Minha crise inesquecível

Um velho redator, dos tempos mais românticos da propaganda, costumava dizer que tinha mais medo das crases do que das crises. É sabido, no entanto, que apenas a menção sussurrada da palavra crise é capaz de assustar o mais exibido dos anunciantes. Pudera: a se acreditar no que dizia Lord William Lever – “metade da minha verba publicitária é jogada fora, o problema é que eu não sei qual metade” -, a crise pode ser justamente a hora e a vez da metade errada.

Mas, como em tantas outras particularidades, que vão da jabuticaba ao banzo, há coisas que só existem no Brasil. Uma delas é a capacidade de sobreviver na crise. Mais do que isso: aqui se olha a crise com uma dose de desprezo, uma ironia que não se sabe bem o que traduz, se é altivez ou se é simplesmente um medo inconfessável. Talvez isso seja resultado da freqüência com que esses fenômenos acontecem por aqui. Para qualquer pessoa com mais de 45 anos de idade e memória mediana, é impossível dizer de cor quais foram todas as grandes crises por que o País passou ao longo desses anos.

Da correção monetária à apreensão do gado no pasto, do AI-5 à coletiva de Zélia Cardoso de Mello, do primeiro choque do petróleo à suspensão do pagamento da dívida, é uma crise atrás da outra, com uma característica comum: cada uma é sempre a última, o apocalipse, o caminho sem volta ao Armagedon.

Sempre que o quadro se complica, a propaganda está no alto da lista de cortes. Lembrando que dezembro é um mês especial para os publicitários – no dia 4 foi comemorado o Dia Mundial da Propaganda -, a Brasileiros resolveu pedir a alguns dos principais dirigentes de empresas do setor que dessem um testemunho de suas experiências de crise. Que crise? Desde a mais óbvia e premente – a atual crise econômica – até outras crises, de várias naturezas, que cada um deles viveu. O resultado, você vê a seguir.

A primeira crise a gente nunca esquece

Início dos anos 1990, pós-Plano Collor: o mundo ia acabar, pelo menos no Brasil, como parece que vai acabar agora, pelo menos no mundo e menos no Brasil, segundo o nosso presidente. Foi uma época de limões que transformamos em limonada, tanto que eu até acabei virando matéria do Financial Times como exemplo de administrador competente, coisa que decididamente não era verdade. O livro Na Toca dos Leões, do Fernando Morais, conta essa história em detalhes.

Separei para os leitores da Brasileiros alguns trechos dessa história e até mesmo uma reprodução da tal matéria do Financial Times, na qual eu, além de tudo – e ridiculamente -, me permiti ser fotografado fumando.
Divirtam-se. Recordar é viver.

Washington Olivetto – W/Brasil

Os donos da W/Brasil sabiam que, apesar dos desgastes, enxugar a agência era o único caminho para sobreviver sem tropeços à era pós-Plano Collor. E se alguém tinha dúvidas sobre o acerto das medidas, elas se dissiparam quando o Financial Times, considerado o vade-mécum mundial das finanças, publicou uma consagradora reportagem apresentando a gestão da W/Brasil como um exemplo a ser seguido por todos os empresários modernos. Intitulada “O melhor momento da W/Brasil”, a correspondente Christina Lamb explicava a seus leitores as dificuldades para se planejar uma empresa “em um país em que a inflação oscila entre zero e 1800%”.

O jornal dizia que, embora se apresentasse como uma agência do Primeiro Mundo no Terceiro, “seus vasos de plantas de vime negro, abajures esculpidos e persianas sofisticadas não fariam feio em Nova York ou em Londres”. Ressaltava, no entanto, que o forte da W/Brasil era vender resultados, não lantejoulas.

O segredo para o sucesso estava em uma estratégia que o Financial Times classificou de “rude, mas eficiente”, que abordava os consumidores sem meias palavras: Audaciosos cartazes e anúncios de jornal em preto e branco intimavam os consumidores a comprar produtos dos seus clientes com slogans como “se você não pode pagar, nós damos um jeito”, ou no caso da cadeia de lojas de fotografia Fotoptica, “por favor, pelo amor de Deus, compre alguma coisa, ainda que pequena: nós precisamos de dinheiro”. Três dias depois do anúncio do Plano Collor, a W/Brasil já tinha na rua anúncios da Rede Zacharias de Pneus afirmando: “Se você tem alguma necessidade mas não tem dinheiro, fale com a gente que nós damos um jeito”.

Segundo o FT, um dos segredos do sucesso da W/Brasil resultava da soma do talento da equipe com o baixo custo do tempo na TV brasileira – o que explicaria também o surpreendente desempenho da agência nos festivais internacionais, nos quais os prêmios mais importantes eram atribuídos a comerciais de TV (só naquele ano a W/Brasil produziria 126 comerciais, dezenove deles classificados pelo júri de Cannes). Chamava a atenção da jornalista um fenômeno que não se via em nenhum outro lugar do mundo: o tempo de televisão aqui era proporcionalmente mais barato do que os anúncios em revistas.

Na nação mais televiciada do mundo, uma novela de sucesso pode atrair até 93% da audiência. Isso a torna uma mídia muito atraente, que gera 68% das receitas da W/Brasil.

A reportagem terminava afirmando que nem mesmo a ameaça de volta da inflação assustava. “Com a inflação voltando agora aos dois dígitos por mês”, escreveu a correspondente, “Olivetto já espera ter de produzir em breve mais uma estratégia publicitária para a nova realidade econômica.” Não deu outra. Até as más notícias eram pretexto para fazer anúncios.

Crise épica

Tenho vivido uma grande crise desde que me entendo por gente.

É uma crise querida porque ela tem me dado condições de ver a minha época com uma segurança e um entusiasmo valiosos para o meu bem-estar pessoal, profissional e empresarial.

É uma crise épica, porque ela marca a passagem da Sociedade Industrial para a Sociedade do Conhecimento.

Como a maioria das crises, esta também sinaliza a decadência de um padrão e a emergência de um novo.

É um prazer assistir e participar desta crise, ajudando a desconstruir o padrão decadente ou ajudando a construir o emergente.

O resto são capítulos episódicos desta grande crise épica: como a crise que vivemos agora no sistema financeiro internacional ou como o efeito Obama que evidencia o padrão da nova dinâmica social emergente.

Não dá para esquecer sob o risco de perder o bonde da história.

Ricardo Guimarães – Thymus Branding

O bom da crise

Minha crise inesquecível não tem a ver com o subprime mas, curiosamente, tem relação com o Citibank. Em 2007, o banco era conta mundial da Fallon, agência americana que era nossa sócia no Brasil. O Citi era nosso maior cliente e nossas campanhas para ele faziam grande sucesso, quando Chuck Prince, então presidente mundial do banco, acordou de mau humor e trocou a Fallon nos EUA por outra agência. As pressões para que o Citi local fizesse o mesmo começaram imediatamente. Seis meses depois, dançamos também. A perda abalou nossa rentabilidade e a Fallon, majoritária na sociedade, decidiu fechar a operação brasileira. Mas eu e meu sócio Fico Meirelles não queríamos, inclusive porque era véspera de Natal e não estávamos a fim de estragar a ceia da equipe. Então, literalmente, pagamos para ver: deixamos os gringos saírem, bancamos tudo sozinhos, mantivemos toda a equipe e mudamos o nome para Mohallem Meirelles no réveillon de 2007. Um ano depois, não apenas preservamos os empregos como crescemos. Temos o dobro do tamanho da fase Fallon e estamos entre as 30 maiores.

O que é ruim para os Estados Unidos nem sempre é ruim para o Brasil.

Eugênio Mohallem – Mohallem Meirelles

Uma crise pode ser inesquecível de duas formas. Escolha a sua.

Uma crise pode ser inesquecível de duas formas bastante distintas. Ou porque ela causa demissões, falências e dificuldades, como nos casos recentes da AIG, Lehman Brothers, Freedom Bank, GM e Ford. Ou porque abre oportunidades e impulsiona novos negócios, como demonstram os casos da Microsoft, Honda, General Electric, Business Week e 3M, empresas que nasceram ou experimentaram grandes saltos durante crises. A princípio uma crise não é um problema; é um desafio. Dependendo da sua postura, será um problema ou uma oportunidade. Agora responda: esta crise será inesquecível para você de qual forma mesmo?

Carlos Domingos – age.comunicações

Qual delas?

Tema difícil. Difícil escolher, entre tantas crises, uma única que seja merecedora deste texto.

Poderia falar da famosa crise de identidade de 84 quando disse pra minha mãe que ia sair do glorioso Bradesco pra ser publicitário. Ela tinha investido tanto em mim.

Ou daquela de 92 que foi pedir a mão da Melina para a família dela – sem a presença do pai que estava com o carro atolado na fazenda. Esta me deixou sem nenhuma ação.

Ou da crise de confiança de 94 quando descobri que teria um filho. Quase cometi uma loucura.

Teve ainda a terrível crise existencial de 96 quando meus roteiros foram recusados sistematicamente pelo Nizan. Meus papéis não valiam nada!

A crise de 2001 foi por excesso de otimismo. Achei que não precisava treinar forte para a Maratona de Nova York. Quebrei a cara.

Ah, e não posso esquecer desta crise de 2008. A danada me pegou de jeito. Além de destruir minha auto-estima, me deixou zerado, na lona. Simplesmente devastadora esta crise da meia-idade.

José Henrique Borghi – Borghierh/Lowe

A oportunidade da crise

É verdade que crises oferecem riscos; porém, é possível analisar a situação sob outro prisma. Em tempos incertos no que diz respeito à economia global, é inevitável que investimentos em comunicação publicitária sofram ameaças de redução. Por esse motivo, defendemos um pensamento importante, um rumo a ser seguido pelas empresas: ‘retorno sobre investimento’. As mídias digitais apresentam-se como excelente opção, porque são mídias de massa (hoje no Brasil somam-se aproximadamente 60 milhões de internautas). Elas dispõem de excelentes recursos técnicos para controlar, em tempo real, a eficiência das mais variadas campanhas. Tal controle acontece com base em metas de audiência e de conversão previamente estabelecidas. Dessa forma, os anunciantes podem efetivamente dosar seus investimentos de acordo com a rentabilidade planejada. Por tudo o que foi dito, crises oferecem riscos, sim, mas também oportunidades.

Abel Reis – Agência Click

Bola pra frente

Minha crise inesquecível aconteceu fora do País. Vivi nos Estados Unidos por 11 anos até vir para o Brasil em 2005. No dia 11 de setembro de 2001, eu estava no metrô em Manhattan exatamente no momento que o primeiro avião atingiu uma das torres gêmeas. A seqüência de eventos pós 11 de setembro foi marcante sob vários aspectos. Pela primeira vez, me senti, de fato, um cidadão do mundo no sentido mais amplo da palavra. Nos dias pós-atentado, americanos, indianos, brasileiros, europeus estavam unidos como nunca ao redor de uma causa e de um sentimento comum. Porém, mesmo antes do 11 de setembro, a economia já dava sinais de enfraquecimento. A partir da tragédia, a coisa desandou de vez. Os indicadores econômicos foram para o chão. Para completar, logo na seqüência, veio a ameaça com antrax que durou alguns meses. Parecia o fim do mundo. Apesar do sentimento comum, aquele momento trazia uma combinação de tragédia religiosa combinada com recessão. Caos. O tempo passou, a economia recuperou-se, as ações dispararam e, em muitos momentos, até nos esquecemos daquela loucura.

Agora, com outro cenário, lá vem ela de novo. A tal crise. A receita? Bola pra frente e muito otimismo.

Renato de Paula – OgilvyOne

Elas passam

A pergunta me joga para trás, e penso nas minhas crises, reais ou inventadas, que vivi e esqueci.
De que crise estamos falando? Das crises da adolescência, quando aparecem as primeiras espinhas? Da crise que era escolher a roupa certa para aquela festa, essa sim inesquecível? Ou da crise que se abateu sobre mim quando o primeiro namorado disse que não, ele não gostava mais de mim.

Dando um salto no tempo, chego à crise dos 40. Socorro, ninguém me contou que a minha geração iria envelhecer um dia.

E as crises de identidade? Quem sou, para onde vou. Crise de coluna, crise de nervos, tantas crises. Todas esquecidas.

Melhor pensar nas crises coletivas, aquelas que arrastam multidões para o buraco. Crise econômica, crise política, o Brasil em crise, o mundo em crise, o planeta em crise. Porque hoje até a crise é globalizada e parece que não tem mais espaço para uma crisezinha qualquer.

Meu time de futebol entra em crise depois da segunda ou terceira derrota seguida. Mas eu não. Já sei que elas passam, o tempo passa, a gente esquece. Até que venha a próxima.

Deyse Dias Leite – Copyright


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