Minha língua, nossa língua

Começamos o ano com nova língua. Tenho lido muitas críticas sobre o acordo ortográfico da língua portuguesa. Acho que são exageradas. Quantos planos econômicos e moedas já tivemos? O euro começou a circular há dez anos e pouca gente se lembra do marco alemão e do franco francês. A Europa continua lá.

Os portugueses reclamaram, fizeram actos de protesto. Ganhamos de volta o W, o K e o Y que nunca saíram para ser exacta.

Enterraram o trema. Meu computador não gostava dele há algum tempo, recusava-se a aceitar a tecla acima do número 6. Gênio complicado tem meu Mac! Brigamos todos os dias. O que ele não sabe é que as palavras estrangeiras não perderão o trema. Ele vai ter que aguentar. Nenhum delinquente com mais de cinquenta anos pode impedir o sequestro de um sinal. Fique tranquilo! Nem um debiloide estoico da Coreia teria uma ideia de que as mudanças provocariam essa geleia geral.

Imagine uma jiboia paranoica cercada por imensa plateia. Ela faria uma tramoia dessas? Que feiura! Só no Piauí.

Meu avô diria – eu te abençoo, minha filha. Os que não creem no voo do progresso, eu não perdoo. Não se pode mais comer pera nem sentir enjoo. Eles não veem mais as palavras que leem nos livros. Não são do tempo em que se escrevia pharmacia…

Como vamos entender se alguém falar – o metrô para a cidade. Ele é para a cidade ou ele vai parar a cidade?

Apesar de tudo, podemos escolher uma forma de bolo ou uma fôrma de bolo. A receita não muda, contudo.

Não entendi algumas mudanças. Será que vou poder enxaguar as roupas no presente do indicativo? Eu enxaguo. Eles enxaguam. Talvez seja mais fácil “passar uma aguinha”. Parece que nem o super-homem, nem qualquer subumano poderá ser co-herdeiro desse projeto antieducativo. Pense na autoaprendizagem (o que faço consultando a internet para escrever o texto), na autoinstrução. Toda atividade extraescolar plurianual fará parte da infraestrutura da educação. Um anteprojeto antipedagógico será recusado. Qualquer semianalfabeto, semiopaco, semiaberto ou semiesférico poderá faze-lo. É tudo o que um pseudoprofessor de geopolítica, sem a menor autoproteção, pensará depois disso.

Continuarei a usar creme antirrugas, mas não mais minissaias. Graças a Deus não preciso pensar em cossenos e semirretas. Não poderei fugir de multissecular ou de neorrealismo até mesmo de ultrassom. Sei que é um contrassenso. É até meio antissocial, mas não quero me tornar uma pessoa ultrarresistente que vive num microssistema. Nada anti-ibérico, amigos lusos! Meu superotimismo não é superexigente.

Ultramoderno, uma coprodução de Bill Gates para vender programas para pessoas que precisam usar o word!!! Supereconômicos.

*Neta Mello é historiadora e escritora. Publicou dois livros (Crônicas Memórias e Paulicéia Ignorada) e tem um blog: http://blogdaneta.blogspot.com/


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