Não tem para ninguém

O café pode não ter mais a mesma importância econômica que ostentava no século passado, quando financiou o processo de industrialização do País. De fato, os embarques do grão, que chegaram a responder por mais de 85% das exportações brasileiras, hoje não representam mais de 5% do total.

E, apesar de ter perdido espaço para concorrentes como a Colômbia, para países da América Central e até para produtores sem tradição, como o Vietnã, hoje o segundo maior produtor, o Brasil continua sendo o maior produtor e exportador de café do mundo. No ano passado, os embarques somaram 27,3 milhões de sacas, movimentando US$ 3,3 bilhões.
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Mais ainda: ninguém produz café de tanta qualidade e com tamanha variedade. Palavra de um dos maiores entendidos no assunto: o lendário Ernesto Illy, o patriarca que comanda a torrefadora italiana Illy, reconhecida como referência mundial em qualidade de café.

“O café brasileiro vem passando por um processo de melhoramento contínuo, que o torna cada vez melhor. Os cafeicultores brasileiros entenderam que esse é o diferencial e estão orientando sua produção não mais para a quantidade, mas para a qualidade, transformando o País num importante produtor de cafés finos”, diz ele.

Químico por formação, esse italiano é um entusiasta de primeira hora do café brasileiro e um dos grandes colaboradores para a evolução de sua qualidade. Partiu dele a iniciativa de organizar o Prêmio Brasil de Qualidade do Café para “Espresso” que, há 17 anos, distribui em torno de US$ 100 mil a cada edição para as melhores amostras de café.

A qualidade do café gourmet brasileiro também foi impulsionada com a organização dos produtores de ponta, que souberam capitalizar as oportunidades abertas pelo fim do monopólio da comercialização de café em 1990, quando foi extinto o Instituto Brasileiro do Café (IBC). “O Brasil passou da posição de ‘comprador’ para a de ‘vendedor’”, explica Silvio Leite, diretor da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA).

Criada em 1991 por um pequeno grupo de cafeicultores, a associação também prestou importante contribuição para o avanço da qualidade do café brasileiro, ao promover iniciativas como o Concurso de Qualidade Cafés do Brasil – Cup of Excellence. Os lotes vencedores são disputados em leilões eletrônicos por importadores de todo o mundo, alcançando altíssimas cotações.

O recorde foi registrado em 2005, quando um lote de apenas 12 sacas, do produtor Francisco Isidro Dias Pereira, de Carmo de Minas, sul de Minas Gerais, foi vendido por
R$ 14.872,90 a saca – 70 vezes acima da cotação de mercado. “Trata-se de uma situação excepcional, é verdade, mas o fato é que os cafés especiais, de qualidade mais apurada, alcançam prêmios de 30% ou mais em relação aos cafés comuns”, diz Silvio Leite, lembrando que, depois de oito edições, o certame foi encerrado este ano. “O concurso cumpriu seu objetivo, de divulgar a qualidade do café brasileiro”, explica.

Além de promover a valorização do produto no mercado externo, a evolução da qualidade do café brasileiro foi decisiva para o aumento da demanda no mercado interno. O consumo doméstico, de fato, dobrou nos últimos 17 anos, saltando dos 8,2 milhões de sacas de 1990 para cerca de 17 milhões deste ano.

“A cadeia produtiva do café fez a lição de casa com competência. Além de investirem num bem-sucedido esforço de divulgação – destacando as propriedades da bebida -, as empresas do setor investiram no aumento da qualidade do produto comercializado no mercado interno”, analisa Sílvia Saes, professora na Faculdade de Economia e Administração da USP e especialista em economia cafeeira.

O aumento do consumo de café no mercado interno no Brasil está chamando a atenção de diversos países produtores. “É importante contar com uma boa base no mercado doméstico, para reduzir a perigosa dependência das exportações”, explica Sílvia, lembrando que diversas missões de países concorrentes têm visitado o Brasil para conhecer as iniciativas que foram tomadas para elevar o consumo doméstico.

Além de contar com um forte mercado interno, o Brasil ainda apresenta outras vantagens em relação a seus principais concorrentes, a começar pela tradição secular na atividade. “O café é, ao mesmo tempo, uma cultura tradicional e moderna, que ocupa milhares de agricultores familiares”, diz o cafeicultor Luiz Hafers. Além disso, lembra ele, nenhum país conta com tantos microclimas quanto o Brasil, capazes de produzir os mais diferentes tipos de café.

“O caminho para a produção de cafés finos é difícil e custoso, mas vale a pena. O prazer que o bom café agrega não tem custo – tem valor”, afirma, lembrando ainda que o aumento do consumo dos cafés finos é proveitoso para toda a cadeia produtiva. “O crescimento da qualidade puxa a venda dos demais cafés, da mesma forma como ocorre com os grandes vinhos franceses, que ‘puxam’ as vendas dos bons e dos médios vinhos”, conclui.


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