Certa vez, na casa de Celso Cunha, Clarice Lispector teria ficado encantada com o corte de cabelo de uma das filhas do professor. Ali, teria pedido para que lhe fizessem o mesmo corte, ao que foi atendida. Também presente na ocasião, o professor Antonio Salles teria colhido as mechas de Clarice e, com elas, presenteado anos mais tarde o poeta Affonso Romano de Sant’Anna. As mechas da escritora hoje se encontram na Biblioteca Nacional e toda essa história aparece na crônica Clarice Trinta Anos Depois, uma das 65 que compõem a coletânea Como Andar no Labirinto, que reúne textos de Sant’Anna publicados em diversos veículos de imprensa nos últimos anos.
Ele é parte de uma geração que se fez em terços – um terço se exilou/um terço se fuzilou/um terço se desesperou, como escreveu em seu celebrado poema Que País é Este, transformado em pôsteres que foram fixados em sindicatos, escritórios, universidades e bares, também circulou em cópias, foi publicado em cadernos de cultura e ilustrou páginas do noticiário de política dos jornais brasileiros em plena ditadura militar.
Affonso Romano de Sant’Anna participou ativamente dos movimentos estéticos que transformaram a linguagem poética brasileira na segunda metade do século 20. Sua contribuição, no entanto, ultrapassa a poesia. Também jornalista, ensaísta, cronista, professor e administrador cultural, ele tem papel de destaque em diversos segmentos da cultura.
Como Andar no Labirinto traz crônicas sobre a labiríntica relação do homem moderno com a tecnologia, as transformações políticas, estéticas e comportamentais dos nossos dias. Os textos revelam com leveza e inteligência pequenas coisas que fazem a enormidade da vida cotidiana. Os assuntos escolhidos vão da Partícula de Deus ao verão da lata, e o processo kafkiano que enfrentou o único processado pelo caso dos recipientes (as latas) recheados de maconha e que aportaram nas praias do Rio de Janeiro em 1986. Em um deles, o autor relembra a trajetória da presidenta Dilma Rousseff desde a adolescência, quando era aluna do Colégio Estadual de Belo Horizonte, a descoberta da política na Faculdade de Ciências Econômicas, a militância na POLOP, a adesão à luta armada e a chegada à Presidência da República.
Como Andar no Labirinto vale a leitura pela elegância construtiva dos textos, o que se transforma em um imenso prazer.
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