregar outros elementos a esse debate.
O Mercosul é uma união aduaneira. Seus membros acordaram entre si a livre circulação de produtos e serviços – ou seja, os bens devem ser comercializados entre os sócios sem tarifas – e estabeleceram uma Tarifa Externa Comum (TEC) a ser utilizada nas trocas com os demais países fora do grupo.
Está prevista a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos nas cláusulas comerciais. Mas o Mercosul dos documentos e dos grupos de trabalho comuns pretende ir além do comércio com a adoção de políticas conjuntas, como a de estabelecer diretrizes para a coordenação macroeconômica entre os países membros.
No entanto, para além de acordos e discursos políticos, é notório o impasse que foi se desenhando para o grupo desde 1998, quando ficou claro que o Brasil deveria mudar sua política cambial o que, com a desvalorização do real, alteraria a estrutura de preços relativos no comércio intrabloco. No momento do abandono da política de paridade com o dólar na Argentina e a profunda crise que se seguiu em 2002, os compromissos com o Mercosul pareceram sair da lista de prioridades daquele país.
No ano de lançamento do Mercosul, as exportações brasileiras para os três novos parceiros representavam 7% do total vendido pelo mundo; em 1998, chegaram a 17% e, no ano passado, foram de 11%. Para a Argentina, as vendas no Mercosul foram de 17%, 36% e 25% nos mesmos anos. Tomando a mesma informação para as duas economias menores, percebe-se que a importância do bloco para ambas é relativamente muito maior. Desde 1994, mais de 50% das exportações paraguaias vão aos países participantes. O Uruguai realiza cerca de 28% de suas vendas dentro do bloco.
Aí, já aparece o problema estrutural mais grave, que é a enorme assimetria entre seus sócios. A começar pelo tamanho das quatro economias, pelas diferenças de renda, pela extensão de território e população. Do ponto de vista institucional, também existem diferenças importantes nas redes de políticas públicas, no funcionamento dos bancos centrais. Isso para não entrar no âmbito das tradições e histórias políticas.
O desafio de minimizar ou diminuir as assimetrias está reconhecido no papel e mesmo em iniciativas concretas como o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM), que foi criado em 2004 com o objetivo de financiar investimentos nos países e regiões menos desenvolvidos.
No campo da política macroeconômica – exatamente onde foi gestada a maior fonte de distanciamento -, a cooperação é incipiente e estamos muito longe de uma convergência entre os sócios. Existem esforços de produção de estatísticas harmonizadas, grupos de análise e discussão, mas cada governo acaba fazendo o que rigorosamente mais lhe convém em cada situação determinada.
Um exemplo emblemático disso é o fato que estampou manchetes da imprensa brasileira em fevereiro: perante as restrições ao comércio, impostas pelo governo argentino, grandes empresas brasileiras e multinacionais se instalaram no país vizinho para produzir e ter acesso ao mercado local. Cresceu 170% em dez anos o número de empresas brasileiras produzindo na Argentina. Obviamente, isso gera empregos lá, como típico resultado de uma política protecionista à moda antiga. A integração econômica deve implicar exatamente o contrário, deve levar à complementação e não à competição entre as estruturas produtivas nacionais.
Então, aparecem as questões bem pé no chão: vale a pena prosseguir e superar as barreiras políticas em um esforço para ampliar e aprofundar a integração? Em caso afirmativo, como fazer?
Existem grandes desafios nacionais a serem enfrentados por nós e nossos parceiros no bloco. A Argentina está próxima de um processo eleitoral e sem a presença de um líder importante depois da morte de Nestor Kirchner. A Venezuela – mesmo não totalmente integrada, pois falta a ratificação do parlamento paraguaio – apresenta uma série de características políticas e econômicas que a diferenciam de todos os demais sócios. Uruguai e Paraguai são economias menores que precisam da solidariedade dos parceiros em várias frentes. O Brasil, além de suas muitas tarefas domésticas, constrói lentamente uma posição mais destacada no cenário mundial.
O Brasil se consolida como “potência emergente” – conceito muito em voga para designar países com importante presença econômica que passaram a aspirar, e de fato desempenhar, um maior peso nas arenas de negociação global. Combina muito bem com esse papel o exercício de alguma liderança regional.
O governo Lula manteve um discurso fortemente favorável ao Mercosul e uma atitude bastante aberta em relação às demandas dos parceiros. O novo governo indica prosseguir com apreço à integração regional, embora ainda não se tenha indicações mais precisas de como atuará no bloco. Mesmo sabendo que as decisões dependem de todos os sócios, o Brasil ocupa um espaço central. Em um mundo com grandes blocos e alguns participantes de peso nos mercados mundiais, pode ser mais confortável atuar em bloco.
A integração é uma escolha difícil e sua construção é penosa. Mas vale a pena. O Mercosul não está morto e ainda pode ser uma opção atrativa para o Brasil, apesar da lentidão que vem enfrentando nos últimos anos.
*Economista e professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo.
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