Em novo protesto contra o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, realizado nesta quarta, dia 17, novamente nas proximidades da residência de Cabral, no bairro nobre do Leblon, Zona Sul carioca, centenas de manifestantes, a Tropa de Choque e homens do BOPE entraram em conflito, deixando um rastro de violência e destruição. O ápice do confronto deu-se entre 23h e 0h30 de hoje. Cinco agências bancárias foram alvo de ataques. Lixeiras, orelhões e bancas de jornais também foram destruídos e houve registro de saques. A fachada de vidro de um prédio administrativo da Rede Globo, situado na rua Bartolomeu Mitre, foi apedrejada e alvejada com jatos de tinta branca.
Com a repressão, os manifestantes se dispersaram em grupos que, depois, rumaram para Ipanema e para a Lagoa Rodrigo de Freitas. Dezesseis pessoas foram detidas e levadas para o 14ª DP, no Leblon. Apenas um manifestante permanece preso, autuado por porte de explosivos. Seis pessoas foram enquadradas no crime de formação de quadrilha, mas liberadas após pagarem fiança. Outros nove manifestantes foram averiguados e soltos durante a madrugada. No balanço apresentado hoje pela PM houve o relato de que seis policiais foram feridos. Já o número de manifestantes que também se machucaram com a repressão policial não foi revelado.
A cobertura NINJA
A manifestação começou pacífica e teve início por volta das 18h na Avenida Delfim Moreira, principal via da orla do Leblon. O ato teve cobertura do Mídia NINJA (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), grupo independente que agrega, em âmbito nacional, uma rede de centenas de colaboradores voluntários. Criado em 2011, para realizar a cobertura da Marcha da Liberdade, em São Paulo, o NINJA ganhou projeção nacional nos protestos de junho que assolaram o País. Desde então, em um ritmo diário, a rede de colaboradores tem sido quase onipresente nas manifestações espalhadas pelas principais capitais brasileiras.
A cobertura em tempo real é realizada com câmeras, celulares e conexão 3G. Se as imagens são, muitas vezes, precárias, devido ao despojado equipamento, o conteúdo transmitido é dos mais instigantes e provoca reflexões imediatas a quem assiste. Sem filtro de edição, com repórteres provocadores, que muitas vezes atuam no anonimato, sem se sobrepor aos fatos, a cobertura do NINJA se insere no “olho do furacão”. Numa dinâmica pouco vista em grandes veículos, reporta o “aqui e agora” das manifestações através do canal Pós-TV, plataforma gratuita de transmissão de conteúdo audiovisual via internet.
Quem não esteve nas ruas da Zona Sul carioca, mas assistiu a manifestação de ontem via internet, por meio da cobertura do NINJA, testemunhou que, das18h às 23h, o protesto foi marcado pela irreverência dos manifestantes que, próximos da residência do governador, chegaram a ironizar “Cabral, cadê você? A PM veio aqui para te prender”. Mas, com a chegada da Tropa de Choque e do BOPE, que entraram em cena para dispersar a multidão, o confronto foi inevitável. Segundo o relato de manifestantes, a ação de resistência foi deflagrada logo após as primeiras bombas e os primeiros disparos. Já a PM alega que o estopim foram pedras atiradas contra os militares.
O que se viu em tempo real, via NINJA e Pós TV, foi: de um lado, muitas bombas de gás-lacrimogênio, de efeito moral, projéteis de borracha e a utilização de um caminhão-pipa que avançou contra os manifestantes para dispersar a multidão com jatos d’água; de outro, a reação agressiva de uma minoria – supostamente integrantes do grupo Black Block, ativistas de orientação anarquista que defendem o confronto direto com a repressão (conforme é possível atestar no vídeo abaixo, manifestantes chegaram a jogar coquetéis molotov contra os PM’s). A chegada do caminhão-pipa evidenciou o tom pacifista e bem humorado da maioria dos manifestantes. A reação imediata aos jatos d’água foram os versos do axé Água Mineral. O refrão “olha a água mineral / água mineral / você vai ficar legal” foi entoado em alto e bom som.
Com a dispersão do grupo, manifestantes rumaram até a rua Redentor, nas proximidades da casa do Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame. Houve novo confronto com o Batalhão de Choque e o BOPE . Por volta de 1h, a repórter do NINJA que realizava a cobertura relatou que havia recebido a informação de que um manifestante, supostamente um integrante do Black Block, havia sido assassinado em Ipanema. Imediatamente, ela rumou até o local para apurar o fato, com a ajuda de um voluntário que ofereceu carona. Chegando lá, ela descobriu que nada havia acontecido. Segundo relato da repórter, que ouviu tal comentário de vários manifestantes, a informação havia sido plantada pela própria PM para ajudar a dispersar a multidão. De fato, dezenas de manifestantes foram até o local para atestar a veracidade do incidente.
Quando a manifestação chegou ao fim, a repórter protagonizou gesto que sintetiza a ousadia e a relevância de tal cobertura jornalística, para estimular reflexões mais profundas sobre o que acontece nas ruas do País. Diante da calçada da casa de Beltrame, alguns policiais portavam porretes e sarrafos de madeira, em vez de cacetetes, escudos, e aparatos oficiais de repressão. Com a câmera apontada para um policial, a repórter insistiu que ele desse um esclarecimento sobre a legalidade da utilização de tais recursos. Além disso, questionou também o por quê do policial não estar identificado. Silêncio sepucral.
Por volta de 1h30, viaturas do BOPE, da Tropa de Choque – quase uma centena de homens envolvidos na operação – se retiraram do local, sob intensas vaias e ofensas às duas corporações. “Covardes” e “a PM do Rio é uma vergonha”, entre elas, foi o que se ouviu.
Horas mais tarde, durante a madrugada, o governador Sergio Cabral convocou reunião extraordinária com Beltrame, para elaboração de novas estratégias de contenção da onda de protestos. Na manhã de hoje, uma coletiva de imprensa foi realizada pelo governador. Cabral condenou o novo protesto e reiterou que manterá a repressão para estabelecer a ordem. “Os atos de vandalismo na madrugada de ontem nos bairros do Leblon e de Ipanema são uma afronta ao Estado Democrático de Direito. O Governo do Estado reitera a sua posição de garantir, através das forças de Segurança Pública, não só o direito à livre manifestação, como também o direito de ir e vir e à proteção ao patrimônio público e privado.”
A coletiva de imprensa foi marcada por censura aos integrantes do NINJA, único veículo proibido de participar do encontro. O fato foi relatado, com cobertura ao vivo, via Pós-TV diretamente do Palácio Guanabara, sede do governo estadual. Na página do grupo, com mais de 83 mil seguidores na rede social Facebook, o grupo publicou, também nesta manhã, outro suposto gesto de censura. Durante a última madrugada, os manifestantes que ocupavam a Câmara Municipal em Porto Alegre foram surpreendidos com a notícia de que a principal pauta do movimento gaúcho, o transporte público gratuito, será objeto de estudo para elaboração de um projeto. Os manifestantes decidiram abandonar a ocupação, mas, antes de deixarem o prédio público mais de 20 deles decidiram, em “comemoração” à vitória, ficar nus. Flagrada em foto que foi publicada na página do NINJA (que teve a precaução de inserir tarjas nas genitais dos manifestantes), a ação foi censurada na rede social e a postagem excluída imediatamente. Curiosamente, na mesma rede social, a página do grupo Black Block Brasil mantém publicada a imagem original (abaixo).
Em junho, durante a cobertura de uma manifestação contra o deputado federal e pastor Marco Feliciano (PSC-SP), promovida em São Paulo, em conjunto com entidades de defesa de homossexuais, o NINJA também foi alvo de censura no Facebook, por ter postado fotos de transexuais e manifestantes se beijando. Sob a alegação de publicação de conteúdo pornográfico, a página do grupo ficou fora do ar por 48 horas. Na edição de agosto, a Brasileiros vai trazer uma reportagem especial sobre o Mídia NINJA. Não perca!
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