Contos Negreiros, coletânea publicada em 2006 pela editora Record, rendeu o Prêmio Jabuti do mesmo ano ao pernambucano Marcelino Freire, 43 anos. Para o jovem escritor que debutava em uma grande editora – após abrir os olhos do mercado com seu livro anterior, Angu de Sangue -, tal façanha poderia pressupor alguma soberba, mas Freire se diz desprendido de tais honrarias e desafeito a celebrações frívolas.
Um dos principais nomes da chamada Geração 90 – grupo que revelou autores como Marcelo Mirisola, Marçal Aquino e Fernando Bonassi -, Freire fez questão de deixar seu troféu Jabuti em uma estante da Mercearia São Pedro, ponto de encontro desses escritores e de gente envolvida com cultura, no coração da Vila Madalena, em São Paulo. “Deixei lá, pois aquele é um lugar que tenho grande relação afetiva e porque não quero me tornar um Jabuti, nem pretendo fazer dele um símbolo de comodismo ou obsessão.” Essa mesma indiferença aos holofotes do mercado literário o afastou da FLIP 2010. A desistência de participar da feira literária em Paraty rendeu capa do caderno “Ilustrada” da Folha de S. Paulo, e calorosas discussões sobre o significado de sua ausência.
Envolvido com o lançamento da Edith, nova editora que começará a funcionar a todo vapor em novembro de 2010, Marcelino diz não ter tempo a perder com bravatas inúteis. Como um militante das letras, desdobra-se para fazer acontecer o novo selo, apadrinha e abre trincheiras do mercado editorial para um sem número de novos autores, ministra palestras em oficinas literárias na periferia de São Paulo e ainda encontra tempo para sua própria produção. Incansável, diz estar sempre tomado pela impressão de que tem muito a fazer por si e pelos outros. “É muito feio achar que chegamos. O achar que já chegamos é o fim. Quando percebo que estou indo muito a coquetéis e reuniões frívolas, fico preocupado. Me entusiasmo mesmo é em saber que tenho mais uma Balada Literária por fazer, que tenho oficinas, que faço por mim e que ajudo outros a fazerem coisas realmente produtivas.”
A quinta edição da Balada Literária, que acontecerá entre 18 e 21 de novembro, em locais como a Livraria da Vila, o Sesc Pinheiros e o Instituto Goethe, homenageará a escritora Lygia Fagundes Telles e será palco de lançamento da Edith. Ironicamente, o cenário onde essa nova literatura ou uma provável “Geração 10” pretende dar as caras foi influenciado pelo advento da FLIP, como admite Marcelino ao falarmos da polêmica: “Não compactuo com os rumos que a FLIP tomou, mas faço questão de enfatizar que a Balada Literária surgiu impulsionada pela FLIP. Iniciativas pontuais, como essas, são essenciais”. Confira trecho da entrevista com Marcelino Freire acerca do lançamento da Edith, que debutará com a coleção Que Viagem, na qual satiriza a série Amores Expressos, da Cia. das Letras, em que autores escreviam de diferentes pontos geográficos. Marcelino vai encaminhar seus contratados a lugares como Beleléu, Casa do Chapéu e Onde Judas Perdeu as Botas.
Brasileiros – Você chegou a São Paulo em 1991, aos 23 anos. Conte um pouco como foi sua infância e juventude no nordeste.
Marcelino Freire – Nasci em Sertânia, filho caçula de nove irmãos. Com 3 anos fui para Paulo Afonso, na Bahia. Curiosamente, como a cidade tem uma grande hidrelétrica, minha lembrança não é de seca, é de água abundante e cachoeiras. Saí de lá aos 8 anos, e fomos para Recife, onde fiquei até os 23 anos. Estou aqui há 19.
Brasileiros – E em Recife, você já escrevia?
M.F. –– EEm Recife, eu produzia para teatro amador. Agitava um grupo de poesia também. Vim para São Paulo, em 1991, e abandonei as pretensões de dramaturgo. Descobri que não tinha muito talento para a carpintaria que o teatro exige. Coisas primárias, banais, que eram muito difíceis para mim, como determinar a entrada e a saída de um personagem. O que aconteceu é que, depois de publicar meus contos, eles passaram a ser adaptados para teatro.
Brasileiros – E como foi essa experiência com teatro? Chegou a realizar trabalhos profissionais?
M.F. – Não tinha dinheiro para produzir as peças, mas pedia ajuda para um ou outro comerciante, e as coisas aconteciam. Tinha o sonho de me apresentar no Teatro de Santa Isabel, o mais tradicional da cidade, e as pessoas me zombavam: “Como é que você vai se apresentar lá, com esse teatro amador?!”. Não me abalava, afinal de contas, não tinha perguntado nada a ninguém. Até hoje carrego comigo essa coisa de fazer a qualquer preço, sem ter aquela noção proibitiva de “saber onde estou me metendo”. É uma característica que trago desde a adolescência.
Brasileiros – E como surge a decisão de vir para São Paulo?
M.F. – Cansado de Recife, vim sozinho para São Paulo. Um amigo vivia me convidando para vir e duvidava que eu viesse. Um belo dia criei coragem e decidi vir. Cheguei, e ele estava doente. Não estava em casa e não pôde me receber. Uma semana antes já me sentia inseguro, desconfiava que pudesse ficar na mão, pois seu estado de saúde era muito instável. Mobilizei um plano B, e um outro amigo meu, Ivan Cabral, me recebeu no Jardim Aricanduva, no extremo leste da cidade. Fui morar em uma edícula no fundo da casa dele. Curioso me lembrar disso agora, pois na última quinta-feira, tive o terceiro encontro de uma oficina que estou coordenando na biblioteca Milton Santos – justamente em Aricanduva – e refiz esse trajeto, depois de muitos anos. Não dirijo e peguei um ônibus errado, uma van que imaginei que me deixaria no Shopping Aricanduva, que fica ao lado da biblioteca, e me dei mal. A van rodou a Zona Leste inteira e acabei passando pela esquina da Rua Luiz Gonzaga, onde eu morava. Me fez lembrar muito de meus primeiros dias em São Paulo.
Brasileiros – A Zona Leste de São Paulo concentra alguns dos bairros mais carentes da cidade, como o próprio Aricanduva, e Recife também tem periferias muito hostis. Como era o ambiente onde morava em Recife?
M.F. – Morei na Água Fria, um bairro muito carente. Minha querida mãe, que partiu esse ano, sempre morou na Água Fria. Então, periferia por periferia, já convivia com esse ambiente há muito tempo. Água Fria é o penúltimo bairro do Recife. O último é o Fundão e depois vem Olinda, cujo primeiro bairro é Peixinhos. Todos eles formam uma periferia muito miserável e esquecida. Não que eu queira dizer: “Oh, vim de um lugar miserável”. Essa é uma realidade inegável, mas é curioso, pois conheci muitas pessoas que preferiam negá-la e dizer: “Não, não moro na Água Fria, moro no Arruda”, um bairro vizinho, que é um pouquinho melhor. Minha mãe viveu ali, e criou dignamente todos os nove filhos. Somente no final da vida é que foi morar no Arruda.
Brasileiros – E você acha que o contato próximo com essa realidade confere maior autenticidade quando se vai escrever sobre as mazelas das grandes urbes?
M.F. – Não creio que isso seja suficiente. Às vezes, o cara mora em um lugar desses, mas não consegue enxergar e retratar nada daquilo. Ou então acontece o contrário. O cara é muito rico, vem de uma família abastada, mas tem uma visão de mundo específica, apurada e sensível. Chico Buarque, por exemplo, vem de uma das famílias mais tradicionais do País, mas a maneira como ele retrata o outro em suas músicas é muito generosa e honesta. Uma questão mais de visão de mundo do que de origens.
Brasileiros- Em Recife, quais trabalhos formais você exerceu?
M.F. – Trabalhei em um banco, e a área de recursos humanos procurava avaliar as aptidões das pessoas para redirecioná-las. Viram que eu era bom em português e fui transferido para o departamento de normas, onde havia revisores e redatores. Revisava minutas, comunicados internos, circulares, laudas, atas de reunião, cartas da presidência. Entrei como office boy, fui escriturário e passei a revisor. Em paralelo, comecei a cursar Letras, na Universidade Católica, mas não concluí o curso. Estava inquieto demais, querendo vir para São Paulo.
Brasileiros- Daí que você decide vir para São Paulo, em 1991. Como foi sua chegada?
M.F. – Chegando a São Paulo, comecei a procurar trabalho em editoras, mas soube que as agências de propaganda pagavam muito mais, e precisava me estabelecer. Quase entrei na editora Círculo do Livro. Fiz testes, e fui aprovado, mas dias antes já tinha sido contratado por uma agência de publicidade e tinha feito, inclusive, os exames médicos admissionais. A agência pagava mais e preferi ficar por lá.
Brasileiros – E você não foi assediado para trabalhar como redator publicitário?
M.F. – Trabalhei por 13 anos como revisor para essa agência. Não quis ser redator publicitário, não me via entrando em uma área de criação tão tolhida. Meu juízo criativo estaria constantemente colocado em cheque. Preferi ficar na revisão, pois podia exercitar minha paixão pela língua portuguesa. Então, entre a revisão do texto de um anúncio de atum ou de um novo veículo, ia escrevendo meus contos. Nunca deixei de produzir e, de uns quatro anos para cá, posso dizer que vivo só de literatura.
Brasileiros – E como foi possível viabilizar a publicação de seus textos nesse começo?
M.F. – Em 1995, estava muito angustiado, pois produzia meus contos e não enxergava a menor possibilidade de publicá-los, até que um dia tive um insight. Trabalhava com diretores de arte, produtores gráficos, todos amigos meus, e concluí: “Vou fazer meu livro por aqui mesmo!”. Fui articulando as pessoas até que consegui publicar de forma independente. Dei o nome de Acrústico. Volta e meia, encontro exemplares nos sebos da vida e faço questão de comprá-los. Compro até de quem comprou. Faço tudo para tirá-lo de circulação.
Brasileiros – Sério? O livro te constrange?
M.F. – Não, exatamente, pois é natural que fosse algo incipiente, mas reconheço que já havia algo ali. Acho que o mais importante foi tirar tudo aquilo da gaveta. Com isso, me animei, e comecei a preparar a publicação de um segundo livro de contos. Um projeto que custaria caro para fazer, pois tinha texto e fotografias. Desisti e tive a ideia de fazer, em 1998, o EraOdito, um livro de aforismos, que caiu no gosto das pessoas. Passei quase dois anos rodando o País para divulgá-lo e, em 2000, decidi fazer um novo livro de contos. Tive a sorte de conhecer João Alexandre Barbosa, um crítico literário muito importante, falecido em 2006, grande estudioso da obra de João Cabral de Melo Neto e colunista da revista Cult. João gostou muito dos meus contos e me indicou para a Ateliê Editorial. Não só me recomendou à editora, como depois escreveu o prefácio do livro, e o publicou na revista Cult. Um cara de uma generosidade sem tamanho.
Brasileiros- Estamos falando da coletânea de contos Angu de Sangue. Como foi a recepção e qual a importância desse momento para sua carreira?
M.F. – Com essa chancela da Ateliê, e do João Alexandre, despertei interesse da imprensa. O Estadão, a Folha de S. Paulo, e outros veículos, começaram a abrir os olhos para minha produção. De alguma forma, isso converge com meu sonho de adolescente de ir ao Teatro de Santa Isabel. Era a concretização de um outro sonho abusado meu, que também era visto com descrença por muitos.
Brasileiros- E agora que você vai realizar o mesmo sonho de jovens autores por intermédio da Edith, selo que lançará em novembro, como se sente?
M.F – Sobretudo, acho muito bonito acompanhar o nascimento da Edith, por ver esses talentos todos reunidos. Gente muito jovem que estava precisando de um norte, mas é bom que se diga que não fui eu quem os articulei. Eles é que se envolveram e enxergaram que tinham de passar por esse processo de fazer as coisas acontecerem, para não se tornarem eternos “bundões”. Eles têm entendido esse recado, pegado a bola e jogado esse jogo muito animadamente.
Brasileiros- Como surgiu a ideia do selo? Era um desejo antigo?
M.F. – Sim, era um desejo antigo, mas o grande estalo, a ideia matriz, surgiu enquanto assistia a uma matéria na TV Cultura e vi uma senhora de 75 anos, que há 50 trabalha como modelo vivo. Fiquei impressionado com a história dela e tive a ideia de convidá-la para que as pessoas a observassem posando e, ao invés de pintá-la ou fotografá-la, escrevessem sobre ela. A coletânea ganhará o nome de Mamãe, Eu Só Vim Aqui Fazer uma Visita Rápida, reunirá 11 autores, como Vera Fraga, Felipe Valério e Felipe Arruda, e terá fotos de Fernanda Grigolin.
Brasileiros- E como funcionará a estrutura de distribuição da Edith?
M.F. – Nosso grande parceiro nesse projeto é o Vanderley Mendonça, das editoras Demônio Negro e Dix. Vanderley entrará no projeto como editor. Estamos montando a página para comercialização pela internet, registrando os títulos, negociando pontos de venda em livrarias, mas não temos a ilusão de que esses livros se tornarão best sellers. Não acredito que o êxito de um projeto editorial esteja atrelado a uma distribuição significativa. As pessoas podem estar aqui, em São Paulo, em Teresina ou em Porto Alegre e não será simplesmente a distribuição que irá fazer com que esses livros cheguem até elas. É o interesse delas que as aproximará desses novos autores. Existe uma vertigem em achar que uma editora mais forte pode galgar lugares mais nobres no mercado, mas não é isso que pretendemos. Queremos, sim, é fazer com que esses autores publiquem. Para eles e para nossa literatura isso é algo realmente importante. Há leitores e corações muito específicos. Tem pessoas que me acompanham desde 1995 e nunca tiveram dificuldade para encontrar meus livros.
Brasileiros- Poderíamos dizer então que, mais do que os meios, te interessam mesmo os fins. Ter o prazer de encontrar leitores verdadeiramente apaixonados?
M.F. – Vou te dar um exemplo claro. Estive em um show com a cantora Fabiana Cozza na semana passada e conheci o rapper Emicida. Um cara que compõe suas bases, escreve suas letras, produz seu disco, articula seus colaboradores, não enxerga barreiras e faz as coisas acontecerem. Esse exemplo do Emicida é muito pontual para mim, pois é lindo ver alguém tomado por essa força de fazer, e é muito feio achar que já chegamos. O achar que já chegamos é o fim. Quando percebo que estou indo muito a coquetéis e reuniões frívolas, fico preocupado. Me entusiasmo mesmo, é em saber que tenho mais uma Balada Literária por fazer, que tenho oficinas, que faço por mim e que ajudo outros a fazerem coisas realmente produtivas.
Brasileiros- Já que falamos em música, conte um pouco sobre suas predileções musicais. Você nasceu em 1967, ano mágico para o rock. Imagino que ouça rock.
M.F. – Gosto de rock, mas, por conta de meu gosto pela língua portuguesa, ouço muita MPB. Gosto do Dorival e da Nana Caymmi. Gosto do bom Caetano, do bom Chico, de Luiz Gonzaga. Dos artistas mais jovens, gostava muito do Cordel do Fogo Encantado e considero o último disco do Otto, o disco da vida dele. Tenho também uma predileção por cantoras, e fico de ouvidos abertos às novas intérpretes, mas não gosto de uma certa assepsia dessas “cantorinhas” de hoje. Tem muita gente ruim, muita chatice sem nenhuma entrega. Tudo muito superficial. Cantora bonitinha, cabelo bonitinho, roupa bonitinha. A indústria está desesperada atrás de uma nova Marisa Monte. Vejo uma infinidade de matérias falando sobre as novas musas, as novas divas da MPB, mas não acredito que beleza cante. Mercedes Sosa, que é o oposto disso, quando morreu, quase morri junto com ela. Não gosto de coisas frígidas. O único cantor aparentemente “frígido” de que gosto – pois canta baixinho, introspectivo, mas carrega a mesma melancolia e a mesma beleza – é João Gilberto.
Brasileiros- Esse consenso de que essas cantoras nasceram para ser divas, muitas vezes surge de pactos afetivos entre artistas e uma imprensa que não sabe manter distanciamento crítico. Você não acha que, ao se envolver com tanta gente que também produz literatura, corre o mesmo risco? Como ser imparcial tendo ligações tão fortes com esses autores?
M.F – Nas oficinas de literatura que ministro, procuro saber o que cada um tem de melhor. Não deixo de criticá-los. Sou chato, mas ao mesmo tempo mostro o caminho. Evidencio as qualidades e aponto as deficiências. Quanto aos amigos autores, acompanho produção, vou aos lançamentos, celebro as novidades, mas é lógico que conversamos diretamente, quando discutimos qualidade. Tenho muitas conversas com a Ivana de Arruda Leite, com o Joca Rainers Terron, discuto essas questões com a Andrea del Fuego, com o Ronaldo Bressane, por exemplo. Conversas francas, onde apontamos nossos pontos altos e baixos. Um distanciamento que procuro levar onde quer que eu esteja. Na Cooperifa, por exemplo, tem garotos que escrevem uma poesia e acham que o simples fato de ser alguém surgido ali lhe confere qualidade. Agora, uma coisa que faço sempre questão, é respeitar a todos. Esse é um País que lê muito pouco, dá pouco valor a literatura, e estamos todos no mesmo barco. Não importa se você esteja produzindo na Vila Piraporinha ou na Mercearia São Pedro, na Vila Madalena.
Brasileiros- A propósito, soube que você abandonou o troféu do Prêmio Jabuti, que ganhou em 2006 por Contos Negreiros, na Mercearia São Pedro. O que te motivou a fazer isso? Puro desprendimento?
M.F. – Deixei lá, pois aquele é um lugar que tenho grande relação afetiva e porque não quero me tornar um Jabuti, e nem pretendo fazer dele um símbolo de comodismo ou obsessão.
Brasileiros- Voltando à questão da imparcialidade, poderia apontar algum escritor com quem você tenha boas relações pessoais, mas tenha ressalvas com relação à obra?
M.F – Diria que, hoje, Marcelo Mirisola é um bom exemplo. Apesar de todas as brigas dele, todas as polêmicas que ele levanta, serei sempre seu leitor e fã confesso. De uns tempos para cá, ele parou a produção dele para ficar mandando recados a seus desafetos via livro. Mandou recado até para mim. O que digo?: “Mirisola, toma juízo!”. A literatura em si já é um ponto de posicionamento. Adoro O Herói Devolvido e Bangalô. Acho que o Mirisola imprime muita personalidade em seus textos, desenvolve uma gramática muito específica, mas vem perdendo o tom, porque estacionou a literatura dele para ficar enviando recados. Continuo sendo um leitor dele e esperando que ele volte a sua melhor forma.
Brasileiros- Em contrapartida, algum outro nome que esteja bem cotado tanto nas relações pessoais, quanto na qualidade da produção?
M.F. – Joca Rainers Terron tem caminhado para uma verdade que vi muito presente em Curva de Rio Sujo. Nesse livro, Terron chega a um registro que remete a infância dele, por meio de uma fala muito específica de onde ele viveu, no Mato Grosso. Gosto muito desse livro, pois é onde ele se entrega de verdade. Não fica naquele registro metalinguístico, de discussão artística da literatura, coisa que não me apraz. Gostei imensamente do último romance da Andrea del Fuego, Os Malaquias. Fico torcendo para que ela encontre muitos leitores que possam dizer a ela o quanto o livro dela é bonito. É preciso que alguém diga logo às pessoas no Brasil que esse livro foi escrito. Admiro profundamente autores que fazem o que não consigo fazer e Andrea é um deles.
Brasileiros- Ao contrário do que muitos pensam, o conto é um gênero literário que exige muita dedicação e síntese. Rendeu alguns dos maiores autores, como Julio Cortázar. Você lê muitos contistas? Bebe dessa influência direta?
M.F. – Sim. Não por acaso, adoro ler contos. E até estou relendo agora Armas Secretas, do Cortazar. Comprei uma nova edição e estou me deliciando. Amo os contos de Machado de Assis, de Graciliano Ramos e Campos de Carvalho. Dos autores mais recentes, admiro Fabrício Corsaletti. Um grande contista. Tem um conto dele, chamado Seu Nome, que considero um clássico.
Brasileiros- Voltando à Edith, quais planos de novos autores e títulos. O que podemos esperar?
M.F. – Ainda não definimos um cronograma de lançamentos, mas posso adiantar que sairá um livro maravilhoso, chamado Contrabandos, de Raphael Gancz. Textos que não poderiam chamar de poesia, mas que são, essencialmente, manifestos poéticos de grande ironia. Contra o sol, contra a cura do câncer, e até a favor da morte. É muito bonito o texto dele. No primeiro livro da série Que Viagem, Gisele Werneck vai parar Onde o Judas Perdeu as Botas. Há também autores mais velhos, como Jorge Antônio Ribeiro. Um senhor fantástico. Grande provocador. Escreveu um romance chamado Estes Dias Pedem Silêncio.
Brasileiros- E como andam as articulações para a quinta edição da Balada Literária?
M.F. – Como sempre, unindo esforços e determinação. Ontem mesmo falei com Renato Parada, um jovem fotógrafo, apaixonado por literatura, que chegou a fotografar o Saramago. Fui convidá-lo para cobrir o evento, e nem sequer discutimos sobre dinheiro. É muito gratificante, pois percebo que, em primeiro lugar, está o engajamento e o entusiasmo das pessoas. Lygia Fagundes Telles será a homenageada desse ano e, desde a edição do ano passado, quando participou de algumas mesas, também foi super generosa e colaborativa conosco. No ano que vem, o homenageado será Augusto de Campos que, por feliz coincidência, estará completando 80 anos.
Brasileiros- O que acha da polêmica levantada por sua decisão de não participar da FLIP?
M.F. – Não fui à FLIP e isso gerou grande repercussão, mas considero assunto encerrado. Não compactuo com os rumos que a FLIP tomou, mas sempre faço questão de enfatizar que a Balada Literária surgiu impulsionada pelo nascimento da FLIP. Apesar de, hoje, discordar da FLIP, insisto que iniciativas pontuais, como essas, são essenciais.
Brasileiros- Por fim, no meio de tantos acontecimentos, a quantas anda a obra do Marcelino autor?
M.F – Estou concluindo uma novela que deverá sair pela Quadrinhos da Cia. , coleção da Companhia das Letras. Darei o nome de Mulungu, uma árvore muito comum no nordeste, que remete a minha infância em Paulo Afonso.
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