No clima de bons negócios

Copenhague, na Dinamarca, estará no centro do mundo neste final de ano. Uns 200 países vão se reunir na cidade durante a Conferência da Parte 15 (COP-15) da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, que será realizada em dezembro, para tentar fechar um acordo que contenha o aquecimento global e evite as alterações climáticas que ameaçam a todos. O primeiro acordo sobre o clima, ou uma tentativa de chegar a isso, foi o Protocolo de Quioto, concluído em 1997 e vigorando desde 2005, que definiu como meta a redução média de 5,2% das emissões globais dos gases do efeito estufa (dióxido de carbono e equivalentes) até 2012. Embora essa meta não tenha sido atendida – até porque os Estados Unidos, os maiores poluidores do mundo, não se comprometeram com Quioto -, as delegações oficiais sabem que precisam dar vários passos à frente.

Já existe um relativo consenso mundial em torno do cenário desenhado pelo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), em que um aumento acima de 2 oC da temperatura média global em relação ao início da era industrial traria consequências desastrosas para o planeta, alterando as bases da economia, da segurança alimentar, da saúde pública e até da paisagem. Para não chegar lá, as emissões globais dos gases do efeito estufa deveriam cair das atuais 40 gigatoneladas ao ano, para algo em torno de 18 gigatoneladas. Para se ter uma ideia do que isso significa, se todos os países desenvolvidos zerassem suas emissões a partir de hoje, não alcançaríamos esse número. Os países emergentes também terão de dar sua contribuição para que o mundo não saia dos trilhos.

A questão central em Copenhague será o percentual máximo que os países aceitarão como meta para diminuir suas emissões – a União Europeia propõe 30% até 2020. O mais importante, porém, é quem vai pagar a conta dessa contenção e quem pode ganhar com isso. Para uma parcela significativa das lideranças empresariais brasileiras, o país – e suas empresas – podem se beneficiar desse quadro que, embora grave, apresenta novas oportunidades de negócios.

A COP-15 não pegou as empresas desprevenidas. O tema da sustentabilidade e, mais recentemente, o da economia de baixo carbono, que por muito tempo foi tratado quase que exclusivamente por ambientalistas e acadêmicos, entrou definitivamente na pauta das lideranças empresariais brasileiras. Essas questões vêm ocupando espaço crescente no planejamento estratégico de toda organização que pensa seu futuro – o que envolve praticamente todas as grandes. Da mesma forma, as que atuam no mercado global sabem que sua boa – ou má – imagem, e a do país, no trato das questões ambientais pesam na hora de fazer negócios lá fora.

É notável a mobilização de empresas brasileiras para influenciar a posição oficial que o Brasil vai levar à COP-15. Nos últimos meses, multiplicaram-se os seminários e debates envolvendo dirigentes empresariais sobre as mudanças climáticas e foram lançados vários documentos públicos com propostas, tanto para a COP-15 quanto para conduzir o país para uma economia de baixo carbono. Vale citar a Carta Aberta ao Brasil sobre as Mudanças Climáticas, articulada pelo Instituto Ethos, o Fórum Amazônia Sustentável e a Vale, que contou com a assinatura inicial de 22 empresas; o posicionamento do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), assinados por pesos pesados da economia brasileira; a Fundação Brasileira pelo Desenvolvimento Sustentável (FBDS), que articulou a Coalizão Empresas pelo Clima; o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas, que constituiu a plataforma que também leva o nome de Empresas pelo Clima; a Aliança Brasileira pelo Clima, que reúne 14 entidades setoriais importantes das áreas de agroindústria, florestas plantadas, bioenergia e segmentos da agricultura. Algumas empresas participam de mais de uma dessas iniciativas.

Para a maioria, certamente o objetivo não é apenas sair bem na foto ou promover uma maquiagem verde. Muitas já vêm adotando voluntariamente medidas para melhorar seu desempenho em relações aos gases de efeito estufa, realizando o monitoramento e o inventário de suas emissões, promovendo programas de eficiência energética e de substituição de combustíveis fósseis, além de organizarem seus processos produtivos e lançarem produtos certificados como ecologicamente corretos por organismos nacionais e internacionais respeitados. Participam setores que estão cumprindo pactos para conter o desmatamento da Amazônia, envolvendo toda a cadeia produtiva, como a Moratória da Soja, em que os grandes processadores do grão se comprometem a não comprar a produção vinda de áreas desmatadas.

Algumas presenças até podem surpreender, como a da Shell, uma das 15 organizações da Coalizão de Empresas pelo Clima, coordenada pela Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS). Fabio Cavalcanti Caldas, gerente de Relações Corporativas da empresa no Brasil explica: “A demanda de energia é crescente, o suprimento é cada vez mais difícil e há enormes desafios ambientais para conseguirmos fazer frente a isso. Por isso, apoiamos todas as iniciativas que busquem soluções para esses problemas”.

Elizabeth Carvalhaes, presidente da Associação Brasileira de Celulose e Papel, uma das signatárias da Aliança Brasileira pelo Clima, tem deixado claro com o que os empresários estão preocupados: “Fazemos negócios e temos uma posição empresarial que demanda uma agenda para incentivar atividades mitigadoras do efeito estufa.”

A matriz energética relativamente limpa, se comparada com a dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento, é um dos lastros das propostas dos empresários. Temos um imenso parque gerador de eletricidade renovável e o maior programa de combustíveis renováveis do planeta. Nossa principal fonte de emissões de gases do efeito estufa não está na geração de energia, mas sim no desmatamento – algo em torno dos 70% do carbono que o território brasileiro manda para a atmosfera. Por isso, defendem que o Brasil tenha uma posição agressiva, comprometendo-se a reduzir o desmatamento em pelo menos 80% até 2020, como propõe o Plano Nacional de Mudanças Climáticas – os setores do agronegócio representados na Aliança Brasileira pelo Clima vão mais longe e propõe que o país assuma o desmatamento zero. Em contrapartida, todos querem que essa redução seja traduzível em mecanismos negociáveis no mercado de carbono – e apresentam números consistentes.

O agronegócio representa 26% do PIB nacional e os setores articulados na Aliança respondem por cerca de 16% das exportações brasileiras. São produtores de biomassa – cana-de-açúcar, florestas plantadas, carvão vegetal renovável -, e são responsáveis por quase 30% da matriz energética nacional. Absorvem carbono da atmosfera e, no caso da cana e outras biomassas, são combustíveis de origem renovável e substituem os combustíveis fósseis.

Segundo a Bracelpa, as florestas plantadas que abastecem o setor de papel e celulose, cerca de 1,7 milhão de hectares, foram formadas sobre terrenos já degradados. Esse setor da produção já recuperou ou reflorestou 2,8 milhões de hectares de florestas nativas, incluindo aí 8,5% de Mata Atlântica. Em seus processos produtivos, emitem 20 milhões de toneladas de dióxido de carbono, compensadas com folga pelos 64 milhões de toneladas que absorvem em suas florestas em formação.

O presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), Marcos Jank, estima que a política do pró-álcool, iniciada há 35 anos, evitou a emissão de 600 milhões de toneladas de carbono, o equivalente a 2 bilhões de árvores ou 20% do MDL global.

Tudo isso deveria ser medido, comprovado, contabilizado e transformado em créditos negociáveis. O primeiro passo seria simplificar os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), processo criado pelo Protocolo de Quioto, que permite aos países ricos comprarem créditos de carbono de projetos que diminuam emissões em países em desenvolvimento, como forma de compensar as suas próprias emissões. Os empresários também propõem que as ações voltadas para a redução de emissões provocadas pelo desmatamento e pela degradação florestal, conhecido pela sigla REDD, possam ser contabilizadas e negociadas. Esse mercado de REDD seria um estímulo à geração de renda para os responsáveis diretos pelas ações de conservação, como os proprietários rurais de todos os portes e os empreendimentos dos povos da floresta.

Para que o primeiro mundo não se deite nas cordas e, em vez de reduzir suas emissões, simplesmente procure compensá-las, comprando nossos créditos de carbono, a sugestão é fazer uma escala móvel: quanto mais créditos comprarem, maior percentual de reduções devem realizar.

A JBS-Friboi, maior grupo mundial do setor de carnes, vai para Copenhague representada por Pratini de Moraes, membro de seu conselho de administração. Para Ângela Garcia, a responsável pela área de Meio Ambiente e Sustentabilidade da empresa brasileira: “Depois das barreiras comerciais e sanitárias, agora é a vez das barreiras ambientais e de sustentabilidade socioeconômica”. Seu departamento na JBS existe desde 2000, o que mostra que a preocupação da empresa com o tema não é nova. Um documento interno da companhia, preparatório para a COP-15, identifica riscos e oportunidades para seu produto principal. “Os riscos identificados pela companhia são globais e seus impactos se dividem em rebanho, alimentos e pastagens. A produtividade poderá ser severamente afetada pelo aumento das temperaturas, pela concentração de CO2 na atmosfera, pelas mudanças nos padrões de chuvas, pelo aumento de doenças, pestes e pragas que afetam rebanhos e pastagens.” O mesmo documento aponta para a possibilidade de a empresa da família Batista “se tornar também líder mundial em práticas ambientais e no gerenciamento das mudanças climáticas em suas operações no mundo todo”.


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