Mossoró, a cidade que escorraçou Lampião

Cinco e meia da tarde daquele 13 de junho de 1927, ouviram-se os últimos disparos. No pátio externo da Capela de São Vicente, um cangaceiro morto é a maior prova da derrota imposta por Mossoró ao rei do cangaço. Era a primeira vez que Lampião saía escorraçado de uma luta. Seu Dionísio Pereira tinha 23 anos quando o bando invadiu a cidade, e lembra bem do pavor que causou. “Era tiro demais”, recorda. Mas, a maior lembrança é a do corpo do cangaceiro Colchete estendido na frente da Capela de São Vicente. “Eu cheguei a guardar uma orelha, que foi arrancada pelo tiro, mas não sei onde foi parar”, diz.

A resistência mossoroense ao bando de Virgulino Ferreira aconteceu sem apoio da polícia. Quando soube que o cangaceiro queria invadir a cidade, o prefeito Rodolfo Fernandes comprou armas e munições e as entregou a quem quisesse lutar. E foram muitos os voluntários.
[nggallery id=15731]

No dia 12 de junho, o prefeito recebeu um bilhete assinado pelo coronel Antônio Gurgel, que havia saído de Natal com destino a Mossoró para buscar os parentes e foi seqüestrado pelos cangaceiros. O bilhete era claro: “Caro Rodolfo Fernandes, desde ontem estou aprisionado do grupo de Lampião, o qual está aquartelado aqui bem perto da cidade. Manda, porém, um acordo para não atacar mediante a soma de 400 contos de réis. Penso que, para evitar o pânico, o sacrifício compensa, tanto que ele promete não voltar mais a Mossoró”. Ao que o prefeito respondeu: “Antônio Gurgel, não é possível satisfazer-lhe a remessa. (…) Estamos dispostos a recebê-los na altura em que eles desejarem. Nossa situação oferece absoluta confiança e inteira segurança”. Era ousadia demais para Lampião, que escreveu, de próprio punho, um bilhete decisivo: “Cel. Rodolfo. Estando Eu até aqui pretendo Dr. já foi um aviso, ahi p o Sinhoris, si por acauso rezolver, mi, a mandar será a importança que aqui nos pede, Eu invito di Entrada ahi porem não vindo essa importança eu entrarei, até ahi penço que adeus querer, eu entro; e vai aver muito estrago por isto si vir o Dr. eu não entro, ahi mas nos resposte logo”.

Determinado, o prefeito deu a resposta que seria o estopim para o início da batalha. “Virgulino Lampião, recebi o seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede. (…) A cidade acha-se firmemente inabalável na sua defesa, confiando na mesma.” Na tarde do dia 13 de junho, começou a chuva de balas entre o povo da terra de Santa Luzia e os cabras de Lampião. Eram pouco mais de 80 cangaceiros contra cerca de 200 mossoroenses. Durante uma hora e meia, a população resistiu às investidas dos cangaceiros. Colchete foi acertado por um tiro que lhe arrancou a cabeça. Jararaca, um dos principais homens de Lampião, saiu ferido no peito e na perna. Lampião e seu bando fugiram. Fim do ataque e começo de uma história que iria se espalhar por todo o Nordeste e marcar o início da queda do rei do cangaço. Segundo alguns historiadores, a derrota foi pressentida por Virgulino ao avistar as torres das igrejas de São Vicente, Alto da Conceição e Matriz de Santa Luzia. “Cidade de mais de uma torre não é pra ser tomada”, teria dito antes da invasão.

MEMORIAL DA RESISTÊNCIA
PONTO TURÍSTICO Homenagem aos homens que combateram Lampião
No espaço a céu aberto, atrás da Capela de São Vicente, a prefeitura municipal construiu um memorial em homenagem aos homens que lutaram contra o bando do rei do cangaço. Seu Manoel José de Morais ficou surpreso ao ver a fotografia de José Paulino Bezerra, o “Pequeno”, agricultor que foi vítima do bando de Lampião. “Esse senhor eu conheci quando era rapaz lá no sertão onde morei. Ele dizia que quando foram invadir sua casa ele botou o dinheiro que tinha no buraco do tijolo. Apanhou um bocado, mas não disse de jeito nenhum onde tava o dinheiro”, explicava aos visitantes que observavam a foto de seu “Pequeno”. O lugar já está se transformando em ponto turístico.
CHUVA DE BALAS
Numa encenação teatral que envolve mais de 70 atores, cantores e estudantes, os mossoroenses têm a oportunidade de relembrar o feito e sentir orgulho de seus antepassados. O espetáculo Chuva de Balas no País de Mossoró, com texto do escritor potiguar Tarcísio Gurgel, acontece há seis anos no pátio da Capela de São Vicente. Diretores consagrados do teatro nacional como Antônio Abujamra, Marcelo Flecha, Gabriel Vilela e Fernando Bicudo já passaram por lá. Neste ano, a direção ficou a cargo do paraibano Eliézer Rolim. “Gosto muito de teatro, mas acho importante a agilidade que o cinema traz. Por isso decidimos mesclar os dois. Isso faz parte da cultura nordestina e é de suma importância para o entendimento do cangaço no Nordeste”, diz.
TRADIÇÃO Artista potiguar interpreta Lampião no palco
O SANTO
Depois de sair ferido do combate e se perder de seu capitão, Jararaca conseguiu se esconder perto de uma ponte no bairro chamado Alto da Conceição. Com ferimentos graves no peito e na perna, ele conseguiu passar a noite no lugar e pela manhã pediu ajuda a um homem. Ele queria sal, água, pimenta malagueta e um talo de mamoeiro, ingredientes que seriam usados na cicatrização dos ferimentos. Assustado, o homem chamou a polícia. O cangaceiro ficou preso quatro dias e depois foi levado numa madrugada até o cemitério, executado e enterrado pelos policiais. A forma como Jararaca foi morto provocou indignação entre mossoroenses e serviu como desculpa para transformar o cangaceiro em “santo”. Em Dia de Finados não há túmulo mais decorado e visitado que o do pernambucano e ex-soldado do Exército que deixou a vida militar para ingressar no cangaço.
ROMARIA Em Dia de Finados, o túmulo de Jararaca é o mais visitado


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.