Nelson Sargento às suas ordens

No documentário Um Homem de Moral, de Ricardo Dias, Paulo Vanzolini, o focalizado, fala de como ficou impressionado com os sambistas cariocas que conheceu. Cita Carlos Cachaça, Zé Kéti e Nelson Sargento. De como eles sabiam tudo e como eram injustiçados ao serem gravados a bel-prazer dos produtores das gravadoras. Não sei se Vanzolini sabe, mas pelo menos Nelson, hoje em dia, entrega na mão o prato que preparou com tempero próprio.

O carioca nascido Nelson Mattos viaja pelo Brasil comemorando, como o colega paulistano, 8 ponto 5 de permanência na Terra, divulgando o livro Pensamentos de Nelson Sargento, realizando uma exposição de quadros, afinal foi sempre pintor, de paredes mas pintor, e vendendo o disco Nelson Sargento Versátil, tudo devidamente turbinado pelo show, que Brasileiros teve o privilégio de assistir em Santos-SP. Uma vida cheia de gerúndios e predicados. Na direção musical, o lendário Paulão Sete Cordas que, como um cavalheiro, ficou no violão de seis, cedendo o posto para o igualmente célebre Luizinho 7 Cordas. A direção artística é de Agenor de Oliveira, que perde por um n e algumas décadas a parceria anterior de Sargento – o nome de Cartola é Angenor de Oliveira. Além de Luizinho, Paulão e Agenor, este no vocal, a versão paulistana da caravana do Sargento traz Júlio Cézar e Samba Sam na percussão, Bia Góes e Cidinha nos vocais, Vinícius Dorin nos saxofones e flautas, o incrível Milton de Mori revezando-se no cavaco e bandolim e o indescritível Arismar do Espírito Santo restrito ao contrabaixo – a estreia no Canecão, no ano passado, contou com instrumentistas cariocas sob o comando de Paulão. Enquanto os músicos se dedicavam a um ensaio aberto no Teatro do Sesc santista, sob o comando das produtoras Rita Cabral e Eni Cunha, o velho e bom Sargento trocou uma ideia com a gente. Sob o tacão de Evonete Belisário, desde o final dos anos 1980 gestora da fera, que tem filhos seus e quatro de criação de casamentos anteriores.
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A última vez que Nelson Sargento esteve em Santos, a Escola de Samba X-9 estava no auge – referindo-se à célebre agremiação santista fundada em 1944, não confundir com X-9 paulistana que surgiu com garbo três décadas mais tarde. Foi em meados dos anos 1960, época do show Rosas de Ouro, de Hermínio Bello de Carvalho, do qual também participaram Elton Medeiros, Paulinho da Viola, Jair do Cavaquinho, Clementina de Jesus e Aracy Cortes. A trupe que se apresentara no teatro Oficina em São Paulo desceu à Baixada para uma apresentação única. “Naquela época eu não ligava muito para esse negócio de data ou local”, diz ele. Desta vez a apresentação seguiu-se ao lançamento do disco no Sesc Vila Mariana em São Paulo, também conseguida por Eni. É a mesma turma de lá. O Luizinho 7 Cordas, Sargento conhecia do Regional de Evandro, com quem gravou um CD no Japão só com músicas inéditas de Cartola. Arismar, conheceu em Campinas em um projeto em que havia Zé Renato, Elton Medeiros e Jair do Cavaquinho. “O Arismar é internacional, caminho que está sendo seguido pelo Paulão Sete Cordas”, fala deste músico, responsável entre outros trabalhos pelo disco Tudo Azul, produzido por Marisa Monte e trazendo a velha guarda da Portela, e há mais de uma década pela direção musical dos shows e discos de Zeca Pagodinho.

Conversar com Nelson Sargento é uma delícia. A voz rouca entremeada por comentários engraçados, interrompida por Evonete, que em apenas dois dias de Santos já havia transformado o apartamento no flat em sua casa, cozinhando de cigarrinho na boca. Sargento fala sobre tudo sem hesitação. Alguns tópicos:

Fotos: Reprodução
VERSATILIDADE
Uma de suas obras em exposição

Música
“Comecei ouvindo em casa. Meu padrasto, Alfredo, era português, fazia letras e na Mangueira se juntou com os bambas da época, Cartola, Carlos Cachaça, Babau, Geraldo Pereira, Aloísio Dias, e outros menos votados. Então aos 13, 14 anos tinha samba em casa e a minha função era buscar o cigarro, buscar a cachaça e a cerveja e ficar ali batendo palma para doido pular. Um dia ele comprou um violão para mim, “hás de aprendeire a tocaire violão” (diz imitando). Em 1948 eu já musiquei uma letra de samba-enredo que ele fez, O Rio São Francisco, e foi seguindo até 1951. Nessa época samba-enredo não era quesito. O pessoal cantava o melhor samba do terreiro, o samba para o concurso. Então foi ficando profissional e muitos de nós descemos à cidade, caso de Geraldo Pereira, Noel Rosa de Oliveira do Salgueiro, Silas de Oliveira do Império Serrano. Só fui me profissionalizar com Rosas de Ouro, graças a esse passado de Mangueira.”

Trabalho
“Você me pergunta se eu sumi como o Cartola que foi achado pelo grande Sérgio Porto como lavador de carros? Não. Você tem que entender que quando eu tinha 16 anos o Cartola já tinha 34 – (na verdade 32) – ou seja, ele tinha passado por coisas que eu jamais passaria ao chegar à sua idade. Servi o Exército de 1945 a 1949, dei baixa sem remuneração por uma injustiça interna. Há anos peço ao presidente Lula para ver meu caso. “Alô presidente, estou aguardando”, põe aí por favor. Mas eu vivi como pintor de paredes. Quarenta e poucos anos trabalhando em firmas e depois como biscateiro que hoje em dia preferem chamar de autônomo. Mas era conhecido. Pintei as casas de Sérgio Cabral (pai – o filho hoje governador levou muitas vezes à escola); Raphael de Almeida Magalhães (vice do então governador Carlos Lacerda); Elizete Cardoso; Cacá Diegues, vários. A de Cacá foi a pintura mais demorada da arquitetura brasileira, segundo ele, já que vivia me pedindo para tocar sambas. Na casa de Leila Diniz, que além de me pagar adiantado, escondia subversivos, como José Wilker, o trabalho demorava por causa do uísque.”

Pintura
“Minha primeira galeria foi o apartamento de Sérgio Cabral no seu aniversário em 1973. Sete quadros. Meu primeiro trabalho foi abstrato, com massa plástica, técnica que descobri com os respingos no chão. Hoje está com Paulinho da Viola, que se apavora quando digo que quero o quadro de volta. Fui fazendo meus quadrinhos até que me padronizei. Todo pintor chega a isso quando encontra um estilo que gosta, ou gostam. Caso do Volpi, um grande paisagista que ficou marcado pelas bandeirinhas. Pinto mesmo. A Eni falou do show aqui com a exposição e eu só tinha cinco quadros, eram necessários 27. Aí vai viola. Pintei 22.”

Livro
“Pensamentos, de 2005, é meu terceiro. O primeiro é uma monografia, Um Certo Geraldo Pereira, escrito com Dulcinéia Nunes Gomes, Francisco Duarte Silva e Alice Campos, lançado pela Funarte em 1983. O segundo, Prisioneiro do Mundo, coleção de desenhos e poemas, é de 1994. Este aqui tem prefácio de Gabriel O Pensador.”

Cinema
“Ganhei um Kikito no Festival de Gramado pela trilha de Nelson Sargento na Mangueira (1998), trabalhei como ator em O Primeiro Dia (1998), de Walter Salles, Orfeu, de Cacá (1999), O Passageiro (2006) de Flávio Tambelini, entre outras coisinhas.”

Evonete Belisário (pela própria)
“Sou cozinheira por opção. Vim de família classe média de Minas, meus cunhados promotores, minha irmã juíza, meus sobrinhos advogados, minha irmã diretora do INSS” – ‘e você cozinheira’, interrompe Sargento. “Conheci o Nelson quando trabalhava no Sobrenatural, restaurante do compositor Wilson Moreira que tinha esse nome porque de dia servia comida macrobiótica no andar de baixo. O Nelson era magrinho, mas muito limpinho. Cheirava a tinta. Os poros. Começamos a conversar, a namorar escondido, até que minha patroa descobriu e me mandou embora. Aprendi a trabalhar com ele, com a ajuda de outras produtoras e hoje é isso aí. Todos me adoram. Nelson tem até tataraneto. Me chamam de mãedrasta. Vozinha. Tia Nenete. Gravaram um choro. Titia Nenete. Lindo.”

Veja Nelson
www.nelsonsargento.com.brLeia Nelson
Pensamentos – Olho do Tempo

Ouça Nelson
Versátil – Olho do Tempo

Frases de Pensamentos
“Jogo de cintura é livrar-se com elegância de algo que incomoda”

“O plágio mostra a grandeza do original”
“Teu beijo é tão doce, tão doce que prejudica a minha saúde”

“Delator é a garantia de que a história seja correta”

“Foto de mulher é importante, porém o original é mais importante ainda”

“A chuva é o pranto da natureza”

“A calcinha e o sutiã são as últimas peças da resistência feminina”


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