Antonio de Carvalho Barbosa é na verdade Tony Ramos – ou vice-versa. Nascido em Arapongas, interior do Paraná, ganhou logo o apelido anglicizado para o prenome. Ramos foi incorporado mais tarde, emprestado de um parente. Como Tony Ramos, já foi trambiqueiro, milionário, surdo-mudo, gêmeo, filho, pai, jagunço, ambicioso, taxista, grego, engenheiro, biólogo, empresário, ex-presidiário, feirante, advogado, músico, coronel, travesti. A lista de personagens é enorme – ele foi, inclusive, protagonista do primeiro nu masculino da televisão brasileira, ao interpretar o jovem Márcio Hayala na primeira versão de O Astro (Globo, 1977), escrita por Janete Clair (1925-1983). Mais recentemente, deu vida breve a Genésio, um homem honesto e trabalhador, que morreu no primeiro episódio da atual novela do horário nobre da Globo, Avenida Brasil. “Aceitei o papel porque percebi que o personagem tinha profundidade.” Verdade. A morte do personagem mudou a vida de vários outros da trama.
Daqui a uns meses, Tony Ramos volta à televisão, dessa vez em um papel bem mais longo. Ele estará no remake Guerra dos Sexos, que vai substituir a atual novela da faixa das 19 horas, Cheias de Charme, da mesma Globo. Exibida originalmente há quase 30 anos, em 1983, a novela original tinha como protagonistas os atores Paulo Autran (1922-2007) e Fernanda Montenegro, que viveram os primos briguentos Otávio e Charlô. Na cena da batalha de brioches, talvez a mais reprisada da história da TV, estarão agora Tony Ramos, como Otávio, e Irene Ravache, como Charlô. “Muitos me perguntam sobre a responsabilidade de substituir nosso querido e inesquecível Paulo Autran. Mas não vou substituí-lo, isso não existe. A montagem que ele participou é eterna.”
Experiente e carismático, Tony Ramos, que já atuou em dezenas de novelas, peças de teatro e cinema, é também famoso por viver, na vida real, um dos mais estáveis casamentos do meio artístico – é casado com Ludiane Barbosa desde 1969, com quem tem dois filhos, Rodrigo, médico, e Andréa, advogada. Na entrevista que concedeu à Brasileiros, no Parque dos Patins, na Lagoa Rodrigo de Freitas, zona sul do Rio de Janeiro, ele falou de juventude, maturidade, carreira, fama e ética.
Teledramaturgia É evidente que a telenovela brasileira foi ganhando um novo espaço durante os anos. Mas apresentamos a fazer novela na TV com a radionovela. Quando a TV foi inaugurada, em 1950, em São Paulo, com a Tupi, já se pensava em fazer novela, usando as experiências do rádio e de quem fazia novela em rádio. A novela brasileira foi criando uma cumplicidade com o espectador. Mesmo no período dos anos de chumbo, quando as emissoras sofreram uma censura férrea, isso aconteceu. De alguma forma, procurou-se discutir o ser humano e sua essência e as novelas começaram a estudar mais profundamente as questões que nos atormentam. Consequentemente, foi criada uma forma de fazer telenovela à maneira brasileira. Dei essa volta enorme para não parecer pretencioso demais. Mas, sim, fazemos a melhor telenovela do mundo.
O remake A ideia era fazer um filme com a história de Guerra dos Sexos. Mas, por uma série de razões que não sei direito, o projeto foi engavetado. Há alguns anos, a TV Globo se interessou em refazer a novela, passados quase 30 anos da primeira versão. Isso é interessante porque talvez haja pessoas com 40 anos que não lembram mais da original. Como a história é ótima, vamos refazê-la. Na primeira versão, o tempo era outro, não havia celular nem internet. Silvio de Abreu está entrando em outro mundo nessa readaptação.
Paulo Autran Muitos me perguntam sobre a responsabilidade de substituir nosso querido e inesquecível Paulo Autran. Mas não vou substituí-lo. A montagem que ele participou ao lado de Fernanda Montenegro é eterna, um clássico. Não tem substituição, isso não existe. Na verdade, vamos recontar uma boa história. Já participei de outros remakes. Selva de Pedra, que foi escrita por Janete Clair e exibida pela primeira vez em 1972 em preto e branco, e, anos mais tarde, em 1986, a Globo a refez em cores. Vivi o personagem Cristiano Vilhena, que tinha sido de Francisco Cuoco. Também refizemos Cabocla, cuja primeira versão é de 1979 e a segunda, de 2004. Nessa, eu fiz o coronel Boanerges de Sousa Pereira, papel que havia sido do meu querido Cláudio Corrêa e Castro (1928-2007). Éramos um elenco maravilhoso: Fábio Júnior, Glória Pires, Neusa Amaral… Não tenho problemas em refazer histórias. Sendo boa, precisa ser refeita.
Os personagens Acho que os escolho por entusiasmo (risos). Quando digo sim para um trabalho… Em Avenida Brasil, por exemplo, vivi Genésio, um personagem que morreu no primeiro episódio. Estava em Frankfurt quando o autor (João Emanuel Carneiro) me telefonou para falar da novela. Depois, ele me mandou os textos por e-mail. Li e pensei: “Essa história é boa”. Logo percebi que Genésio tinha profundidade e aceitei o papel. Ao longo dos meus 48 anos na televisão, nunca fui obrigado a fazer nenhum papel, nem mesmo pela sobrevivência como ator. Sempre disse para mim mesmo: “Vou fazer o que acho legal”. Se não, não vale a pena. Em 1967, ganhei meu primeiro papel de repercussão com a novela Antonio Maria (exibida pela extinta TV Tupi de São Paulo). Era um personagem coadjuvante, mas de muita presença cênica. Sempre fui estoico e acreditei no meu potencial e no meu trabalho, com determinação, que é o que me norteia.
Autores Gostaria de fazer uma novela que não fiz ainda, uma de Aguinaldo Silva. Ele é espontâneo, adorável, polêmico, provocador, muito interessante. Outro que sempre gostei de trabalhar é Manoel Carlos – já fiz cinco novelas dele. Silvio de Abreu é queridíssimo, já fiz seis novelas dele e tenho a maior alegria em dizer isso. Mas adoro Gloria Perez, Benedito Ruy Barbosa… Seria um privilégio retomar a parceria com eles.
O inimigo do ator Há alguns que merecem ser destacados. A começar por acreditar no sucesso. O ator, cantor, jogador de futebol, aquele que está exposto à curiosidade pública, quando acredita no sucesso começa a dançar por que não se lembra de que o fracasso é primo-irmão do sucesso. Outra coisa importante para um ator é nunca se desgrudar dos livros, da leitura, da oportunidade de fazer cursos, de sempre assistir a espetáculos teatrais, acompanhando o que os colegas estão fazendo. Importantíssimo é saber se respeitar, cumprindo horários e decorando seus textos. E, claro, respeitar o público. Não é possível trabalhar para um prêmio, um crítico ou crítica, para ser capa de revista ou porque vai ser convidado para isso ou para aquilo. Essas coisas são efêmeras. O sucesso passa pela filtragem de um perfil calmo, não eufórico.
O sucesso Dá para curtir o sucesso, mas é como uma vitória em uma partida de futebol. Todo mundo tem o direito de berrar campeão. Mas calma! Acho fundamental saber respeitar quem perdeu, quem, por uma série de contingências, não conseguiu o sucesso. O que quero dizer é que é preciso saber como se comportar diante do sucesso, até para saber conviver com um fracasso. Quando fizemos Se eu Fosse Você, não pensamos em ter quatro milhões de espectadores no primeiro e quase sete milhões no segundo. Pensamos apenas em fazer um bom filme e, graças a Deus, aconteceu o sucesso. Como também foi importante, para nós, o filme Tempos de Paz, baseado na peça Diretrizes em Tempos de Paz, um trabalho mais difícil, um drama que se passa em 1945. Foi lindo ter feito. Assim como foi lindo fazer o filme sobre Chico Xavier.
Futebol Tem gente que acha que, por eu ser são-paulino, preciso ser Fluminense, porque o time carioca é tricolor como o de São Paulo. Um dia, um colega me falou: “Você precisa torcer por um time só”. Mas acho isso furado. Sou são-paulino porque é meu time de infância e sempre serei são-paulino. Mas tenho várias simpatias no Rio desde quando disputava figurinhas no bafo. Mas vi Zizinho (1921-2002) jogar no meu time e tive a sorte de ver o São Paulo ser campeão paulista em 1957, quando eu tinha só 9 anos. Já tivemos momentos horrorosos e outros maravilhosos. O futebol é assim. Quando eu era criança, tinha predileção pelo Botafogo de Quarentinha, Zagallo, Nilton Santos, Manga, Garrincha, que vi jogar. Tinha Amarildo, jogador fantástico. Nessa época, adorava saber do Botafogo. Mesmo sendo são-paulino, queria ver Pelé jogar e, quando Carlos Alberto Torres veio jogar no Fluminense com Rivelino e Gérson, que já havia jogado no São Paulo, comecei a ficar Fluminense. Tenho isso. Meus filhos não, eles são flamenguitas. Por quê? Quando mudamos para o Rio, eles eram pequenos, pegaram a geração Zico. Nunca fui pai de impor nada e, portanto, eles torcem por quem quiserem. Cansei deles me gozarem, com o Flamengo de ouro ganhando do São Paulo (risos).
Como estudante Fui estudante de Filosofia, mas não terminei. Também entrei em Direito e não cheguei até o final. Por quê? Porque a minha profissão de ator já falava mais alto naquela época. Eu só podia estudar à noite porque, durante o dia, trabalhava na televisão. E teatro só acontece à noite. Também fazia rádio, publicidade, fazia de tudo um pouco para levar dinheiro para casa, porque me casei jovem e muito jovem também tivemos nossos filhos. Mas também não queria deixar a prática acadêmica de lado e, então, decidi estudar Filosofia pura, que adoro. Só que, quando aparecia uma peça, eu era obrigado a trancar a matrícula para me dedicar ao trabalho. Uma hora, não tive mais condições de fazer a faculdade. Hoje, aos 64 anos, minha carreira deu certo de outra forma, e a trajetória acadêmica ficou para trás. Mas não sou triste por causa disso.
Ética Acho que ética você tem ou não tem, assim como honestidade. Você pode, talvez, em algum momento, escorregar na ética, não porque queira, mas por uma contingência da vida, mas há sempre um tempo de retomar o caminho da ética, pedir desculpas pelo escorregão. Mas, se você não tem ética, não dá para comprá-la na esquina. Acho que sou é fruto do que vivi em casa. Minha mãe é professora primária aposentada, minha avó foi muito importante na minha educação porque minha mãe se separou do meu pai quando eu ainda era criança. Minha mãe precisava trabalhar, e minha avó foi fundamental na minha infância. Elas foram muito importantes na minha vida. Sempre me diziam que nada é mais importante na vida do que dormir em paz com nossa ética e honestidade.
Manias Ler jornal. Assino três: O Globo, Folha de S. Paulo e O Estado. Não adianta dizer que as notícias impressas estão também na internet. Para mim, não tem o mesmo sabor. Um tablet, um laptop é quebra-galho. Estou viajando, não tenho os jornais, tudo bem, vejo as notícias no tablet. Mas, na minha casa, na minha rede, de short, nada como uma caneca de café, o jornal cobrindo o corpo, aquele contato com o jornal, a revista, o livro, nada substitui isso. Na internet, leio o The New York Times e o Corriere della Sera todos os dias.
Vida doméstica Gosto de preparar o café da manhã na minha casa e, depois, lavar a louça do café. Essa também é uma mania minha (risos). Minha mulher sabe que, na verdade, essa tarefa é uma terapia para mim. Eu accordo cedo, entre 5h30 e 6h15min todos os dias, e, antes de ir para a esteira, faço o café, corto as frutas. Depois, tomo o café e vou fazer um pouco de ginástica. É algo automático, um hábito cotidiano.
Religião Sou católico, mas ecumênico no pensamento. Não falo muito sobre religiosidade porque é algo pessoal e eu respeito os ateus, assim como espero que eles me respeitem. A religião não pode transformar alguém em um fundamentalista obsessivo. A religião precisa dar conforto e cada um de nós sabe do que precisa. Mas eu tenho fé e já tive muitas provas dessa minha fé e da existência desse meu Deus.
Escritores De cara, digo que o meu escritor predileto é Albert Camus. Li O Estrangeiro, um livro maravilhoso. Mas gosto muito de Shakespeare, Molière, Saramago. Aliás, estive com Saramago durante a leitura do livro A Caverna, em 2001. Também acho maravilhoso o alemão Thomas Mann. Mas há brasileiros sensacionais, como o grande Machado de Assis, Rubens Fonseca… Fantástico. Tive a chance de fazer o filme Bufo & Spallanzani, do cineasta Flávio Tambellini, baseado no livro homônimo de Fonseca, e a peça Lucia McCartney, baseada em um conto dele. Mas não dá para não falar de Guimarães Rosa e de bons contemporâneos, como Dalton Trevisan e Luis Fernando Veríssimo.
O Brasil Sou um brasileiro atento, preocupado e apartidário, não por ficar em cima do muro. Não quero ser partidário. Por favor, hein! Aqui não há um julgamento, nenhum conceito pessoal contra quem seja, pelo amor de Deus! Mas não gosto de misturar minha popularidade com posicionamento partidário. Agora, posicionamento sociopolítico eu tenho o tempo todo. Sou preocupado com a distribuição de renda no País, com a saúde. Sonho com a criança entrando na escola às 7 horas e saindo às 16 horas, já com uma merenda, e praticando esporte, música, teatro. Que sonho! Por que não? Custaria, se não igual, menos que muito dinheiro jogado fora por outros caminhos. Sonho, sim, com um País justo, onde o pensamento seja respeitadoSou esse brasileiro que acredita no ser humano, que acredita não em ideias de um partido, mas naquilo que um ser humano que governa meu País está fazendo. É isso o que busco na hora de eleger alguém.
OS ORIGINAIS
Escrita a quatro mãos por Silvio de Abreu e Carlos Lombardi, Guerra dos Sexos foi exibida pela primeira vez em 1983 e abordou, como sugere o título, os conflitos entre os gêneros. Dirigida por Jorge Furtado e Guel Arraes, essa versão apresentou Paulo Autran, Fernanda Montenegro, Maria Zilda, Glória Menezes, Tarcísio Meira e Lucélia Santos nos papéis principais. Neste ano, o remake tem também autoria de Silvio de Abreu e direção de Jorge Fernando. O mote continua o mesmo: a disputa entre homens e mulheres, com cada grupo tentando provar ao outro sua superioridade. Tudo começa quando os primos Otávio e Charlô (papel de Irene Ravache) recebem como herança de um tio a cadeia de lojas Charlô’s e a mansão onde moram. Os atritos entre eles, tanto em casa como no escritório, tornam a convivência impossível, até que Charlô faz a Otávio uma proposta: um dos herdeiros deverá abrir mão de sua parte em nome do outro em uma arriscada aposta de cem dias, período que ela e sua equipe têm para elevar o lucro das lojas em uma percentagem estipulada. Caso contrário, Charlô perde tudo. Assim, começa uma verdadeira guerra.
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