Foto: Luiza Sigulem
O grau de exposição do corpo diminui nas recessões: a cintura das calças sobe, e barra das saias desce – Foto: Luiza Sigulem

O economista britânico Adam Smith, que viveu no século XVIII, observou que a moda acompanha a durabilidade de cada produto. A tendência das roupas muda rapidamente porque são feitas de materiais frágeis. Basta um ano para que algumas peças se desgastem. Mais resistentes, os móveis se renovariam a cada cinco anos. Como os edifícios são ainda mais sólidos, os estilos arquitetônicos se conservariam por décadas. À medida que cada geração de produtos caminha para seu fim, as pessoas desejam algum tipo de variação, que diferencie os novos bens de seus velhos objetos.

A economia, porém, não regula apenas o “prazo de validade” dos produtos. Ela também pesa nas escolhas individuais estilísticas. Talvez muitos não tenham notado, mas as calças de cintura alta estão de volta à moda desde 2014 e “ganharam força de um ano para cá”, como explica a consultora de moda Lilian Pacce. “É uma influência dos anos 1980.” A tendência surgiu no momento em que a economia começou a apresentar os primeiros sinais de estagnação (o PIB per capita caiu 0,7% em 2014) e se consolidou quando o País afundou na recessão no ano passado, com uma queda de 4,6% no PIB per capita, a maior contração desde 1990.

Em meio a essa crise, consumidores tornaram a adotar um estilo da década de 1980, que ficou conhecida como “perdida” pela longa estagnação econômica que marcou o período: o PIB per capita do Brasil caiu em 1981, 1982, 1983 e 1988.

Essa coincidência se repetiu em outros momentos. Ao consultar tratados sobre história da moda, constata-se que as calças jeans de cintura alta e perna de corte reto levemente largo se disseminaram nos anos 1950, com a ascensão de ídolos como Elvis Presley, James Dean e Marlon Brando. Na década seguinte, tempo de intenso crescimento econômico nos Estados Unidos, a cintura dos jeans começou a baixar e eles se tornaram mais justos e desbotados. A situação experimentou nova mudança nos anos 1970, quando se iniciou um longo período de estagnação e as calças de cintura alta voltaram com força e permaneceram em posição de destaque nos anos 1980. A cintura só voltou a baixar a partir dos anos 1990.

A altura das saias

Não há estudos específicos sobre os modelos de calças, mas o comprimento das saias já foi exaustivamente pesquisado nos Estados Unidos. O primeiro grande ensaio sobre o tema foi elaborado por Mary Ann Mabry, da Universidade do Tennessee – The Relationship Between Fluctuations in Hemlines and Stock Market Averages from 1921 to 1971. Ela mediu os modelos publicados nas revistas Vogue, Good Housekeeping, Ladies Home Journal e Harper’s Bazaar e mostrou que havia uma espantosa correlação entre a altura das saias e as variações da Bolsa de Valores: elas se tornavam mais curtas nos períodos em que a Bolsa subia. 

À primeira vista, seria mais razoável esperar que, durante os períodos de recessão, as fábricas produzissem saias mais curtas para reduzir a quantidade de matéria-prima e aumentassem a altura das mesmas em épocas de crescimento. Mas as coisas não se passaram assim.

Na década de 1920, as saias foram encurtando até a crise de 1929, quando desceram e só voltaram a subir durante o longo ciclo de prosperidade dos anos 1950-60, quando surgiram as minissaias. Depois, durante a crise do petróleo nos anos 1970, a peça feminina ficou mais comprida de novo.

Publicado em 1971, o estudo de Ann Mabry teve grande impacto, mas não apontava razões claras que combinassem os dois fenômenos. Afinal, que relação poderia haver entre o comprimento das saias e os preços das ações em Bolsa? Outros estudos se seguiram até que se chegou a uma sequência causal mais convincente. Grosso modo, nas épocas de crescimento, as mulheres se sentem profissionalmente mais seguras e tendem a preferir relacionamentos sem compromissos. As saias se tornam mais curtas e a taxa de divórcios aumenta. Nos períodos de recessão, elas começam a preferir relacionamentos mais duradouros. As saias ficam mais compridas e a taxa de divórcios diminui. Como diz o historiador inglês James Laver, em tempos de recessão, a moda tende a evocar segurança.

Mercado e closet feminino

Para Maíra Zimmermann, professora de História da Moda da Faculdade Santa Marcelina e autora do livro Jovem Guarda – Moda, Música e Juventude, a questão vai um pouco além: se a prioridade da mulher nos períodos de recessão é conseguir um novo emprego, ela precisa se cobrir. Foi o que aconteceu na década de 1980 no Brasil: com o aumento do desemprego, as mulheres passaram a priorizar um estilo mais sóbrio.

“As calças eram de cintura alta. A mulher entra com força no mercado e quer se transformar em executiva. Muito tailleur, saia alta, blazer grande.” A opinião é compartilhada por Lilian Pacce. “Mulher de saia curta no trabalho não se aplica.”

A estratégia feminina comportaria dois objetivos simultâneos: em tempos de crescimento econômico, a preocupação com a segurança profissional e com a estabilidade das relações diminui, o que leva a um encurtamento das saias. Nos períodos de recessão ocorre o contrário.

Em um estudo de 1999 (Women’s Dress Fashions as a Function of Reproductive Strategy), o psicólogo Nigel Barber argumentou que a estratégia comportamental possui outras nuances. Para ele, a relação entre moda e economia está mediada pelas tendências do “mercado de casamentos”: quando a mulher reduz a exposição de seu corpo, ela expressa uma inacessibilidade sexual que aumenta o desejo do homem e o predispõe a aceitar um relacionamento mais duradouro. Paradoxalmente, a adoção dessas saias mais compridas pode ser acompanhada pela tentativa de alcançar uma silhueta mais curvilínea, com cinturas estreitas, para alcançar um design corporal sexualmente mais atraente. Já nos períodos de crescimento econômico, as mulheres costumam adotar uma silhueta esguia, associada a uma mulher profissionalmente competente. Essa explicação geral se aplicaria também à modelagem das calças: a cintura tende a baixar nos períodos de expansão econômica e a subir nas épocas de recessão.

Essas tendências gerais, contudo, precisam ser relativizadas. Como explica Maíra Zimmermann, não existe um padrão universal de roupas, pois cada classe social adota seus modelos. As diferenças de vestuário entre os diversos segmentos sociais são grandes. “Não existe uma moda única. Existe um supermercado de estilos. Você não só tem diferentes modas, mas convive com estilos de várias épocas ao mesmo tempo.”

Uma boa descrição dessa simultaneidade de estilos foi feita pelo sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002) em um estudo de 1966 sobre os padrões de comportamento na sociedade norte-americana. “No ápice da hierarquia social, as velhas famílias da Nova Inglaterra afirmam uma ‘distinção’ fundada no nascimento e na hereditariedade (em oposição ao sucesso profissional) recusando as audácias da moda francesa e invocando a aristocracia inglesa em seu gosto pelos ‘tweeds’ e ‘woolens’ e em todo o seu estilo de vida. Abaixo estão as famílias de fortuna antiga, que encontram na moda parisiense símbolos de vestuário ligados à riqueza e a um estilo de vida mais cosmopolita, que exprimem melhor sua condição econômica e sua posição social do que a moda conservadora da alta sociedade. Preocupadas em se definir tanto em relação à classe superior como em relação à inferior, essas famílias se esforçam por associar a opulência à elegância discreta e procuram o ‘chic’ e a ‘sofisticação’ (em oposição à distinção aristocrática da classe alta), evitando a ostentação exagerada do novo-rico. As classes médias recusam a moda parisiense como ‘ousada’ e ‘excessiva’, substituindo a procura da ‘respeitabilidade distinta’, expressa pela palavra ‘smart’, pela preocupação com o efeito procurado, ou seja, com o ‘chic’.”

Assim, cada subconjunto social define um padrão de vestuário por meio do qual ele afirma sua identidade e, ao mesmo tempo, desqualifica as preferências estéticas dos integrantes dos demais grupos.

“HOJE A MODA PODE VIR DE QUALQUER CLASSE SOCIAL E EXISTE UMA FORTE REFERÊNCIA DA RUA na PASSARELA” 

LILIAN PACCE, consultora de moda

Isso não significa, obviamente, que cada segmento social constitua um grupo estanque: as tendências de um dado segmento podem ser absorvidas e reinterpretadas por outro estrato social. Maíra cita o economista americano Thorstein Veblen (A Teoria da Classe Ociosa): no século XIX, as pessoas de classes mais pobres procuravam imitar o estilo das classes mais ricas. Mas essa tendência perdeu força. Segundo Lilian, “a moda pode vir de qualquer classe social e há forte referência da rua na passarela”.

De baixo para cima

Tem sido assim desde o final da Segunda Guerra Mundial. A consolidação das democracias ocidentais provocou a disseminação de valores igualitários, o que obrigou homens de status mais elevado a usar roupas características das pessoas de estratos mais baixos. Como diz o etólogo britânico Desmond Morris, “com o crescente desagrado de uma sociedade cada vez mais igualitarista por indivíduos privilegiados, fez-se necessário, aos homens de status elevado, promover suas ostentações no trajar de um modo ainda mais sutil… Tornou-se necessário tomar roupas emprestadas a ocupações de status distintamente baixo, a fim de demonstrar que, mesmo que você fosse rico e famoso, ainda assim era, de coração, um dos ‘pobres rapazes’.”

Apesar disso, as distinções entre as classes não foram eliminadas. Essas “roupas pobres” sempre são, diz ele, “lindamente confeccionadas” num “estilo elaborado”. Mais: elas são utilizadas em ocasiões em que os estratos sociais de menor renda usariam seu vestuário mais distinto e, em geral, acompanhadas por sinais de distinção social (posse de bens dispendiosos) que nunca deixam dúvidas sobre o verdadeiro status de seus usuários.

NO PÓS-GUERRA, A JUVENTUDE COMEÇA A SER VALORIZADA COMO FAIXA ETÁRIA. A INDÚSTRIA DESCOBRE ESSE PÚBLICO E COLOCA NAS REVISTAS”

MAÍRA ZIMMERMANN, professora de História da Moda  

Essa aparente “democratização” da moda foi acompanhada ainda por uma inversão dos status relativos de cada geração. Como dizia o estilista Yves Saint Laurent, antigamente uma filha queria se parecer com sua mãe. Atualmente é o contrário que acontece. “Hoje vivemos sob o império da juventude”, diz Maíra. Essa inflexão começou nos anos 1950, com a emergência da juventude como uma geração separada. “Antes a juventude não era valorizada, ninguém queria ser jovem. As pessoas queriam sair de casa e casar. Depois do pós-guerra a juventude começa a ser valorizada como faixa etária distinta. A indústria descobre esse público e começa a colocar nas revistas. Cria-se, então, um estilo de vida jovem”, diz a historiadora.

Os indicadores econômicos, contudo, exercem influências distintas de acordo com as tradições de cada país. Lilian adverte que as diferenças nacionais precisam ser levadas em conta na análise. As calças de cintura baixa adotadas no Brasil jamais se difundiram na Europa. Diferenças semelhantes podem ser encontradas mesmo em regiões diferentes de um mesmo país, como acontece no Brasil. Na opinião de Maíra, São Paulo tende a adotar uma moda mais retrô, diferente das tendências vigentes em cidades de praia, como o Rio de Janeiro ou Florianópolis. É possível, diz ela, que as calças de cintura baixa usadas pelos brasileiros tenham se originado da difusão “da cultura de praia do Rio, influenciada pela cultura do funk”, diz. “Era a calça da gostosa”, acrescenta Lilian. Isso teria se espalhado nos anos 2000, com o aumento do poder aquisitivo da chamada classe C: “Naquela época as pessoas usavam roupas caindo, usavam tudo caindo”. Com a recessão, veio a mudança.

Um primeiro sinal de inflexão surgiu em 2008, com a crise global que também atingiu o Brasil, mas as tendências só se inverteram a partir de 2014. Hoje existem sinais de que as expectativas econômicas estão mudando. É possível notar alguma alteração nos padrões de vestuário? Não. Para Lilian, ainda não há nenhum indício de que as calças de cintura baixa estejam voltando às vitrines.


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