“Nasci no meio dos livros”

Na última Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), duas mesas discutiram o futuro do livro. Um dos maiores especialistas no assunto da atualidade, o historiador e diretor da biblioteca de Harvard (EUA), Robert Darnton, esteve presente ao evento e falou a respeito da questão. Ou seja, o futuro do livro na era digital. Há muitas névoas no horizonte que precisam ser dissipadas. Fomos atrás de profissionais envolvidos diretamente com o mundo do livro para tentar compreender melhor como será o futuro do livro digital, quais impactos ele pode trazer nessa indústria e na maneira como lemos. [nggallery id=14210] MAIS ESPECIAL LIVRO:
Uma profissional de cautela
“Formar leitor, só no livro de papel”
Qualidade é a saída
Livro, um produto diversoNos próximos dias, vamos trazer uma entrevista por dia com um profissional do meio. O primeiro entrevistado é o livreiro Pedro Herz, dono da Livraria Cultura, a maior do Brasil, localizada em São Paulo. A Cultura tem 12 lojas espalhadas pelo País e é uma das que mais faturam no ramo. Herz recebeu a reportagem do site da Brasileiros em seu escritório, na loja do Conjunto Nacional, e falou sobre o assunto. Ele levantou uma dúvida, primordial, segundo ele, e que precisa de resposta: “As novas mídias farão novos leitores?”, indaga, sem saber a resposta.Brasileiros – Fale um pouco sobre a sua história de livreiro…Pedro Herz – Fui funcionário da (Editora) Melhoramentos, da Editora Abril. Eu nasci no meio de livros. Fui trabalhar no exterior, onde fiz um curso de livreiro. Trabalhei na melhor livraria da Suíça, na Basileia, chamada Weef. Nem sei se hoje está aberta ainda. Mas era uma grande livraria. Lá, eu comecei como estagiário, depois fiz um curso, e me formei. Então, minha vida, como eu disse anteriormente, sempre foi no meio dos livros (risos).Brasileiros – Quando você começou aqui, na Livraria Cultura?P.H. – Assumi a Livraria Cultura quando ela abre aqui, no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, em 1969. Portanto, há 41 anos que estou à frente dos negócios da livraria, quando minha mãe vislumbrou que aqui, no Conjunto Nacional, seria um lugar legal. No começo, como minha mãe não tinha condições de pagar empregados, tive de trabalhar (risos). Aí, então, começou o negócio familiar. É nesse momento que começa de fato a minha história de livreiro.Brasileiros – A empresa é ainda familiar?P.H. – Ela é totalmente familiar. É uma Sociedade Anônima, uma S/A, de capital fechado. E nós detemos 84% do capital. Quando digo nós, estou falando de mim e dos meus filhos, detemos esses 84%.Brasileiros – Você assistiu aos debates que discutiram o passado e o futuro do livro, na última Flip? N.R.: O curador da Flip, Flávio Moura, reservou duas mesas para trocar ideias sobre o passado e, especialmente, sobre o futuro do livro: O livro: capítulo 1, que recebeu como convidados Peter Burke e o historiador e, hoje, diretor da biblioteca de Universidade de Harvard, Robert Darnton. A segunda mesa, O livro: capítulo 2, recebeu, novamente, Robert Darnton, além de John Makinson.P.H. – O passado é passado. Está aí para ninguém duvidar dele. Foi um passado absolutamente fantástico. O que a indústria de livros evoluiu, no tempo em que estou à frente dos negócios da Livraria Cultura, nos últimos 41 anos, é uma coisa espetacular. O que aumentou a produção de livros, o que surgiram de novas editoras, o que se produziu, é uma coisa sem precedentes. É uma indústria que no mundo, estou falando em termos globais, evoluiu bastante. Começaram a surgir mídias alternativas para uma série de coisas: para a música, para o cinema e para literatura.Brasileiros – Uma das coisas interessantes que foram discutidas pelo Robert Darnton, um dos mais proeminentes conhecedores do assunto da atualidade, foi a questão que, no passado, os vários suportes de leitura conviveram durante quase três séculos juntos. Ou seja, mesmo depois do advento da imprensa e, consequentemente, dos livros impressos, os livros manuscritos não deixaram de ser produzidos e lidos, passando apenas a diminuir de escala, com o passar do tempo.P.H. – Muda a mídia, só isso que muda. No caso do livro, hoje você tem a opção de escolher o formato, em que formato vai ler. Hoje, na Cultura, temos em torno de 120 mil títulos em formato de e-books, desde o final de março deste ano. A maioria dos títulos é de autores estrangeiros. Esses livros são importados. Em relação a títulos nacionais, só agora começa a surgir o Leitor (aparelho eletrônico para leitura de livros eletrônicos, produzido no Brasil), que foi lançado somente no dia 10 de agosto. Somos nós, da Livraria Cultura, que temos o aparelho, o que possibilita a venda de títulos. Além dos diversos aparelhos estrangeiros, temos agora um nacional. Podemos oferecer vários formatos. Mas o livro, em si, continua igual. A pergunta que fica no ar e que eu faço para os especialistas é a seguinte: “As novas mídias farão novos leitores?” Eu não sei responder. Aquele que não lê passará a ler porque tem uma mídia nova? Eu não sei essa resposta, mas gostaria muito de saber.Brasileiros – Esse leitor, na maioria das vezes jovem, não pode se atrair pelo que os livros digitais trarão? Como exemplo os vídeos, músicas, animações que poderão estar nesses e-books.P.H. – É possível que o jovem, a garotada, opte por um leitor eletrônico. Além desses atrativos, o leitor eletrônico traz também mil e outros juntos, o que desvia um pouco a atenção de quem lê, na minha opinião. Os aparelhos de livros eletrônicos podem receber mensagens de e-mails, Twitter, e por aí vai. Saiu uma pesquisa recentemente nos Estados Unidos mostrando que o leitor que utiliza o e-reader (aparelho que lê livros digitais) demora mais tempo do que o leitor do formato tradicional, ou seja, em papel. Quando chega um e-mail, quem está lendo vai lá ver a mensagem. São motivos e componentes para desviar a atenção do leitor.Brasileiros – Mas esses atrativos de multimídia, que os aparelhos eletrônicos de leitura podem trazer, não vão ajudar a conquistar esse leitor jovem, que não lê na forma tradicional? Por exemplo, você que está lendo um livro, sobre a Segunda Guerra Mundial, pode acessar no aparelho eletrônico de leitura um documentário sobre aquele assunto. Escutar uma música medieval, se o livro for sobre isso. Ou seja, imagens que podem ilustrar aquela história escrita.P.H. – Acho que sim. Mas isso, de alguma forma, já é feito no livro tradicional, quando vem com uma ilustração. O livro eletrônico vai potencializar isso, não tenho dúvida. Se você tem um texto com ilustração, seja ele em desenho, imagens fotográficas, imagens em movimento ou som, tudo isso é uma maneira de ter a atenção do leitor, principalmente o jovem leitor.Brasileiros – Há um grande problema que os livros eletrônicos irão trazer, que tem a ver com o que aconteceu com a indústria fonográfica: a pirataria desses produtos, em formato digital. Isso vai afetar todos os negócios do mundo do livro. Desde a questão dos direitos autorais, passando pelas vendas de livros nas livrarias, do pagamento dos escritores, do faturamento das editoras. Como você enxerga esse assunto?P.H. – Acho que é um problema muito sério de se controlar. Os direitos autorais vão ser afetados seriamente. A pirataria vai crescer enormemente nesse suporte. A fraude será outro problema. Tem uma área em que a fraude vai crescer muito: os livros escolares. As pessoas mal-intencionadas vão roubar trechos dos arquivos de vários livros e vão falar que são livros deles. Vão comercializar como se fossem deles. Isso vai ser comprado pelas escolas e os alunos vão ter aquilo em um aparelho de leitura de livros e tchau. Meu amigo, a indústria do plágio vai crescer sem precedentes, e vão abarrotar os tribunais que terão que resolver essas questões. Não tenha dúvida quanto a isso.


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