Meu manual de sobrevivência na selva urbana de São Paulo

Morar perto do local do emprego ou vice-versa é uma boa solução, mas o ideal mesmo é não ter chefe nem patrão e poder trabalhar em casa – uma opção de sobrevivência profissional que ficou mais fácil com a internet e beneficia cada vez mais gente. Ou então o jeito é dormir na fábrica ou no escritório.

De qualquer forma, para sobreviver com um mínimo de dignidade em São Paulo é preciso, na medida do possível, evitar o trânsito. Quanto menos você tiver que circular pela cidade, melhor.

Num raio de uns 200 metros de onde moro, no Jardim Paulista, encontro tudo o que um cidadão da minha idade precisa: farmácias, várias farmácias, dois supermercados, agências bancárias e dos correios, padarias, quitandas, açougues, lojas de roupas e utensílios domésticos, chaveiro, encanador, eletricista, bancas de jornal, sapateiro, barbeiro, um monte de bares e restaurantes para todos os gostos e preços.

E o melhor de tudo: estou a meio caminho de onde moram minhas filhas e netos. Posso ir visitá-los todos os dias a pé, se quiser. Só pego o carro na garagem quando vou sair da cidade nos fins de semana. Fora isso, para ir ao médico, ao dentista ou a um jantar na casa de amigos, tenho um ponto de táxi bem na esquina, em frente ao meu bar predileto, uma caminhada de menos de meia quadra.

Por isso, acho que fui um dos poucos paulistanos que nada sofreu com o temporal de quinta-feira. A cada chuva mais forte, repetem-se na televisão as cenas de desespero das pessoas ilhadas nos carros e nas casas, mortos na periferia, trânsito parado por toda a cidade, sujeira nas ruas, prejuízos para todos.

O pior é que há previsão de mais chuvas para os próximos dias. Mas nem é preciso mais cair um toró em São Paulo para a cidade parar. Quase toda semana a cidade bate recordes de congestionamentos. Basta um acidente de trânsito nas Marginais ou um protesto na avenida Paulista para o trânsito virar um inferno.

Também, com 1.000 carros novos entrando por dia na cidade, não tem prefeito mágico nem obra milagrosa que dê jeito. Novas linhas do metrô ou mais um trecho de Rodoanel são obras caras e demoradas que, quando ficam prontas, já não são suficientes para ao menos aliviar a vida do paulistano no trânsito ou no transporte coletivo.

Precisamos repensar nossa forma de nos relacionar com a cidade. Dei aqui o meu testemunho a título de manual de sobrevivência em São Paulo, mas sei que não é fácil. Levei quase seis décadas para aprender a conviver melhor com a cidade onde nasci.

Entra prefeito, sai prefeito, de qualquer partido, pouco importa, nada muda. Parece que São Paulo tem vida própria, não tem limites para crescer a qualquer preço e o resultado disso é que, daqui a pouco, vai dar um nó definitivo, e ninguém mais vai conseguir sair do lugar.

Vi de perto esta cidade ficar inviável e invivível desde que comecei a fazer reportagens na editoria local do Estadão nos anos 60 do século passado, quando o prefeito era o brigadeiro Faria Lima – um grande prefeito, diga-se, dos melhores que já tivemos.

Em 2 de fevereiro de 1983, trabalhava na Folha de S. Paulo quando me mandaram fazer minha milésima cobertura de enchente, que acabou saindo na íntegra na primeira página do jornal. Para vocês verem que de lá para cá quase nada mudou no cenário da selva urbana, fora o transbordamento dos rios, reproduzo abaixo trecho da matéria:

As Marginais alagadas, o Tamanduateí transbordando, o caos em toda a cidade (da Praça da Sé até a extrema periferia), caminhões do Corpo de Bombeiros andando na contramão pela Rua da Consolação, o histérico e inútil barulho das sirenes por toda parte, gente ilhada, carros boiando, o entulho tomando conta das calçadas().

Nenhum guarda de trânsito, nenhum assistente social para recolher os mendigos jogados sob os viadutos – o centro da cidade lembrava uma praça de guerra entregue aos derrotados, seus habitantes (). Na velha São João, onde nem abrigos há, as filas avançam para o meio da avenida, mas os ônibus não chegam, presos em algum lugar desta cidade onde os córregos transbordaram, as bocas-de-logo entupiram, os semáforos enlouqueceram e carros foram simplesmente abandonados por seus motoristas.

Úmidos, molhados, humilhados, os habitantes da outrora orgulhosa cidade viram-se jogados na vala comum dos moradores de uma vilazinha qualquer. Como aqueles, podiam os paulistanos esquecer um pouco suas desventuras, vendo cachorro com um olho na testa, bezerro com duas cabeças e galinha com três pés, ao módico preço de C$200, num ônibus estacionado em local proibido, mas devidamente autorizado pelo poder público, em plena praça da Sé.

O cartaz do ônibus-exposição – “Maravilhas e mistérios da natureza” – anuncia que ele ficará “poucos dias nesta cidade”. Se demorar muito, poderá ser levado na próxima enxurrada.

Um quarto de século depois, apesar de tudo, São Paulo resiste bravamente ao seu próprio gigantismo, aos seus moradores e governantes, que não querem saber desta história de que uma hora é preciso pensar em parar de crescer para viver melhor.

Anuário das Agências de Comunicação

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