Nem Carnaval nem futebol

Mais de 30% dos paulistas não conseguem dizer o que melhor representa a cultura brasileira. Música, carnaval e futebol, os velhos clichês associados à identidade nacional, foram citados por 13%, 12% e 10%, respectivamente dos entrevistados em uma pesquisa inédita realizada pela J.Leiva Cultura & Esporte em parceria com o Datafolha e a Fundação Getúlio Vargas divulgada nesta quinta-feira (21).

Resultado que gerou controvérsias. Do ponto de vista de José Teixeira Coelho Netto, curador do MASP e professor da USP, pode ser um fator positivo: “Genial que se tenha conseguido extinguir as ideias rasteiras de identidade nacional”, afirmou durante debate sobre Como Investir na Cultura, promovido nesta quinta-feira na Estação Pinacoteca, em São Paulo, que analisou a pesquisa.

Já para o psicanalista Tales Ab’Saber, que dividiu a mesa com ele, a revelação expõe uma deficiência. “É bem provável que isso represente uma incapacidade em termos culturais”, afirmou. Os entrevistados que não souberam responder à pergunta são de setores menos favorecidos da sociedade, segundo a pesquisa (possuem apenas o ensino fundamental e pertencem à classe C e D). “Não adianta o País ser rico se a gente não tem pessoas capacitadas. Investir em cultura é investir no cidadão. Não tem como falar de cultura sem falar em educação, não há como separar as duas coisas”, afirmou a cineasta Laís Bodanzky, também presente na mesa de debates.

O estudo que ouviu 2.414 pessoas, entre 25 de agosto e 15 de setembro, acima de 12 anos, em 82 cidades do Estado de São Paulo, traz outras revelações. Entre as atividades culturais que os paulistas realizam destacam-se diversões caseiras, como ouvir música (97%) e assistir a DVDs (87%). Embora não seja uma atividade propriamente cultural, ir ao shopping a lazer foi citado por 71% das pessoas. “O que será isso? Isso também é cultura, mas cultura rebaixada ao consumo”, disse Ab’Saber. “Acho que na verdade as pessoas vivem mais entre o shopping e a televisão”, completou.

A pesquisa ainda mostra a escola e a igreja como facilitadoras do acesso à cultura: muitas pessoas tiveram contato com teatro, cinema e música, por exemplo, por meio dessas instituições. “A igreja sempre participou da sociedade. Nos Estados Unidos, há vertentes musicais importantes que vieram da igreja”, disse Laís. Teixeira ressalta um dado curioso: “78% vai ao teatro enquanto está na escola, depois que sai, só 5%. O que acontece?”. Laís frisa a importância de se questionar o tipo de experiência teatral que essas pessoas tiveram. “Assistir à peça do filho na escola, que está dentro do item ‘ir ao teatro’ na pesquisa, é uma experiência sensorial bem diferente de assistir a um espetáculo.”

A pouca frequência dos paulistas ao teatro (40% afirmaram que não costumam ir) chamou a atenção na pesquisa, principalmente por sua justificativa: falta de interesse/não gosto/não me sinto bem fazendo. “Precisamos pensar sobre o que essa pesquisa não diz, ou seja, coisas que não são ditas, mas que ficam no subtexto”, concluiu Teixeira.

Cristina Lins, representante do IBGE, que participou da segunda mesa de debate (foram quatro no total), cujo tema era Infraestrutura e Acesso à Cultura, afirmou que a entidade está com uma pesquisa em andamento sobre o uso do tempo livre do brasileiro.

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