Nos bastidores do carnaval do Recife

Carnaval é cor, brilho e alegria. Há quem deteste, está certo, mas seja no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Recife ou em Minas Gerais, a festa mais popular do Brasil atrai uma verdadeira multidão de foliões. A origem da festa ainda é controversa. Passa pela Antiguidade, pelos ritos pagãos e pelo catolicismo. No Brasil, a festa, chamada entrudo, chegou com a colonização portuguesa, a folia invadindo as ruas. Com o passar do tempo, a elite brasileira levou as festas para dentro dos salões, inspirados nos bailes de máscaras de Veneza. Mas o entrudo, ou carnaval de rua, nunca perdeu sua majestade.

A designer e ilustradora pernambucana Joana Lira cresceu na rota Olinda-Recife e sabe como ninguém como é pular, suar e divertir-se atrás do cordão humano, “no rabo de uma orquestra de frevo”. Foliã de carteirinha, costumava usar duas fantasias por dia durante os dias de festa. O que ela jamais imaginou era que, em algum momento de sua vida, passaria a fazer parte do carnaval pelos fundos, isto é, nos bastidores. Há nove anos ela é responsável pelas ilustrações da cenografia do carnaval recifense. Todos os “enfeites”, alegorias, placas e decoração expostas nas ruas da cidade foram pensados por ela.
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Tudo começou em 2000, quando foi convidada pelo escritório de arquitetura de seu pai, Carlos Augusto Lira – contratado pela prefeitura do Recife para criar o projeto cenográfico do carnaval de rua da cidade -, a trabalhar como ilustradora. A partir daí, seus desenhos foram espalhados em painéis, esculturas e o que mais a mente criativa da artista imaginasse. Debruçados em livros, Joana e mais nove arquitetos destacados para a empreitada estudaram temas da região que pudessem servir como inspiração. No primeiro carnaval, em 2001, o escolhido foi o movimento manguebeat, que serviu de base para a criação das Máscaras Caboclo, feitas em madeira e material reciclado. Nesse mesmo ano, a prefeitura decidiu dividir a festa em oito polos de folia, cada qual em um ponto da cidade. Joana teve de desenvolver símbolos que, harmonicamente unidos entre si, dessem identidade a eles. Nasceram, assim, os personagens-símbolos: Caboclo, Palhaça, Negra, Menina-flor, Folião, Mascarada e Perfil. A partir de 2006, a equipe mudou o foco e passou a inspirar-se nas obras de artistas pernambucanos, como artistas plásticos, escritores, poetas. O primeiro homenageado foi Ariano Suassuna, com 46 de seus personagens, como Chico, João Grilo, a Baleia e o Cachorro de Duas Cabeças.

Joana lembra que o começo foi difícil. “Tivemos de fazer um mapeamento completo da cidade, contando cada poste, calçada e ruas das áreas dos bairros Recife Antigo e São José, concentração maior do carnaval”, lembra. Foram muitos erros. Como descobrir depois de prontos que painéis de madeira não são a melhor opção para ser usados em placas suspensas. Alguns, com cinco metros de altura com quase quatro de largura, ficaram muito pesados, ainda mais quando encharcados de chuva – uma ameaça para os foliões. “Foi uma idéia de jirico”, diverte-se Joana. Ou quando elaboraram imensos bonecos infláveis, que deram o maior trabalho para ficar “em pé” durante todos os dias de festa. “Contratamos uma empresa para ficar enchendo os infláveis”, lembra. Apenas o rei e a rainha do maracatu, com 20 metros de altura, foram preservados pela prefeitura para ser usados em outras festas. Até acertarem os materiais mais adequados para o trabalho – hoje usam basicamente ferro e lona -, foram muitas tentativas. “A cenografia tem de pensar em algo que funcione de dia e de noite”, explica Joana.

Este ano, pela primeira vez, o carnaval do Recife terá como decoração obras inspiradas em dois artistas: Cícero Dias e Enéas Freire, criador do bloco Galo da Madrugada. “O desafio é bem maior pela linguagem da ilustração”, afirma Joana. Entre criação, execução e montagem, que começa um mês antes da festa, são cerca de 200 pessoas envolvidas. Toda a trajetória da ilustradora e as detalhes da cenografia dos oito últimos carnavais estão no livro Outros Carnavais, de Joana Lira, da editora DBA. Com capa dura e repleto de ilustrações e fotos, o livro é um guia do carnaval recifense. “Desde o começo tinha vontade de registrar esse trabalho”, diz a artista.


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