Muito além do nosso tempo

No competitivo mundo de hoje não é mais tão comum acharmos pessoas que podem dizer, de boca cheia, que estão trabalhando com o que amam. Miguel Nicolelis pode. Respeitado mundialmente, o neurocientista brasileiro desenvolve um estudo revolucionário que pretende fazer com que paraplégicos voltem a andar, movidos por uma veste robótica comandada pelo cérebro. Todo esse fascinante processo de pesquisa – acessível tanto para entendidos quanto para leigos – está em seu novo livro Muito Além do Nosso Eu (Companhia das Letras), lançado em 29 de junho no Grande Auditório do MASP, em São Paulo.

Nicolelis comemorou o fato de, finalmente, a ciência estar começando a ser reconhecida por aqui. “Em uma semana, cumpri duas das principais metáforas da neurociência: palestrei na Sala São Paulo e em um planetário e, na nossa profissão, escutamos sinfonias e enxergamos tempestades elétricas neurais.”
Para aqueles que pouco entendem do assunto, o cientista, que apresentou uma palestra no lançamento do livro, simplificou afirmando que o cérebro nada mais é que um escultor da realidade, assim, seu estudo se baseia em criar uma realidade paralela para que o cérebro se adapte e responda a ela. Mas, como todo grande trabalho, é preciso colaboradores. O cientista citou inúmeros alunos e colegas que contribuíram para o sucesso de seu estudo, com destaque especial para a macaca Aurora, principal cobaia de Nicolelis. Durante a fase de testes, ela conseguiu, por meio de um chip introduzido em seu cérebro, controlar um joystick através de um braço mecânico, manuseado pela força de seu pensamento.

Para falar sobre o uso de “ferramentas” pelo corpo humano, Nicolelis revelou que, mesmo que nunca tenhamos dado a devida atenção, isso sempre aconteceu. “Um estudo realizado com grandes tenistas profissionais revelou que após uma partida, quando eles eram vendados e solicitados a tocar com o indicador a palma da outra mão, eles sempre colocavam o dedo mais para frente, na posição que estaria a raquete. Se mapeássemos o cérebro do segundo melhor jogador de todos os tempos, o Pelé, encontraríamos uma bola”, brincou o palmeirense roxo e grande fã de Ademir da Guia, o Divino. Fazendo uma metáfora com a paixão do brasileiro, o futebol, Nicolelis afirmou que o craque joga de cabeça em pé justamente por isso, por ter total controle da bola e noção do espaço que o cerca, como se isso fosse a extensão de seu próprio corpo.

Um estudo complexo e louvável que resultou no The Walk Again Project – Projeto Andar de Novo – que, segundo ele, irá ser aplicado em pessoas cujo cérebro virou prisioneiro do próprio corpo. “Santos Dumont alcançou algo que muitos consideravam impossível, chamavam-no de louco”, lembrou, antes de revelar, muito emocionado e até chorando, o plano de apresentar os resultados da pesquisa, pela primeira vez, com uma criança paraplégica dando o chute inicial da Copa do Mundo de 2014, no Brasil. “O impossível é o factível que ninguém dedicou energia suficiente para alcançar!”, concluiu Nicolelis.

Além de contribuir para a ciência mundial, Nicolelis incentiva a formação de cientistas no Brasil. Ele é idealizador e diretor do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (RN) que, desde 2007, atende mais de mil crianças da rede pública e conta com uma filial em Serrinha (BA), para 400 alunos. Também está implantando em Macaíba, no Rio Grande do Norte a Cidade do Cérebro, centro de ensino, saúde e pesquisa de ponta.

» Muito Além do Nosso Eu, Miguel NIcolelis, Companhia das Letras, 536 páginas


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