Se o Nordeste é a região que mais cresce no Brasil, e Pernambuco é a região que mais cresce no Nordeste, o impressionante Complexo Industrial Portuá-rio de Suape, que brotou nos últimos anos, onde antes havia um mangue, pode ser considerado o símbolo desses novos tempos, no momento o maior polo de desenvolvimento do País.
No entorno de um porto natural aberto no começo da década de 70 do século passado, Suape agora já conta com mais de 90 indústrias instaladas em uma área de 14 mil hectares, a 40 km de Recife, nos municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho. Outros 30 empreendimentos estão em fase de implantação, com um investimento total de US$ 18 bilhões, que já gerou 21 mil empregos diretos. Há espaço ainda para a implantação de mais cem empresas.
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Situado no coração do Nordeste, o que mais atrai tantos investimentos para Suape, além da política de isenções fiscais e obras públicas de infraestrutura, é a sua posição geográfica estratégica no chamado “Triângulo Dourado” do petróleo formado pelo Golfo do México, o pré-sal no Sul do Brasil e a Costa da África. Mais do que isso: partindo de Suape, as indústrias voltadas para o mercado externo economizam três dias de viagem para a exportação dos seus produtos destinados ao Hemisfério Norte.
O progresso aqui é visível a olho nu: máquinas de todos os tipos e tamanhos, operadas por homens e mulheres vindos das mais diferentes regiões do país, mas principalmente dos municípios vizinhos, muitos que antes viviam do corte de cana, trabalham dia e noite nas obras espalhadas por toda a parte. Só neste ano, o Senai deve ajudar a capacitar 48 mil novos profissionais em Pernambuco para atender à demanda de mão de obra especializada, que já começa a faltar.
Saímos do Recife bem cedo em uma segunda-feira de manhã, de trânsito assustadoramente paulistano, tudo parado na saída em direção a Jaboatão, para ver de perto o quartel-general desse Novo Nordeste – do qual, muita gente já ouviu falar, mas poucos têm ideia do que realmente se trata. Pegamos a BR-101 de pista dupla, com o asfalto novinho em folha, no rumo Sul. Às margens da rodovia, obras brotam como cogumelos – são fábricas, hospitais, escolas, prédios residenciais, conjuntos de casas populares, depósitos de redes varejistas.
Há construções de todos os tamanhos, tanto privadas como públicas, a exemplo do Sistema de Abastecimento Pirapora, a gigantesca tubulação que está sendo instalada desde Cabo de Santo Agostinho para acabar com a crônica falta d’água no Recife. Na pista oposta, carretas em fila transportam enormes pás fabricadas em Suape, pelo grupo argentino IMPSA, que produz também geradores para torres de energia eólica.
Mais à frente, pegamos a PE-60, que está sendo duplicada até Alagoas, em direção à entrada de Suape, onde é intenso o movimento de caminhões. Só me lembro de ter visto movimento fabril e febril semelhante no ABC paulista, meio século atrás, quando as grandes montadoras de automóveis e outras indústrias de porte começaram a se instalar às margens da Via Anchieta, nos tempos em que São Paulo passou a ser chamada de “locomotiva do Brasil”.
Pois agora, por uma dessas ironias do destino, quem está trazendo esse progresso para cá é coincidentemente um presidente da República nascido nordestino e criado em São Paulo, um tal de Lula. Naquela mesma época, montado em um pau de arara, ele deixava a sua terra natal, no interior de Pernambuco, ainda vivendo na fase agropastoril, para mais tarde se tornar líder sindical dos metalúrgicos no ABC paulista, berço da sua carreira política, do PT e da sua escalada rumo à Presidência da República.
Elo histórico entre esses dois mundos, Lula encontraria só em 2007, já no segundo mandato, na figura do governador Eduardo Campos, o jovem neto de Miguel Arraes, o seu grande parceiro para dar a virada nos rumos da vida econômica e social de Pernambuco. Juntos, eles fizeram uma verdadeira revolução, que se pode medir em números e cifras, mas que é ainda mais impressionante quando você chega perto e começa a conversar com quem está há mais tempo em Suape e participou dessa guinada. O que se vê aqui prova que nada acontece por acaso, nem por direito divino, tudo depende da vontade das pessoas.
O primeiro personagem com quem falei rapidamente foi o veterano piloto de helicóptero Luis Augusto Barros, um pioneiro de sobrevoos em Suape, a quem perguntei quando a paisagem começou a mudar vista lá do alto. “Ah, foi de quatro anos para cá…”, responde ele na lata, sem ter de pensar muito. Quem confirma essa impressão é outro que chegou aqui faz muito tempo – para ser preciso, em 1981. É o homem que nos foi indicado pela Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco para ser o nosso guia: Washington Luiz Bezerra Dantas, 50 anos, formado em Psicologia Organizacional e Marketing, hoje responsável pela Coordenadoria de Novos Negócios de Suape.
“Me chamaram de maluco porque eu vim trabalhar no meio do mato para vender terrenos no mangue… Isso aqui era um enorme elefante branco abandonado”, recorda Washington, na direção do carro que nos leva para o prédio da Autoridade Portuária, o QG de Suape, nossa primeira parada. No caminho, ele vai nos explicando como as coisas aconteceram e as obras foram surgindo. No ponto mais alto do complexo, de onde se pode avistar o mundão novo de Suape, fica a Estação de Tratamento de Água. Ao lado, foi erguido o Centro de Treinamento Engenheiro Francisco Vasconcelos, que já formou mais de três mil operários especializados.
“Nós mudamos o paradigma. Em parceria com a Secretaria de Educação, demos, primeiro, reforço escolar em matemática e português, antes da preparação técnica feita pelos professores do SENAI. Como já disse o presidente da Refinaria Abreu e Lima, da Petrobras, Marcelino Guedes: ‘Nós não queremos só a refinaria em Pernambuco, mas queremos Pernambuco dentro da refinaria’. Por isso, fizemos a opção por formar a mão de obra aqui mesmo com trabalhadores locais”, explica Washington.
Daqui de cima, vê-se o portentoso canteiro de obras da Abreu e Lima, que ocupa uma área de 445 hectares. As obras de terraplanagem começaram em 2008, quatro anos após as primeiras conversações entre Lula e o venezuelano Hugo Chávez sobre a parceria entre os dois países para erguer a refinaria em Pernambuco, orçada em US$ 12,2 bilhões, que deverá entrar em operação no primeiro semestre de 2011. Ao lado, ergue-se o Polo Petroquímico e Têxtil, com investimentos de US$ 3,5 bilhões. Mais adiante, chega-se à imponente torre da MG, maior fábrica de garrafas PET do mundo, construída pelo grupo italiano Mossi & Ghisolfi, onde ninguém pode entrar.
Até onde a vista alcança, estão a fábrica da Coca-Cola e os silos do grupo Bunge, os maiores da América Latina, que traz o trigo da Argentina e abastece o brasileiro Moinho Dias Branco, o maior do país. O transporte até o navio é todo feito por esteiras. Tudo aqui é superlativo, o maior disso ou daquilo (na mesma semana em que lá estivemos, a Rolls-Royce também anunciou sua decisão de implantar uma fábrica em Suape). Nada, porém, impressiona mais que o Estaleiro Atlântico Sul, construído no prazo recorde de 22 meses, que já entregou, no começo de maio, seu primeiro navio petroleiro à Transpetro, o João Cândido. Mais cinco estaleiros estrangeiros têm planos de se instalar em Suape.
O porto de Suape propriamente dito é tão grande que, na verdade, são dois – o externo, abrigado por um molhe de proteção de 2.950 m de extensão, e o interno, com 1.320 m de cais contínuo. Estão em construção mais dois píeres para navios petroleiros que atenderão à Refinaria Abreu e Lima. No ano passado, foram investidos R$ 500 milhões pelo poder público em obras de infraestrutura do complexo portuário e industrial, que já conta com 41 km de rodovias e 32 km de ferrovias próprias, com acesso direto ao terminal de contêineres e ao parque de tancagem de granéis líquidos. Seis mil hectares, ou seja, 45% da área total de Suape foram destinados à preservação ecológica de suas reservas de Mata Atlântica, mangues e restingas.
Antes de chegarmos ao prédio da Autoridade Portuária, onde está centralizada toda a burocracia (ANVISA, Polícia Federal, Ministérios da Agricultura e dos Transportes, despachantes aduaneiros, práticos e a direção de Suape), o nosso guia Washington Dantas conta que entram ali, em média, representantes de dez empresas por semana interessadas em investir naquela região. “Suape hoje é uma grife, todo mundo quer estar em Suape. Por isso, criamos uma diretoria à parte, a Suape Global, que abrange a refinaria, o estaleiro e a petroquímica”, conta ele, com orgulho.
O complexo cresceu tanto que as obras se espalharam, além de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, para o chamado Território Estratégico de Suape, que engloba também os municípios de Jaboatão, Moreno, Escada, Sirinhaém, Rio Formoso, Palmares e Ribeirão, num raio de 50 km a partir do porto plantado na velha praia de Suape, nome dado pelos índios tupis e que significa “caminhos sinuosos”. A imagem mais antiga do lugar que nos mostram é uma gravura encontrada recentemente no Museu de Amsterdam, na Holanda, retratando a pacata aldeia indígena em 1635 – o mesmo lugar onde hoje, como já prenunciava a antiga vinheta da rádio Jornal do Commercio, do Recife, cada vez mais estamos “falando de Pernambuco para o mundo.”
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