“Se a avenida/Exilou seus casarões
Quem reconstruiria/Nossas ilusões?”
(Eduardo Gudin)
São carros, ônibus, ambulância, polícia, helicópteros, drones e gente, gente que passa, entra e sai; é papelão, britadeira, conchavo, sexo… e tem metrô, ciclistas e pouca vegetação, mas tem goiaba, laranja, abacates… plantados.
Avenida Paulista: sonho de uma burguesia do século 19 que parece ser comandada por esta mesma, com apoio de outras classes. No dilema, fecha ou não fecha, a avenida se dilacera: menos humanização.
Morador há 25 anos, frequento-a. Há muitos imaginários e símbolos: do capital, dos museus e arte, das cenas políticas, sociais, das compras. Mas tem outras coisas…
De manhã, muito cedo, há o café da manhã oferecido por várias pessoas, sobretudo da Joaquim Eugênio de Lima até a Bernardino de Campos, sentido Paraíso.
Os cafés, servidos em mesas simples, dobráveis, cobertas – pano e plástico –, têm: café, leite, queijo, bolo, pão e bolacha; e às vezes iogurte, mas é raro.
Os vendedores se instalam por volta das cinco da manhã e vão até as nove.
Os clientes: porteiros, funcionários de condomínios, de telemarketing, vigias, seguranças, bombeiros…
“Até gerentes que escapolem” – diz D. Délia, cearense.
De noite, há os bares, lotados de universitários, executivos… de tarde, há a máfia: do papel e papelão, e do lixo reciclável; máfia que se divide em grupos.
Nos dias em que a Paulista é fechada aos carros, em fins de semana, desço, ouço seus frequentadores:
“Meu sonho era morar aqui, como em uma Vieira Souto…mas não posso.” “Esta avenida é como se fosse meu coração, adoro ela.”
“Gosto demais daqui; aqui me sinto em Nova York!”
“Ela resume o Brasil…”
Ando… e vejo vendedores de água, refri, cachorro-quente; busco uma conversa para pegar suas opiniões:
“Oxi, aqui é bom demais! O que a gente vende na Sé por um tanto, aqui se triplica, aqui se paga mais…”
“Moro longe, venho com meu crochê para vender, apuro mais do que no Barro Branco e ainda vejo o povo…”
Perto do Masp muda. Há toalhas, como numa praia – acho bacana – pessoas de bicicletas, crianças patinam, uma até tenta soltar pipa com o pai.
Sento-me com jovens:
“Costumo vir à Paulista às sextas e tomar todas, perto do metrô Consolação. Aqui vem uma galera boa, tem uns louco… Ah! e é bom para skate, aqui pode tudo: bebida, fumo, crack… e tem foda sim, claro! Tarde da noite, entre as sombras”.
“Aqui eu e as mina e o papo, e se enrola aqui e se ri e se tira sarro dos riquinho que se acha dono daqui… Aqui tem de tudo: gay tem muito e são bacanas, se beijam, se roçam. E isso é mulher com mulher, homem com homem e vai…”
“É boa a pegação aqui – diz Du – fim da tarde tem muito cara lindo… e rola, rola, viu, é só arrematar e um motel, hotel ou no rala-rola.”
“Sempre venho aqui nas manifestações, mas hoje é especial, pois é tranquilo. Aqui estão todos os partidos, e se grita, se briga e se ri ou se vai para polícia ou hospital, ah!”
“Sabe o que falta? Uma igreja Universal.”
Encerro por aqui…
*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária em universidades privadas e consultor editorial da área de Literatura, além de contista e poeta com livros publicados (paulovasconcelos@brasileiros.com.br).
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