Na porta de casa

Calejado pela vida, o eletricista Euclides de Souza Alves, de 54 anos, tem um lema: nunca ficar plenamente satisfeito com as ações da prefeitura feitas em prol da sua região. Por isso, quando um terreno cheio de mato, pertencente ao município de Guarulhos, virou uma grande praça com bancos, mesinhas de concreto com jogos de dama desenhados e balanças para a criançada, Alves aplaudiu a iniciativa, mas não se deu por satisfeito. Afinal, ele não entendeu por que no fundo da praça, mesmo oito meses após a sua inauguração, ainda havia um grande córrego a céu aberto, totalmente poluído. “Os meninos jogam bola aqui na praça e ela sempre acaba caindo no rio e eles entram lá para pegar”, conta Alves, um dos primeiros da fila que se formou para tentar falar com o prefeito durante o evento Prefeitura nos Bairros, realizado nos dias 15 e 16 de agosto, na região de Pimentas, periferia de Guarulhos.

Criado este ano, o programa, que já visitou três bairros pobres de Guarulhos (Jardim Cumbica, Jardim São João e Pimentas) e pretende percorrer outras nove regiões da cidade até maio de 2010, nada mais é que uma junção de todos os serviços sociais e culturais já oferecidos pela prefeitura do município. “A diferença é que, durante a realização do evento, a população não precisa sair de seu bairro para fazer suas reivindicações à prefeitura ou usufruir de nossos programas, o que torna as ações do governo mais ágeis e transparentes, criando uma relação mais próxima entre a prefeitura e a comunidade”, diz Plínio Soares dos Santos, um dos coordenadores do programa.
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Nos dois dias em que são realizados os encontros com a população, o gabinete da prefeitura de Guarulhos é transferido para o próprio local, onde o prefeito Sebastião Almeida passa a despachar ao lado de seus assessores e se propõe a receber pessoalmente os moradores da região. “Ao levar nossa estrutura aos bairros, também levamos informações sobre os serviços da prefeitura aos moradores, que, em alguns casos, eles sequer sabem que existem. Assim, as pessoas deixam de se locomover até a região central e conseguem resolver suas pendências perto de casa. Sem falar das atividades de lazer e recreação desenvolvidas durante o encontro”, ressalta o prefeito.

Almeida refuta as críticas negativas feitas invariavelmente a eventos festivos promovidos por órgãos públicos, de que se trata apenas de ações paliativas, ilusórias, que estão longe de resolver os tradicionais problemas existentes nas comunidades pobres. “Com o Prefeitura nos Bairros, conseguimos abrir um canal de comunicação com os moradores, pois, além dos dois dias em que são feitos contatos diretos com a população, o evento prevê o atendimento nas regiões selecionadas durante 15 dias seguidos, com serviços como limpeza de córregos, poda de árvores, recolhimento de entulho, entre outros”.

Na manhã de sábado, 15 de agosto, Euclides não conseguiu ter um contato direto com o prefeito de Guarulhos, que só chegaria ao evento no período da tarde. Mas, após entrar no gabinete itinerante da prefeitura, teve o seu pedido – sobre o problema do córrego poluído – anotado por um dos assessores do prefeito, André Alburquerque. “Agora, a solicitação será encaminhada para a Secretaria de Obras, que fará uma análise sobre a possibilidade de canalização do córrego”, diz Alburquerque.

A solicitação de Euclides, morador do bairro há 20 anos e que trabalha como eletricista na Rodoviária do Tietê, foi apenas uma entre centenas delas computadas pela prefeitura durante os dois dias de evento na região de Pimentas, quando 55 mil pessoas circularam pelo espaço reservado para o acontecimento, segundo cálculos dos organizadores. Os moradores da região e adjacências tiveram um dia bastante incomum para quem vive em uma comunidade pobre, muitos deles já acostumados com o isolamento a que são submetidos.

Em um terreno de 15 mil m2, a comunidade tinha à disposição tendas com prestação de serviços municipais (como solicitação de segunda via de certidões e de carteira de trabalho); palestras sobre a gripe suína (H1N1), saúde bucal e doenças sexualmente transmissíveis; espaço para a realização de exames, como de glicemia e pressão arterial; aulas de educação no trânsito; brinquedos para as crianças; salão de beleza (corte de cabelo, escova e manicure); sessões de cinema itinerante; restaurante popular e shows musicais ao vivo com artistas da região. Tudo de graça, ou, no caso da refeição, com preço simbólico de R$ 1.

“Quero espetado e máquina dois nos lados.” Esse foi o pedido do menino Felipe Vinicius, de 12 anos, torcedor do Santos, à cabeleireira Gilda Bento, que se preparava para realizar mais um corte entre os muitos já feitos naquela manhã de sábado. Cerca de 15 minutos depois, Vinicius, morador de Pimentas, levantou-se satisfeito com o trabalho de Gilda, mesmo sem ter visto o resultado – no local improvisado como “salão de beleza” não havia espelho, nem mesmo aqueles pequenos de moldura cor de laranja normalmente encontrados em feiras livres. “Tá bonito”, diz mesmo assim o menino, satisfeito por ter economizado R$ 5, o preço que ele costuma pagar nos barbeiros da região.

Enquanto Vinicius corria para assistir ao filme Kunk Fu Panda no cinema itinerante (um espaço com tela de cinema, som estéreo e cadeiras para 400 pessoas), Gilda, uma senhora de 52 anos, também do bairro, contava a sua história à reportagem da Brasileiros. “Fiz o curso de cabeleireiro e agora quero abrir um salão de beleza”, sonha ela que, por enquanto, vive da venda de artesanato. “Moro de aluguel, mas comprei um terreno aqui perto, onde pretendo construir nossa casa e o salão.” Gilda é apenas uma entre os 2 mil novos cabeleireiros que já receberam neste ano o certificado de capacitação profissional emitido pelo Fundo Social de Solidariedade, programa criado há sete anos pela prefeitura de Guarulhos, em parceria com o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae), e que promove cursos gratuitos para pessoas de baixa renda. Além de cortes de cabelo, são oferecidas aulas de massagem, artesanato, costura, chocolataria, panificação, entre outros.

Assim como Gilda, Marcos Barbosa, de 47 anos, nascido em Guarulhos, sempre viveu de bicos até conseguir uma profissão: a de massagista, ofício também aprendido após realizar os cursos do Fundo Social. Depois de um ano e seis meses de aulas teóricas e práticas de massagem terapêutica, Barbosa se diz bastante feliz por ter descoberto sua verdadeira vocação. “Quero viver disso agora.” Após ter feito muitas massagens de graça para aprimorar a técnica, hoje ele se sente à vontade para cobrar de R$ 25 a R$ 50 pelo serviço prestado. “Se o atendimento for em um bairro carente, cobro o menor preço, por meia hora de massagem”, diz. A estudante Vanessa Rangel Marques, que nunca havia recebido uma massagem, saiu bastante satisfeita com o trabalho de Barbosa. “Estava com uma dorzinha nas costas e agora melhorou.”

Guarulhos é a segunda cidade mais populosa do Estado de São Paulo, com cerca de 1,3 milhão de habitantes. Com o crescimento desordenado do município, sobretudo nas periferias, a incapacidade de atendimento médico para toda a população tornou-se um dos maiores problemas enfrentados pela prefeitura. Por isso, os serviços ligados ao setor de saúde foram os mais procurados durante os dois dias de evento na região de Pimentas.

A tenda onde eram feitos testes rápidos de glicemia e de pressão arterial registrou muitos casos de pessoas que estavam com problemas de saúde. Hildete Batista, uma senhora de 67 anos, foi uma delas. O resultado de seu exame apontou grande alteração no nível de glicemia, com uma taxa de 509 mg/dL, enquanto a taxa de uma pessoa saudável varia de 60 mg/dL a 120 mg/dL, explica Nicácio Araújo Alves Coren, enfermeiro responsável pelo estande. Mailde Pina, filha de Hildete, diz que a mãe já apresentava problemas de diabetes há alguns tempo e, com o agravamento da doença, tentou levá-la para ser atendida no posto de saúde próximo de sua casa, mas lá foi informada que teria de esperar pelo menos três meses para o dia da consulta. “Ainda não consegui marcar médico para ela”, conta, angustiada, explicando que a mãe possui um aparelho medidor de glicemia, mas não tem dinheiro suficiente para comprar as fitas para o exame (dispositivos descartáveis em que são colocadas as amostras de sangue que serão analisadas).

Em casos como o de dona Hildete, os enfermeiros responsáveis pelo atendimento durante o programa Prefeitura nos Bairros recolhem as fichas com dados pessoais feitas na hora e orientam as pessoas para que procurem o hospital ou posto de saúde mais próximos de sua residência. Hélio Arantes, secretário municipal de Cultura e responsável pela coordenação do evento, admite a dificuldade da prefeitura em conseguir atrair profissionais da área de saúde para as zonas pobres de Guarulhos. “Eles não gostam de trabalhar na periferia e normalmente atuam em hospitais mais próximos de suas residências.” Para tentar resolver o problema, um projeto da atual da prefeitura de Guarulhos elevou em até 30% o salário dos médicos que trabalham nas Unidades Básicas de Saúde e nos Centros de Especialidades. Essa medida, porém, ainda não foi suficiente para acabar com o problema de escassez de médicos nas regiões periféricas, admite o prefeito. “Por isso, estamos constantemente abrindo concursos para o preenchimento de vagas nessa área. Hoje, já temos mais médicos do que em janeiro deste ano, quando assumi o cargo.”

A falta de saneamento básico é outro problema enfrentado pelos moradores de Guarulhos. Segundo o prefeito, a cidade tem como meta tratar até 70% do esgoto coletado em quatro anos. “Vamos construir cinco estações de tratamento, obra que está orçada em R$ 249,3 milhões e será realizada com recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e da prefeitura.” Como o assunto em questão era saneamento básico, a Brasileiros aproveitou a deixa para passar o recado do eletricista Euclides, que tentou, mas não conseguiu falar diretamente com o prefeito: como resolver o problema do córrego poluído de Pimentas? “Com a implantação de coletores-tronco no córrego, que levarão o esgoto de lá para a estação de tratamento da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) em São Miguel Paulista”, responde Almeida.

Agora é esperar para ver, né seu Euclides?


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