Morreu o Gordo, meu melhor amigo

Nos últimos meses, semanas, dias, o Gordo vinha definhando pouco a pouco. Já nem combinava com o nome dele. Oito anos atrás, quando minhas filhas me deram o amigo de presente no Dia dos Pais, junto com seu irmão gêmeo, o Tito, ele era um robusto Labrador de dois meses.

Gordo logo se afeiçoou comigo. Bastava eu chegar no sítio, os dois vinham correndo, mas era ele quem ficava comigo o tempo todo, não me largava. Onde eu ia, ele ia junto, corria atrás do carro quando eu ia para a cidade. Já tive muitos cachorros na vida, mas este era especial, era muito meu amigo.

Nem fazia nada para justificar esta amizade, já que os ossos que de vez em quando trazia do açougue do Valdir eram fraternalmente divididos entre todos os cachorros do sítio. Mas o Gordo era o único que vinha me agradecer. Tinha mania de ficar me lambendo. Era tão apegado que não me dava folga nem na hora de escrever. “Sai, Gordo!”, cansei de lhe pedir, em vão.

Ficava me cutucando com o focinho, como se quisesse me dizer pra largar o computador e ir passear com ele. Na hora das refeições, plantava-se ao lado da minha cadeira esperando a sua parte. Assistiu a muitos jogos na televisão junto comigo. Ainda outro dia, vimos juntos o Brasil perder para a Holanda na Copa, só nós dois na casa do sítio, sem poder fazer nada para evitar o desastre.

No dia seguinte, a familia toda veio passar as férias aqui, e eu voltava só nos finais de semana, mas desta vez resolvi ficar mais alguns dias. O Gordo não me pediu nada, mas eu senti que precisava da minha companhia. Nenhum veterinário conseguia descobrir o que ele tinha. Conformado, tomava todos os remédios que lhe davam, sem reclamar, sem resultado.

Às sete da manhã desta quinta-feira, os outros cachorros do sítio começaram a uivar na varanda, latindo um choro sentido, seguido de um silêncio profundo, anunciando o pior.

“O Gordo morreu!”, veio nos avisar Carolina, a filha caçula, que sempre cuida dos cachorros quando eles ficam doentes. Eu já esperava, mas não queria que isto fosse verdade. Posso dizer que o Gordo era meu melhor amigo, sem desfazer dos demais. Era meu amigo de graça, nada fiz por merecer. Se um dia todos os meus amigos me deixarem, Gordo certamente seria o último a ficar a meu lado.

Tito agora fica andando de um lado para outro, perdido. Foi tudo muito rápido. Logo chegou o Lourival, nosso caseiro que nasceu aqui mesmo no sítio, e tomou as providências do funeral. Pela janela da cozinha, vi-o levando o Gordo embora num carrinho de mão. Mara, minha mulher, sempre muito prática, cuidou de lavar a varanda. Carolina nada mais disse, recolheu-se ao quarto.

Fiquei sem meu bom amigo de todas as horas em Porangaba, fiel como só os cães sabem ser, nas poucas horas que ultimamente tenho passado no sítio. A gente faz tantas coisas que depois se arrepende de não ter dado atenção às mais importantes, como cuidar mais de quem só nos quer bem. O silêncio só é quebrado pelos passarinhos e pelo galo, que hoje acordou assanhado. Enquanto escrevo, agora é o Tito quem fica me olhando.

Daqui a pouco volto para São Paulo. Vida que segue.


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