Diogo, um peixe-boi-marinho, quase morreu pouco tempo depois de seu nascimento. Provavelmente por causa de condições de mar revolto, quando nadava com sua mãe no litoral do Rio Grande do Norte, encalhou na praia de Diogo Lopes. Para sua sorte, foi resgatado e levado para o centro de reabilitação do Programa Peixe-Boi, na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, como já ocorreu com vários outros de sua espécie. Normalmente, os peixes-boi ficam pouco mais de dois anos nas piscinas do centro e depois são levados para o rio Tatuamunha, em Alagoas, dentro da APA da Costa dos Corais, onde fazem sua adaptação às condições naturais.
Mas Diogo demorou quase seis anos nas piscinas por um motivo peculiar: continuava a beber leite como se fosse um filhote. Finalmente em abril, depois de cinco meses em uma área de adaptação no rio Tatuamunha, e diante de uma plateia que incluía a coordenadora da região Nordeste do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Carla Marcon, o presidente da Fundação Toyota, Percival Maiante, dezenas de ambientalistas e até uma dúzia de jornalistas, Diogo foi solto no Tatuamunha. E logo foi recebido por outros peixes-boi que nadavam na área, passando a percorrer o rio até a foz, no mar.
“Diogo, nome dado por causa do local onde foi resgatado, é o 44º peixe-boi devolvido à natureza desde 1994. Para nós, que trabalhamos com a proteção da biodiversidade, é sempre um momento simbólico e gratificante”, comenta Iran Normande, chefe da APA da Costa dos Corais, que vai de Pernambuco a Alagoas. Quando foi solto, já acostumado a comer capim-agulha e folhas das árvores dos manguezais, Diogo estava com nada menos que 2,5 metros de comprimento e pesando 342 quilos, o que o caracteriza como um adolescente, pois os peixes-boi-marinhos chegam a até 600 quilos e quatro metros de comprimento, vivendo até 60 anos.
Para Normande, o maior problema hoje para a sobrevivência do peixe-boi no litoral brasileiro é a perda do seu habitat, pois muitos manguezais no litoral do Nordeste vêm sendo transformados em fazendas de criação de camarão em cativeiro. Considerando que um peixe-boi come, de capim-agulha a folhas de mangue, de 8% a13% de seu peso diariamente e que, embora passe grande parte do tempo no mar, volta sempre para os rios e manguezais para fazer as “refeições” e beber água doce, dá para perceber o tamanho do problema que a destruição de mangueirais pode causar.
“O único predador do peixe-boi é o homem. Felizmente, a caça hoje deixou de ser um problema por causa do trabalho de conscientização desenvolvido pelos órgãos de defesa do meio ambiente, ONGs e o apoio de instituições como a Fundação Toyota, que dá suporte financeiro à APA da Costa dos Corais”, diz Normande. Esse conjunto de fatores fez com que o peixe-boi deixasse, em 2014, a categoria de “criticamente em perigo” na lista de espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção para a de “em perigo”.
Parece pouco, mas a estimativa mais recente indica que a população de peixes-boi, de Alagoas ao Amapá, passou de 500 para mil indivíduos. E, se considerarmos que o peixe-boi só atinge a maturidade sexual aos seis anos (como nosso personagem), que a gestação dura 13 meses e os filhotes mamam durante os dois primeiros anos de vida, dobrar a população é algo a ser comemorado. Para conhecer melhor o dia a dia dos peixes-boi, que, para complicar ainda mais as coisas, “navegam” pelos mares desde Alagoas até o Amapá, o ICMBio há algum tempo já os monitora online. Assim, Diogo, durante seis meses, levará preso na cauda um equipamento de rádio com GPS, que permitirá o monitoramento por satélite de suas navegações. Carla Marcon explica que, periodicamente, os GPS são trocados entre os peixes-boi que frequentam o Tatuamunha e outros rios. “O custo do equipamento é muito alto para cada indivíduo ficar com um GPS. Mas o rodízio já nos permite montar uma base de dados sobre os movimentos individuais e coletivos da espécie.”
Ela destaca que, com relação às áreas de proteção dos corais, o sucesso do programa de preservação pode ser comprovado pelo aumento do número e do tamanho dos peixes em cada uma das praias onde há corais já protegidos ou em processo da implantação da área restrita. “Tamandaré foi a primeira área a ter uma parte do recife isolada ao acesso humano, tanto a pesca quanto o simples lazer. O resultado foi que o número de peixes e toda a ictioflora aumentou em toda a região, pois o peixe ‘não sabe’ que, fora das boias de sinalização da área restrita, ele pode ser pescado”, diz Carla. Além de Tamandaré, novas áreas estão em processo de delimitação em São José da Coroa Grande, em Pernambuco, e Maragogi, em Alagoas. Carla só lamenta que, ao menos na área que coordena, desde a Bahia até o Ceará, só exista uma parceria entre o ICMBio e uma empresa privada, no caso a Fundação Toyota. “Sinceramente, espero que o exemplo da Toyota e o sucesso obtido na Costa dos Corais, incluindo o programa Peixe-Boi, estimule outras empresas a fazer projetos de preservação semelhantes. Nós temos muitas opções na região que coordeno”, comentou Carla.
Já Percival Maiante, que assumiu a presidência da Fundação Toyota em outubro do ano passado, considerou emocionante a soltura de Diogo no rio. Ele, aliás, foi uma das 30 pessoas que participaram, dentro d’água, do processo de retirada do animal da área restrita, para pesagem, exames e colocação do GPS, e depois da devolução do peixe-boi à água. “Nunca pensei que um dia iria fazer isso. Foi muito gratificante e nos dá a certeza de que estamos apoiando projetos que contribuem para melhores condições do meio ambiente.” afirmou.
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