Moacyr Scliar: o “escritorzinho do Bom Fim”

Moacyr Scliar e seu filho Beto, em foto de Gerbase, 1982.
Moacyr Scliar e seu filho Beto, em foto de Gerbase, 1982.

Bom Fim é o bairro judaico da zona sul de Porto Alegre onde cresceu o escritor Moacyr Scliar, território afetivo e microcosmo inspirador de muitas das histórias escritas por ele. “Escritorzinho do Bom Fim” foi o epíteto carinhoso atribuído pela vizinhança ao garoto Mico, quando seus primeiros escritos juvenis foram passando de mão em mão pela comunidade. “(…) Esse apelido me marcou. Por causa dele nunca pude me levar inteiramente a sério, o que não é mau: nada mais chato que um sujeito que se leva inteiramente a sério (…)”, escreveu ele no livro de memórias O Texto, ou: a Vida, de 2007.

Essa digna e bem-humorada modéstia parece ter acompanhado o escritor e médico sanitarista por toda sua vida e obra. A exposição O Centauro do Bom Fim, inaugurada em 16 de setembro último, no Santander Cultural de Porto Alegre, reforça essa percepção.

A mostra idealizada por Judith Scliar, viúva de Moacyr, e Gabriel Oliven, seu cunhado, logo após a morte do escritor, em março de 2011, aos 73 anos, tem consultoria da professora e escritora Regina Zilberman e curadoria de Carlos Gerbase, cineasta, escritor e professor gaúcho que, em 1982, produziu o curta-metragem No Amor, inspirado no conto O Mistério dos Hippies Desaparecidos, de autoria de Scliar.

O projeto expográfico leva o público a reconstruir a história do autor, inicialmente com a passagem por um corredor cenográfico azul-marinho, repleto de imagens da dura travessia feita por esperançosos judeus vindos do império czarista para o Brasil, no começo do século 20, imigrantes, como os pais de Scliar, que chegaram em 1904. “Desembarcado”, o visitante conhece a história do contador de histórias. Não necessariamente em ordem cronológica, no andar térreo do prédio estão réplicas de parte da mobília e de detalhes da pequena e humilde casa onde cresceu Scliar. O espaço também reúne livros que inspiraram o escritor gaúcho, com destaque para Monteiro Lobato e Erico Verissimo. A mãe professora garantia, apesar das dificuldades financeiras, que livros não faltassem para a família. As obras consideradas mais “fortes” eram trancafiadas, mas o futuro escritor dava um jeito de surrupiá-las – o visitante mais atento encontrará, em uma das gavetas cenográficas, a chave do armário proibido.

A exposição traz ainda estações interativas de conteúdo e totens audiovisuais com encenações, compostas especialmente para a mostra, de trechos das principais obras de Scliar, como O Centauro no Jardim, A mulher que Escreveu a Bíblia, A Estranha Nação de Rafael Mendes, O Exército de um Homem Só, Os Vendilhões do Tempo, Max e os Felinos e seu último romance Eu Vos Abraço, Milhões.

Outro destaque de O Centauro do Bom Fim são os documentos de acervo pessoal que revelam o caminho percorrido pelo autor no processo de construção de seus textos: há desde manuscritos e ideias datilografadas até anotações em guardanapos e receituários médicos. Evidências que reiteram o caráter prolífico de Scliar. As ideias o arrebatavam, era mister escrever. Entre romances, crônicas, ensaios, literatura médica e infantojuvenil, o gaúcho publicou mais de uma centena de títulos e foi traduzido em 14 idiomas. Inúmeros foram também os prêmios recebidos, entre eles três Jabuti.

Atividades paralelas à exposição oferecem seminários, palestras, oficinas e atividades culturais inspirados no autor como médico, escritor e representante da cultura judaica.

*A repórter viajou a convite da organização da obra

Serviço – O Centauro do Bom Fim
Santander Cultural Porto Alegre – Rua Sete de setembro, 1028 – Porto Alegre – Rio Grande do Sul
(51) 3287.5500
De 16 de setembro a 16 de novembro
www.santandercultural.com.br


Comentários

Uma resposta para “Moacyr Scliar: o “escritorzinho do Bom Fim””

  1. Avatar de Fabio Gomes
    Fabio Gomes

    Boa matéria, apenas uma correção: o Bom Fim não é um “bairro … da zona sul de Porto Alegre”, ele é um bairro central, aliás é vizinho ao Centro, do qual se chega a ele caminhando em poucos minutos.

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