Foi Oswald de Andrade quem disse “meu poeta futurista”. Ele se referia a Mário de Andrade depois de ter lido Paulicéia Desvairada, ainda no original, em 1921, um ano antes da publicação do livro. Os dois não tinham nenhum grau de parentesco e por um tempo foram grande amigos. Junto com outros intelectuais, Oswald e Mário ajudaram a preparar a Semana de Arte Moderna de 1922. Sim, Mário é um dos fundadores do Modernismo e personagem de vanguarda na São Paulo daquele tempo. É ainda autor de outros livros importantes, como Amar, Verbo Intransitivo (1927)e Macunaíma (1928). Mas Mário de Andrade foi mais do que isso e é justamente essa porção do poeta, menos conhecida e explorada, que a mostra Ocupação,dedicada a ele, apresenta em São Paulo. Silvana Rubino, antropóloga, doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP e curadora do projeto, explica: “Mário inaugurou uma política pública de cultura na cidade, quando nada disso existia no País. E privilegiou toda a manifestação cultural, da popular à erudita”.
A Ocupação Mário de Andrade está focada no período em que o poeta dirigiu o Departamento de Cultura da Municipalidade de São Paulo, entre 1935 a 1938, em plena era Getulio Vargas. “Esse departamento seria o equivalente às secretarias de Cultura atuais,”, afirma Silvana. Ela avisa: “Quem espera encontrar a obra literária do escritor vai se decepcionar”. A mostra abriga mais de 400 cartas, filmes, fotografias e objetos nunca antes reunidos em um só conjunto, e apresentam a atuação de Mário à frente da repartição pública. “Ele fez uma ruptura ao dar acesso à cultura naquele momento. E tinha uma preocupação com todo mundo, da elite aos operários. Nesse sentido, foi um ser democrático.”
Da cadeira de diretor, Mário implantou um plano cultural de olho no futuro. “Ele e a equipe, claro, filmaram diversos costumes, danças populares e manifestações religiosas quando isso era incomum, caro e penoso. Com certeza, produziu esses registros com medo de que se perdessem. Estava preocupado com o patrimônio imaterial.” Além disso, é por meio do poeta que surgiram bibliotecas infantis, populares, fixas e circulantes. Criou ainda discotecas – o Centro Cultural São Paulo mantém o acervo. Foi Mário também quem fundou a Rádio Escola, que trazia, entre outras programações, solos de piano e peças de Carlos Gomes. Também criou o Arquivo da Palavra, com gravações oficiais e vozes de artistas e populares para o estudo da fonética. “Não se deve esquecer de que Mário também foi músico e ele queria formar, além de público leitor, um ouvinte.”
Foram quatro meses “intensos” de pesquisa para montar a exposição sob esse prisma. O levantamento de todo o material foi feito nos arquivos do Instituto de Estudos Brasileiros, da USP, detentor dos fundos de Mário de Andrade, do Centro Cultural São Paulo, da Casa da Imagem e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Além de Silvana, trabalharam João Sodré (cineasta e arquiteto), Luisa Valentini (antropóloga) e Walter Lowande (historiador) na pesquisa iconográfica. Para abrigar a Ocupação, foi criado um espaço em madeira, que simula o gabinete do poeta – o projeto é de Vasco Caldeira. Gavetas se abrem e delas saem vozes, cartas, fotos. Armários revelam documentos e audiovisuais exibem trechos de filmes que o próprio Mário fez em expedições pelo País.
Para Silvana, o sonho do poeta de levar uma política de cultura da cidade para o Estado e para o Brasil deu certo. “Talvez não tenha dado certo para ele, que perdeu o cargo em 1938. Mas, de alguma maneira, as ações criadas no século passado continuam.” Ainda bem.
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