Na primeira pessoa

Quem se aventurou pela escrita, ou seja, quem é escritor reconhece que escreve, antes de mais nada, sobre si próprio, mesmo quando está contando histórias bem diferentes da sua experiência e vivência. De alguma maneira, o escritor conta sobre algo que passou ou que vivenciou, levando em consideração seu filtro ficcional. “Acho que ele (o livro No Buraco) é meu livro mais autoral, no sentido que sou eu mesmo”, revela Tony Bellotto em entrevista exclusiva concedida na manhã desta terça-feira (5), em hotel em São Paulo, onde ficou hospedado para lançar o livro, da Companhia Das Letras.
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O lançamento aconteceu na segunda-feira à noite, no Bar Astor, na Vila Madalena. Entre os presentes que foram prestigiá-lo, estavam sua esposa, Malu Mader, os escritores Marçal Aquino e Reinaldo Moraes, e os parceiros dos Titãs Paulo Miklos e Branco Mello. Desde que se lançou como escritor, em 1995, com o romance Bellini e a Esfinge, Bellotto tem em Malu Mader uma figura chave. Ela é a primeira a ler os manuscritos e a dar palpites sobre os personagens, principalmente os femininos. “Eu sempre escrevia algumas coisas, mas não tinha coragem de mostrá-las a ninguém, por insegurança. Até que um dia, decidi mostrar fragmentos do meu primeiro livro para Malu, que gostou do que leu e me deu alguns palpites, essenciais para o acabamento final do livro. E, desde essa época, ela é a primeira a ler meus livros, antes de entregá-los a editora”, conta. Além de Malu Mader, a sua outra leitora é a filha mais velha, Nina, fruto do seu primeiro casamento.

No Buraco conta a história de Teo Zanquis, um ex-ídolo de uma banda de rock que nos anos 1980 emplacou um único sucesso nas rádios. Hoje, aos 50 anos (mesma idade de Tony Bellotto), Zanquis vive no ostracismo e relembra daqueles tempos tresloucados e deliciosos que não voltam mais. Indagado se fez o livro envolto pela nostalgia, Bellotto reconhece que sim, mas completa: “Eu senti nostalgia, sim. Primeiro uma nostalgia natural de você, aos 50 anos, relembrar acontecimentos da tua juventude. Existe sempre aquela sensação do que passou e não volta mais. Daquela sensação que você tem na juventude, de uma certa irresponsabilidade, uma inconsequência, que é muito legal. Parece que a vida não vai ter fim, que você tem o tempo a seu dispor, que ele nunca vai acabar. Claro que senti um pouco de saudade, de nostalgia dessa época. Ao mesmo tempo, tem uma postura meio irônica, meio crítica, do personagem”, revela.

Veja os principais trechos do papo com Tony Bellotto.

Brasileiros – Você disse, em entrevista recente, que esse livro era o que gostaria de ter escrito desde que estreou na literatura, em 1995, com Bellini e a Esfinge. Por quê?
Tony Bellotto –
Acho que ele é meu livro mais autoral, no sentido que sou eu mesmo. Os outros livros, gosto muito deles. Acho que todos têm muitas qualidades, mas são livros que falei de outras realidades, que é uma das funções do escritor também. Mas, em No Buraco estou falando da minha vida, de uma coisa que sei melhor do que ninguém, da minha vivência, da minha experiência na estrada, na música, de impressões minhas sobre a música. Então, acho que sempre tive o desejo de fazer um livro que pudesse falar mais da minha vida, que fosse um livro que só eu poderia ter feito, vamos dizer assim. Mas, no começo me faltava um pouco de fluência, da técnica para conseguir fazer esse livro. Eu fiquei muito satisfeito de, depois de 15 anos que tenho escrito regularmente, contar essa história. Esse é meu sexto livro (Tony Bellotto não está considerando O Livro do Guitarrista, um livro juvenil).

Brasileiros – Existe o filtro do escritor que fala de uma realidade vivenciada, mas tem esse olhar subjetivo…
T.B. –
Exatamente.

Brasileiros – De alguma maneira, você ficou com medo de contar uma história em que alguém fosse se reconhecer nela e te cobrasse por isso?
T.B. –
(Risos) Não é exatamente medo, mas eu pensei. Claro, como você mesmo falou, o filtro da ficção transforma tudo. As histórias estão todas transformadas por um olhar de ficção, um olhar ficcional. Têm muitas histórias ali que tenho certeza, por exemplo, que meus companheiros dos Titãs vão reconhecer, vão lembrar, vão até dizer “Não foi bem assim”, porque na cabeça de cada um as histórias vão se transformando também. Ontem mesmo, no lançamento aqui em São Paulo, estavam lá o Branco Mello e o Paulo Miklos. Quando estava autografando o livro pra eles, pensei: “Pô, os caras vão ler e com certeza vão reconhecer histórias e reconhecer personagens também”. Às vezes, o personagem tem um nome ficcional, mas com certeza eles vão saber a quem estou me referindo, mesmo que seja um pouco mudado.

Brasileiros – Então, você não vai ficar com medo disso acontecer?
T.B. –
Não é propriamente medo. É interessante que isso venha a acontecer. Fico pensando: “Tenho certeza que algumas pessoas vão se reconhecer ali e reconhecer as histórias que conto”.

Brasileiros – Relembrar esses fatos vivenciados da década de 1980 trouxe o sentimento de nostalgia sobre o cenário musical do pop rock brasileiro, já que hoje esse cenário mudou drasticamente? Temos uma moçada, os emos e as bandas que tocam rock romântico, bem diferentes das letras contestadoras da época de vocês. Infelizmente, essa temática romântica está em todos os gêneros da música brasileira…
T.B. –
Hoje é o monopólio do romantismo (risos).

Brasileiros – Como você vê esse cenário da música brasileira, especialmente o pop rock?
T.B. –
Eu senti nostalgia, sim. Primeiro, uma nostalgia natural de você, aos 50 anos, relembrar acontecimentos da tua juventude. Existe sempre aquela sensação do que passou e não volta mais. Daquela sensação, que você tem na juventude, de uma certa irresponsabilidade, uma inconsequência, que é muito legal. Parece que a vida nunca vai acabar. Claro que senti um pouco de saudade, de nostalgia, dessa época. Ao mesmo tempo, tem uma postura meio irônica, meio crítica, do personagem e daquela época. Ele também relembra aquilo, fazendo uma gozação dos aspectos meio ridículos que aquela época, da transformação do rock, que você falou anteriormente, que foi realmente radical. A crise do disco contribuiu para isso, mas teve uma mudança de qualidade do trabalho que se fazia naquela época e do trabalho, pelo menos do trabalho que aparece, hoje em dia. Não há mais canais para que músicos se apresentem. Não há mais espaço para o autêntico, o que tem qualidade. Veja, por exemplo, o que acontece nos programas de auditório. Artistas como Raul Seixas, infelizmente, não teriam espaço nesses programas hoje. Tempos difíceis de serem compreendidos (risos).

Brasileiros – Como é a vida de casado e pai de família?
T.B. –
Cheia de altos e baixos (risos), como a vida de um solteiro. Tem responsabilidades e prazeres, que não me vejo vivendo outra vida. Amo minha família e hoje estou muito feliz, pois serei avô, ou seja, vou ser duplamente pai (a filha mais velha de Bellotto, Nina, vai ser mãe. O filho provavelmente nascerá em maio. Além dela, ele tem dois filhos com a atriz Malu Mader: João Mader, nascido 1995, e Antônio, nascido em 1997). Ter sido pai cedo me deu um senso de responsabilidade sobre aqueles tempos insanos e maravilhosos que vivemos nos anos 1980.

Brasileiros – Quando você fala em tempos insanos e maravilhosos está se referindo também às drogas?
T.B. –
Também (risos). Consumi, como quase todos nós, roqueiros, muita droga. Mas, minha prisão e o fato de ser pai me mostraram uma outra realidade, que até então não tinha sentido.

Os 300 de Charles


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