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Será muito difícil fazer uma campanha eleitoral anti-Chávez nesse momento. É o que diz o cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas, em entrevista à Brasileiros. Ele diz também que a Venezuela pode viver uma situação semelhante à vivida pela Argentina em 2010, com a morte do Néstor Kirchner, quando Cristina Kirchner se fortaleceu para as eleições. “O Nicolás Maduro não é uma viúva, mas há uma situação em que os herdeiros nacionais do Chávez podem se nutrir dessa comoção que a morte causa.” Confira a entrevista.
Como fica o clima político na Venezuela a partir de agora? Mais tenso, dada a morte de Chávez, ou as coisas se acalmam com o fim da indefinição?
Acho que ainda permanecerá muito tenso, em primeiro lugar porque é preciso verificar como os herdeiros do chavismo irão se conduzir no próximo período. É claro, a gente deve ter uma candidatura do Nicolás Maduro à sucessão – o próprio Chávez o havia indicado – e vai ser muito difícil fazer uma campanha anti-Chávez nesse momento. Porque falar mal de morto é sempre uma coisa quer pega muito mal, e se a oposição tentar se contrapor mais fortemente ao Chávez, como poderia até fazer antes disso, a coisa se complica.
Então a oposição perde força? Porque poderia ser uma oportunidade para ela de ganhar espaço político…
Eu acho que a gente pode ter uma situação em alguma medida parecida com a da Argentina, com a morte do Néstor Kirchner. Porque afinal de contas, a Cristinha Kirchner via sua popularidade muito afetada um pouco antes da morte do marido, e com a morte ela se tornou de alguma maneira a viúva dolorosa, o que acabou favorecendo bastante sua eleição. Então eu diria que isso pode acontecer de uma maneira similar na Venezuela. O Maduro não é uma viúva, mas há uma situação em que os herdeiros nacionais do Chávez podem se nutrir dessa comoção que a morte causa. O próprio anúncio da morte, com toda uma coisa dramática, já é um passo nessa direção.
Mas é difícil para o Nicolás Maduro ter força para substituir um líder como o Chávez, não?
Líderes carismáticos são sempre muito difíceis de serem substituídos. Pegando uma situação muito mais dentro da normalidade do que a venezuelana – aliás, totalmente dentro da normalidade -, a Dilma não é o Lula, que era um líder carismático.
Ainda assim ela consegue ter uma aprovação gigantesca…
Pois é. O que mostra que políticas públicas fazem diferença, que o apoio a um governo se dá também por aquilo que as pessoas notam do ponto de vista dos resultados, sobretudo do ponto de vista econômico. E houve na Venezuela uma melhoria das condições de vida da população nos últimos anos que é muito significativa. Antes de o Chávez assumir, em 1998, mais da metade da população estava abaixo da linha da pobreza. E agora, você tem menos de 30% da população. Então é uma melhora muito significativa. Se no Brasil, onde essa melhora foi menos pronunciada, houve um ganho de popularidade imenso do governo, imagine na Venezuela.
E um certo radicalismo de ambos os lados (chavismo e oposição) favoreceu uma situação de culto ao líder, de certa forma?
Eu acho que isso tem a ver com uma coisa que o próprio Chávez cultivou. Esse culto à personalidade, ele mesmo alimentou; o seu perfil de liderança reforçava isso. Agora, se a gente fala que a oposição no Brasil é inábil, a oposição na Venezuela foi muito mais inábil. Por exemplo, naquele boicote que fez à eleição no começo do governo Chávez; depois, na tentativa de golpe, que boa parcela da oposição apoiou – e aquilo foi um golpe de Estado, inegável. A oposição no Brasil nunca chegou a esse ponto, e nunca tivemos também um governo que fosse tão agressivo do outro lado.
E é bom observar que o Chávez também não é um santo. Ele teve uma série de atitudes, do ponto de vista de cercear o espaço legítimo de atuação da oposição, que eram graves. O cancelamento da concessão de emissoras; o Judiciário, que iniciou processos contra opositores do governo sob bases muito duvidosas etc. Então há uma série de ações, que juntando-se à própria inabilidade dessa oposição, ao carisma do Chávez e aos ganhos sociais que ele teve, deixaram a oposição em uma situação muito desconfortável.
Você disse que o Chávez não é santo, mas a morte precoce de um líder de tanta expressão pode torná-lo um mártir?
Acho que pode. Como já foi com a Evita, com o Getúlio, que nem era tão jovem. Uma morte percebida como dolorosa, de alguém visto como um grande realizador, isso sempre tende a gerar um certo culto pós-mortem a essa personalidade e eventualmente ao movimento de seus seguidores. Isso não é uma peculiaridade venezuelana. Mas até houve uma tentativa de se imputar o câncer do Chávez a uma conspiração americana, o que é uma coisa completamente alucinada. É algo feito de modo a tentar jogar a culpa sobre o inimigo externo e reforçar esse culto à personalidade do Chávez.
E assim reforçar o Maduro, nesse momento…
Sim, o movimento chavista todo.
E podemos dizer que o chavismo será marcante na história da Venezuela por muito tempo ainda?
Já é, o que existe na Venezuela hoje, você divide entre o chavismo e um monte de grupos na oposição.
E como fica o panorama político latino-americano? O que a perda do Chávez representa para os países da região?
Ainda é preciso ver como vai ser a condução do governo da Venezuela pelos chavistas, no caso de eles ganharem as próximas eleições, que me parece provável. Em princípio você pode não ter muita alteração em relação a aquilo que vinha acontecendo até agora. Os interesses desse grupo são, em princípio, similares aos de seu líder. E aí, a maneira como se relaciona com os outros países tende a ser a mesma. A rigor, não tende a mudar nada no curto prazo. Muda mais internamente, na Venezuela, porque uma coisa é ter um líder carismático à frente, outra coisa é ter um de seus partidários. Mas o Maduro foi escolhido a dedo para ser o continuador.
O mandato de Chávez era dos mais longos da história latino-americana. Atualmente, o continente tem espaço para novos casos como esse?
Acho que sim. Talvez a Venezuela tivesse a situação mais propícia para isso, pelo Chávez, pela configuração de forças entre governo e oposição etc. A Bolívia, por exemplo, tem um cenário muito mais equilibrado desse ponto de vista, o que dificultaria a criação de um cenário como o venezuelano. No Equador talvez pudesse ter uma coisa similar. Mas não sei se exatamente o mesmo cenário pode se repetir em outros países. Depende, exatamente, dessa relação de forças entre governo e oposição.
E os presidentes aliados de Chávez da América do Sul devem se esforçar para mostrar apoio ao chavismo agora, até para ajudar a eleger o Maduro. É do interesse deles?
Não há muito como interferir em questões internas. Agora, a própria presença deles no enterro do Chávez, as declarações que vierem a dar do ponto de vista da solidariedade ao governo, tudo isso pesa. Mas a definição é interna. O que pesa é o efeito de comoção que a morte gera, e por isso eu traço paralelo com a Cristina Kirchner. E na Venezuela a situação é até mais cômoda, porque o Chávez há pouco tempo ganhou a eleição.
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