Militares, Igreja e Imprensa contra projeto de direitos humanos

É natural que haja reação contra o governo quando apresenta um projeto polêmico que afeta os interesses de determinados setores.

Em sete anos de governo Lula, no entanto, não houve caso de tamanha unanimidade contrária como está acontecendo agora em relação ao Programa Nacional dos Direitos Humanos.

Numa só tacada, o plano solenemente anunciado ao país pelo presidente Lula, na antevéspera do Natal, conseguiu colocar na mesma trincheira as Forças Armadas, a Igreja, a Imprensa, os ruralistas e setores do próprio governo, provocando uma reação em cadeia na última semana, quando se tornaram conhecidos detalhes das 521 medidas previstas para as mais diferentes áreas da vida nacional.

Nas 73 páginas do documento, encontra-se um verdadeiro programa de governo ou de partido político _ justamente agora que Lula abre o seu último ano de mandato _ , que vai da pesca artesanal ao aborto, dos conflitos agrários ao uso de imagens religiosas e nomes de militares em logradouros públicos, dos planos de saúde ao chamado “controle social da mídia”, até chegar a uma “Comissão da Verdade” para investigar crimes praticados durante a ditadura _ o núcleo do projeto que abriu uma crise com os comandantes das Forças Armadas e os levou a pensar em renunciar, junto com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, no final de 2009.

A Igreja se revoltou com a inclusão de temas como a regulamentação do aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, além da proibição do uso de símbolos religiosos em locais públicos. “Daqui a pouco vamos ter que demolir a estátua do Cristo”, exagerou o bispo D. Dimas Lara Resende, da CNBB. “O projeto mostra preconceito contra a agricultura comercial”, protestou o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.

A proposta para rever o sistema de outorga e renovação de concessões de rádio e TV e a criação de um ranking para acompanhar o comportamento editorial dos veículos em relação aos direitos humanos foi duramente criticada pelas entidades que representam a mídia. “Não é democrática e sim flagrantemente inconstitucional a idéia de instâncias e mecanismos de controle da informação”, diz a nota conjunta divulgada pelas entidades (Abert, ANER e ANJ).

O que não dá para entender é qual a motivação do governo para comprar tantas brigas com cachorro grande ao mesmo tempo, justamente na abertura de um ano eleitoral, já na reta final do segundo mandato, depois de fechar 2009 navegando num mar de almirante, com o presidente Lula batendo recordes de popularidade e sua candidata, Dilma Roussef, subindo nas pesquisas.

O mais paradoxal nesta gincana de tiros no pé é que, três décadas atrás, quando entrou em vigor a Lei da Anistia, cujo alcance agora volta a ser questionado, a Igreja e as Forças Armadas estavam em campos absolutamente opostos.

A bandeira dos direitos humanos surgiu exatamente quando a Igreja Católica, então liderada por homens como o cardeal Paulo Evaristo Arns, criou a Comissão de Justiça e Paz, da qual participei por muitos anos, para defender as vítimas da violência e denunciar as arbitrariedades praticadas pelos militares.

Sem entrar no mérito de cada proposta, até porque são tantas que se torna impossível analisar uma a uma no espaço de um blog, o fato é que antes mesmo de chegar ao Congresso Nacional em forma de projeto de lei, o conjunto da obra do decreto sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos, da forma como foi apresentado, até agora só trouxe sérios problemas para o governo, e deu de graça uma bandeira e um discurso que faltavam à oposição.

O estrago já está feito, como o presidente Lula irá constatar ao encontrar uma quitanda de problemas em sua mesa de trabalho nesta segunda-feira, mas ainda é tempo de chamar sua equipe e colocar ordem em campo, retirando este assunto de pauta até a maré baixar. Tem coisa ali que pode ser encaminhada diretamente ao MIJ (Memorial das Idéias de Jerico).

Razão tinha o ministro Franklin Martins que, ao perceber o tamanho da encrenca, pediu para não assinar o decreto, apesar de ter participado de todas as discussões sobre o programa. De fato, como ele argumentou, a proposta deveria ser mais “amadurecida”. Agora, segundo a manchete da Folha deste domingo, é o ministro Paulo Vanucchi, dos Direitos Humanos, quem mais uma vez ameaça pedir o boné, se o projeto for modificado.

Como era de se esperar, depois de passar os últimos meses com dificuldades para encontrar carniça, a urubuzada já se assanhou ao ganhar de graça este prato cheio para atacar o governo e o PT, com seus velhos jargões, que ressuscitaram até o stalinismo e a luta armada, mas convenientemente se esqueceram de contar a história completa e lembrar que o atual programa é apenas continuação de um trabalho iniciado no governo FHC .

Por ironia do destino, no meio do tiroteio contra o atual governo, a defesa mais veemente veio exatamente do cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, que fez parte do governo Fernando Henrique Cardoso, na área de direitos humanos, e participou da redação dos dois primeiros programas, lançados em 1996 e em 2002.

Pinheiro, que também ajudou na revisão do texto da terceira edição do Programa de Direitos Humanos, este que foi lançado agora em dezembro, disse ao Estadão:

“Não foi o presidente Lula quem inventou isso. Essa é a terceira edição do programa. Os dois primeiros tiveram a mesma abrangência do programa que está sendo debatido agora. E tanto Lula como Fernando Henrique Cardoso acertaram, porque direitos humanos não abarcam apenas direitos civis e políticos como se imagina”.

Nas duas primeiras edições do programa, porém, não há notícia de que tanta gente tenha ficado indignada e revoltada com o governo da época.

Os três assuntos mais comentados da semana

Balaio

Boris Casoy e os garis: 458
Seu Adolfo e a Mega Sena: 200
Subindo na vida: 166

Folha

Chuvas: 81
Caças da FAB: 78
Boris Casoy e os garis: 70

Veja (*)

O TCU contra o desperdício
Laser
Rogério Fasano

(*) A revista Veja deixou de publicar o número de comentários recebidos para cada matéria.


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