Gabriela Leite faleceu de câncer na noite desta quinta-feira (10), no Rio de Janeiro. Ela tinha 62 anos e foi a primeira prostituta a levantar a voz pelos diretos da categoria, criou a ONG Davida e a grife Daspu. Além disso, ajudou a quebrar o estigma que envolve a profissão, gostava de ser chamada de puta e inaugurou uma nova forma de fazer política. Gabriela lutou, acima de tudo, por liberdade, ou seja, “para falar o que pensa, para fazer o que quer e para viver sem muitas amarras”, como colocava.
Gabriela nasceu em 1951, em São Paulo, filha de uma dona de casa e de um crupiê. No final da década de 1960 decidiu largar a faculdade de Ciências Sociais na USP e começar a trabalhar como prostituta. Ela escolheu a vida noturna de bares, boemia e contracultura que tanto amava e deixou para trás o escritório. Exerceu a profissão em São Paulo e em Belo Horizonte até se radicar no Rio de Janeiro.
Começou a lutar pelos diretos das prostitutas ainda em São Paulo quando se deparou com a violência policial, na época comandada pelo delegado Fleury, direcionada a prostitutas e organizou com algumas colegas uma manifestação na Praça da Sé para denunciar as torturas. Quando chegou ao Rio foi convidada pela vereadora Benedita da Silva a participar do 1º Encontro de Mulheres de Favela e Periferia, onde falou em público pela primeira vez sobre seu trabalho.
Em 1987 promoveu o Primeiro Encontro Nacional de Prostitutas e se tornou líder do movimento que luta pelos direitos das prostitutas. Na mesma época, criou com seu companheiro, Flávio Lenz, o jornal Beijo da Rua com notícias referentes à prostituição e os direitos da categoria.
Já em 1992, Gabriela criou a ONG Davida que chama atenção para a questão da prostituição por meio de ações culturais como as Mulheres Seresteiras, o Bloco de Carnaval Prazeres Davida e o projeto Sem Vergonha, de prevenção de DSTs e Aids. A organização busca o reconhecimento legal da prostituição e, com isso, a promoção de políticas públicas que diminuam a vulnerabilidade das prostitutas.
Em 2005, para viabilizar os projetos da Davida, Gabriela criou a grife Daspu. A marca desenvolve coleções em parceria com profissionais da moda e promove desfiles em passarelas de rua, passeatas, cabarés, teatros, universidades e conferências de arte. A “putique” ficou famosa pelo nome que ironiza a grife de luxo Daslu e vender roupas com estampas e estilos inspirados no mundo da prostituição.
Gabriela publicou seu livro Filha, mãe, avó e puta, em 2009. Na obra, ela conta sua história de vida, desde suas relações familiares, passando pelo período em que trabalhou como prostituta, até sua militância. Perguntada sobre qual desses papéis mais a identifica, disse “gosto muito de ser avó, mas também gosto muito de ser puta”.
Gabriela foi candidata a deputada-federal pelo Partido Verde, em 2010, e a primeira prostituta a participar de eleições. Na campanha, defendia o fortalecimento do Sistema Único de Saúde, a união civil homossexual, o direito ao aborto e a regulamentação da prostituição. Ela não se elegeu, mas seu projeto foi levado a diante por Jean Willys (PSOL).
No ano passado, o deputado federal entregou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Gabriela Leite que regulamenta a atividade das prostitutas e tipifica exploração sexual, para criminalizar e combater o trabalho sexual involuntário e infantil. Jean Willys lamentou a morte da amiga e relembrou: “Gabriela, parceira de lutas, sempre me foi o exemplo de pessoa que carrega em si o orgulho, não como um adendo a si, mas como parte indivisível. Filha, mãe, avó e puta, sem vergonha nem medo de ser feliz”.
Abaixo, uma entrevista feita em 2013, para o documentário “Um Beijo para Gabriela” (2010).
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