A campainha toca e quem primeiro surge é um dog alemão latindo. Logo atrás, vem João Paulo Lorenzon. “Não se preocupe. Ele é como Jorge Luis Borges, cego e manso”, diz. A citação não é gratuita, pois o escritor argentino é uma figura recorrente na carreira desse ator de 33 anos, que vem se especializando em monólogos teatrais. A vida no palco começou cedo. “Minha primeira aparição foi no Teatro Vento Forte. Ilo Krugli, o argentino que fundou o grupo, fazia um Diabo que falava: ‘Ninguém pode me deter’. Eu me lembro dele fantasiado, quando puxei a espada de plástico e disse: ‘Eu posso!’. Eu tinha uns 6 anos e logo percebi o que tinha feito. Ultrapassei uma parede ali. Então, soltei a espada e fui chorar no colo da minha avó, morrendo de vergonha.” Mais velho, Lorenzon se encontrou novamente com o teatro. “No colégio, gostava desse mundo da fantasia. Também acho que tive uma dose de lirismo exagerado na infância. Era muito ligado à minha avó materna e a casa dela era cheia de redes, dragões, totens, música alta, desenhos.” Antes de se tornar profissional, Lorenzon formou-se em Direito. Mas, enquanto estudava, participou de uma montagem de Rei Lear, com Raul Cortez, foi dirigido por Elias Andreato e arriscou-se no cinema (De Cara Limpa). Até que, uma hora, foi aceito no Núcleo Experimental do SESI e deixou a advocacia definitivamente de lado. “Fiquei no SESI três anos. Quando saí, queria montar algo pessoal, mas não tinha pensado em um solo. Foi quando me deparei com Borges e senti que podia ser bonito estar sozinho.” A partir daí, nasceu Memória do Mundo (2008), um acerto de contas com seus fantasmas em relação à profissão. Seguiram-se novos voos solo: O Funâmbulo (2009), de Jean Genet, e De Verdade (2010), baseado no livro do húngaro Sándor Márai. “Já no De Verdade quis mostrar o fracasso amoroso numa espécie de afogamento lento.” No entanto, uma série de dificuldades impediu a realização desse projeto. Em um acaso, Lorenzon conheceu o artista plástico Maurizio Mancioli e seu Acquabox. A partir desse encontro, criou o espetáculo Água (2011). Em uma série de mergulhos em um cilindro com 2,5 m de água, o ator interpreta momentos do amor, a partir de textos de autores como Umberto Eco, Clarice Lispector, Carlos Drummond e William Blake. “Em Água fui tomado por uma ideia.”

Enquanto Água continua em cartaz até fim de junho, o ator estreia seu quinto solo, Eu Vi o Sol Brilhar em Toda sua Glória. É um novo encontro com o texto de Jorge Luis Borges (1899-1986), mas dessa vez apontando para perdas maiores que as do amor. “É sobre como somos feitos do que perdemos”, resume.


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