No meio do caminho tem um anjo torto

Um pássaro flautista no quintal caçoa de meu verso modernista” (…) (A Paixão Medida, 1980)

Também poderá anjo brasileiro voar sobre montanhas de minas? Haveria de abrandar-se entortando-se na escrita.

Eta vida besta, meu Deus!” (Alguma Poesia,1930)

Não precisamos de datas, semanas, tempos para falar de poesia, quando o poeta é Drummond. Ele não é só mineiro e carioca. Ele é brasileiro.

Carlos gritou o sentimento do mundo no jornal, no livro, em seus passeios a pé. Ele é o poeta que nos ensina a sentir a palavra e seus ganchos. Ele falou do amor, da indefinição do homem, da política e outras assertivas humanas. Eis um poeta do mundo, do Sentimento do Mundo.

Precisamos lê-lo. Melhor que criar o dia “D” para molhar as palavras no ferropoético do Brasil e nunca se esquecer dos brasileiros e da sua vida…

Lutar com palavras é a luta mais vã… Mas lúcido e frio… E tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida.” (O Lutador, 2008)

Nenhum poeta foi tão múltiplo absurdo, férreo geopolítico e de antevisões de um Brasil, seja em sua poesia, contos, crônicas, seja no gênio jornalístico em que anexou, apurou e depurou sua poesia. Carlos arquitetou as palavras no simples e ligou o passado, o presente ao futuro, sem jamais desaquecer o amor e as minas humanas que estão em toda parte do Brasil, dos Josés, Marias, Luizas e Raimundos.

Carlos era Andrade Itabirano (MG) e viu as missas, as rezadeiras, o erótico, o vestido, os políticos, o consumo, braúnas, cavalos, estribos, murais… O doido, carabina, pedra, enxoval, gota da água, a banda e malas.

Carlos viu o bonde, o papel como coisa, casos comuns no sinuoso da vida e que se vira para a chamada existência: o caminho e suas pedras, o lugar, as faces, a praça, o leite, o assassinato, etc.

Drummond disse e conjugou tomar, amar, queimar, capinar, varrer, galopar, ensardinhar, morrer, nascer, ir, desmandar. Adjetivou e adverbiou torto, azul, ratos, mansinho, incomunicável, etc.

Necessitamos do poeta na sua vertente político-social para ver o Brasil mais de perto.

Hino Nacional
Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás das florestas,
com a água dos rios no meio,
o Brasil está dormindo, coitado.
Precisamos colonizar o Brasil. (…)

Precisamos educar o Brasil.
Compraremos professores e livros,
assimilaremos finas culturas,
abriremos dancings e subvencionaremos as elites.

Cada brasileiro terá sua casa
com fogão e aquecedor elétricos, piscina,
salão para conferências científicas.
E cuidaremos do Estado Técnico. (…)

Precisamos adorar o Brasil!
Se bem que seja difícil caber tanto oceano e
                                                             tanta solidão
no pobre coração já cheio de compromissos…
se bem que seja difícil compreender o que querem
                                                             esses homens,
por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de
                                                             seus sofrimentos.

Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?

(Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do Mundo, Ed. Record, 2001, 12a edição)

*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária na Anhembi-Morumbi, professor colaborador da ECA-USP, Fundação Escola de Sociologia e Política-FESP, além de contista e poeta com livros publicados (paulo@brasileiros.com.br).


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