Nove dias e 128 filmes depois, encerrou-se a 13ª Mostra de Tiradentes, que inaugurou o calendário brasileiro de festivais de cinema no País. Desde quarta-feira (27), a programação continuou extensa e movimentada, com uma grande quantidade de longas e curtas diariamente, além de debates, encontros, oficinas e presenças aguardadas que marcaram os dias finais de festival.
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Após os seminários que preencheram a manhã do dia 27, que discutiram as exibições do dia anterior, o bate-papo “O olhar sobre o cinema brasileiro” roubou a cena devido ao ilustre convidado Fabien Gaffez, membro da comissão de seleção da Semaine de la Critique do Festival de Cannes, o mais importante festival de cinema do mundo. Fabien desembarcou em Tiradentes em busca de películas para a mostra paralela do festival francês, a qual elege filmes de jovens realizadores em início de carreira, que estão em sua primeira ou, no máximo, segunda produção. O crítico, que ficou na cidade mineira entre os dias 22 e 28, falou entusiasmado sobre a produção documental que estava vendo na Mostra, destacando Terras, de Maya Da-Rin, e Morro do Céu, de Gustavo Spolidoro, além de comentar seu apreço pela relação que os cineastas brasileiros estabelecem entre as paisagens e os seres humanos. Fabien ainda levou para a Europa uma mala com mais de 50 DVDs, com a promessa de assistir com atenção a todos eles.
Sobre o debate, Fabien dividiu a mesa com a conterrânea Sylvie Debs, curadora do Festival Rencontres Cinémas d’Amérique Latine de Toulouse, além de Rachel Monteiro, consultora internacional do Programa Cinema do Brasil. A conversa girou mais especificamente sobre a imagem do cinema brasileiro na Europa, principalmente em torno das questões de exotismo. Logo depois, a ABD Nacional (Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-metragistas) se reuniu em mais um encontro de classe, que também fez de Tiradentes um espaço de negociação e planejamento de estratégias que envolvem nosso cinema. O dia seguiu com a exibição de mais três séries de curtas, entre os quais chamou a atenção Recife frio, de Kleber Mendonça Filho, que cada vez mais se firma como um grande realizador de curtas no país. A alma do osso, do conceituado artista multimídia Cao Guimarães, velho conhecido de Tiradentes, teve seu pré-lançamento nacional. Apesar de o filme estar pronto desde 2004 e já ter passado por diversos festivais pelo mundo (e com direito a inúmeros prêmios), apenas agora será distribuído em circuito nacional. O documentário Um lugar ao sol, de Gabriel Mascaro, que trata dos moradores de coberturas de luxo no Brasil, completou a programação e resultou em um dos debates mais acalorados no dia seguinte, pois envolveu as questões éticas no método de filmagem e abordagem do diretor.
Além do seminário com Mascaro e sobre os curtas-metragens, a quinta-feira (28) foi um dos dias mais esperados devido à presença do Secretário do Audiovisual Sílvio Da-Rin, que ao lado de outros membros da Secretaria do Audiovisual e do MinC (Ministério da Cultura), escolheu o evento para lançar os novos editais que privilegiam o setor, assim como divulgar as diretrizes políticas da SAv para 2010. A noite foi agitada com a exibição de mais uma sessão de curtas e quatro longa-metragens: Mulher à tarde (Affonso Uchoa), Belair (Noa Bressane e Bruno Safadi), Verdade de mulher (Maria Luiz Aboim) e A falta que nos move (Christiane Jatahy) que, apesar de ser o último da maratona, foi o que mais empolgou a plateia.
O penúltimo dia do festival deu atenção aos debates. Além das conversas sobre os filmes, ainda houve um seminário que discutiu o tema deste ano: Paradoxos do contemporâneo, partindo da pergunta: “Como os filmes brasileiros lidam com seu momento histórico?”. Com mais curtas e o Cortejo das Oficinas pela tarde, que marcou o encerramento da programação de oficinas da Mostra, apresentando os produtos realizados pelos alunos, a noite chegou com mais um intenso programa de longas: Esperando Telê (Rubens Rewald e Tales Ab’Saber), Pacific (Marcelo Pedroso), Herbert de Perto (Roberto Berliner e Pedro Bronz) e Corpos Celestes (Marcos Jorge e Fernando Severo).
No sábado, mais debates, curtas, e a volta da Mostrinha. Os longas que arremataram o festival foram Elvis e Madona (Marcelo Laffitte – e terceiro filme da mostra que traz Simone Spoladore no elenco), A falta que me faz (Marília Rocha) e Dá um tempo! (Evandro Berlesi e Rodrigo Castelhano). Na cerimônia de encerramento, muita ansiedade, principalmente por parte dos jovens realizadores, que são a maioria em Tiradentes.
A premiação ocorre da seguinte maneira: todos os filmes concorrem para o Prêmio do Público, cuja votação é feita sempre após as sessões. Apenas os filmes da Mostra Aurora, que reúne cineastas em seu primeiro ou segundo longa-metragem, são avaliados e premiados por júris: o Júri da Crítica, formado por críticos e estudiosos; e o Júri Jovem, formado a partir de uma oficina realizada durante o Cine BH.
A heterogeneidade dos sete filmes que compunham a Mostra Aurora confirmava mais uma vez o perfil misto da produção brasileira contemporânea. Entre os candidatos, A falta que nos move, Esperando Telê, Estrada para Ythaca, Mulher à tarde, Pacific, Terras e Um lugar ao sol. Entretanto, o caráter do festival, que busca por audácia e formas instigantes, também se refletiu na escolha do laureado. Estrada para Ythaca, de Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti foi o grande vencedor, levando os prêmios tanto do Júri da Crítica quanto do Júri Jovem. Os diretores, que também são os protagonistas do longa, falaram sobre a entrega de todos os participantes ao projeto, completando que eles pensam, assistem e discutem cinema juntos – e na produção não seria diferente, já que eles têm um desejo em comum com relação à sétima arte. Neste road movie, após uma bebedeira, quatro amigos fazem uma viagem à cidade natal de um outro amigo que morreu, mas tudo num clima irreverente e com pitadas de nonsense – refletindo perfeitamente a vontade dos diretores de retomar o cinema de vanguarda que possuía humor, como declarou Ricardo Pretti. O filme dos Irmãos Pretti e dos Primos Parente foi o preferido do Júri da Crítica devido ao fato de “apostar em um cinema ousado e vigoroso, realizado coletivamente e que se volta para formas mais cooperativas de se produzir”, segundo Luiz Carlos Merten, integrante da seleção. O Júri Jovem justificou sua escolha indo pelo mesmo caminho: a concretização de um projeto arriscado de cinema e o desejo de busca.
A vitória de Estrada para Ythaca também reforça a presença do Ceará na Mostra, que contou com mais dez curtas-metragens do Estado – sem contar no homenageado Karim Aïnouz, natural de Fortaleza. A montanha mágica, de Petrus Cariry, e As corujas, de Fred Benevides, foram alguns dos destaques cearenses, Estado que vive um momento de vitalidade e com grande foco experimental em sua produção, o que caiu como uma luva no tema do festival. Assim como afirma a cineasta conterrânea dos vencedores, Luisa Marques (Manasses), a efervescência cinematográfica cearense já vem sendo notada nos últimos dois anos, e agora se consolida com o reconhecimento de Tiradentes.
Herbert de Perto, que conta a história da vida e da carreira de Herbert Vianna, líder do Paralamas do Sucesso, foi o longa escolhido pelo Júri Popular, que também premiou o curta Obra-prima (Andréa Midori Simão e Thiago Faelli) na Mostra Foco (destinada aos curtas mais representativos da safra 2009/2010) e o curta Recife frio (Kleber Mendonça Filho) na Mostra Panorama (que traz um amplo painel da produção nacional). O Júri Jovem ainda fez Menção Honrosa ao longa de Affonso Uchoa, Mulher à tarde. O filme mais violento do mundo, de Gilberto Scarpa, levou o Prêmio Aquisição Canal Brasil, que dá ao vencedor o valor de R$ 15 mil e a exibição do filme na grade de programação do canal.
Com 35 mil pessoas, R$ 2,5 milhões injetados na economia da cidade e 1.500 empregos criados direta ou indiretamente, a 13ª edição da Mostra de Tiradentes é de agrado quase unânime: da parte do público que visita a cidade e da parte do povo local. Com uma curadoria e organização exemplares, apesar do mar de gente que invade a cidade, multiplicando em muitas vezes a sua população, as únicas queixas dizem respeito a pedidos pelo aumento do número de lojas que aceitem cartão de crédito, pelo acréscimo de linhas de ônibus que levem à vizinha São João Del Rei (onde muitos ficam hospedados), cadeiras mais confortáveis nos espaços de exibição – que também poderiam ter um leve desnível para melhor visualização dos filmes – e cafés e bares que fiquem abertos até mais tarde. Afinal, não há nada melhor que discutir cinema em volta de uma mesa de boteco. E Tiradentes, nesta época, é o lugar mais adequado do mundo para essa discussão.
Os premiados da 13ª Mostra de Cinema de Tiradentes:
Júri da Crítica
Prêmio Aurora de Melhor Filme – Estrada para Ythaca, de Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diogenes e Ricardo Pretti (CE)
Júri Jovem
Menção Honrosa – Mulher à Tarde, de Affonso Uchoa (MG)
Prêmio Aurora de Melhor Filme – Estrada para Ythaca, de Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti (CE)
Júri Popular
Melhor Curta – Mostra Foco – Obra-Prima, de Andréa Midori Simão e Thiago Faelli (SP)
Melhor Curta – Mostra Panorama – Recife Frio, de Kleber Mendonça Filho (PE)
Melhor Longa – Herbert de Perto, de Roberto Berliner e Pedro Bronz (RJ)
Prêmio Aquisição Canal Brasil – O Filme Mais Violento do Mundo, de Gilberto Scarpa (MG)
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