A novidade apareceu no dia 8 de novembro do ano passado. A Petrobras tinha descoberto um megacampo de petróleo a quase 300 quilômetros do litoral do Rio de Janeiro, na Bacia de Santos. E os números impressionavam: o campo, batizado como Tupi, teria reservas recuperáveis de petróleo de cinco a oito bilhões de barris, equivalentes a mais da metade das reservas brasileiras até então. E o País foi apresentado a uma palavra curiosa, pré-sal, com significado também intrigante: tratava-se da área de rochas abaixo de uma camada de sal com cerca de dois quilômetros de espessura e que se estende no oceano desde em frente ao Espírito Santo até Santa Catarina. E, mais importante, o tal pré-sal guardava, cinco quilômetros abaixo do fundo do mar, quantidades de petróleo só comparáveis às do Oriente Médio. Só que algumas dificuldades teriam de ser superadas. Para começar, a profundidade do mar na região é de, em média, dois mil metros. Então, para achar o petróleo escondido há 185 milhões de anos, depois que a América do Sul separou-se da África, além de descer tubos com as brocas por dois quilômetros de mar profundo, foi preciso perfurar a primeira camada de rochas, que passou a ser chamada de pós-sal. Essa parte, a Petrobras já está acostumada a fazer na Bacia de Campos, onde os campos mais produtivos estão mesmo lá embaixo. O passo seguinte foi perfurar dois quilômetros de sal, chegando finalmente ao mar de petróleo. Somando tudo, temos poços com no mínimo seis quilômetros de tubos.
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A quantidade de petróleo achada em tais profundidades e em área nunca explorada antes, somada ao preço do barril que, na época, passou dos US$ 100, patamar de onde não mais desceu, serviu para a primeira comemoração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi apelidado de “xeique das Américas” pelo presidente Hugo Chávez, da Venezuela. E quem achou que um megacampo já era bom, ficou ainda mais surpreso em abril, quando a Petrobras confirmou novas descobertas no pré-sal, na mesma bacia. Duas áreas, chamadas de Pão de Açúcar e Carioca, guardam um campo quase cinco vezes maior do que Tupi, com reservas estimadas em pelo menos 33 bilhões de barris, que o colocam como o terceiro maior campo de petróleo do mundo, fazendo com que a região do pré-sal já descoberta possa produzir mais de seis milhões de barris de petróleo por dia. Com o petróleo sempre acima de US$ 100, isso pode representar um faturamento bruto mínimo diário de US$ 600 milhões, ou US$ 18 bilhões mensais. Melhor ainda, US$ 216 bilhões anuais que, ao câmbio de hoje, representam um faturamento anual de R$ 368 bilhões, capazes de alavancar a passagem do Brasil do clube dos emergentes para a primeira divisão mundial. E os números parecem ser mais impressionantes. Levantamentos recentes sinalizam que a região do pré-sal pode ter reservas de 70 bilhões de barris.
Mas a possibilidade desse mar de dinheiro entrar nos cofres do País gerou muita discussão, com o próprio Lula à frente dos debates. O primeiro ponto de divergência foi relativo aos leilões de blocos de prospecção de petróleo na Bacia de Santos, vizinhos às áreas onde a Petrobras e seus parceiros estrangeiros já tinham descoberto os megacampos. Por decisão presidencial, todas as áreas vizinhas a Tupi e, depois, a Pão de Açúcar e Carioca, foram excluídas dos leilões. Afinal de contas, já não eram mais “áreas de risco”, onde as empresas investem bilhões em uma aposta que pode não dar certo, e sim locais onde a probabilidade de ser encontrado petróleo é enorme. A segunda questão polêmica foi a dos royalties do petróleo, pagos a Estados e municípios como compensação pela retirada do petróleo de suas áreas, em terra ou na projeção de suas divisas no mar. Hoje, apenas um município, Campos, no Estado do Rio, recebe 10% de todo o dinheiro destinado aos municípios, enquanto que o Estado do Rio fica com 40% do total reservado aos Estados. Como em muitas cidades beneficiadas por um petróleo que muitas vezes está bem longe, lá no meio do oceano, o dinheiro tem servido para inchar seus quadros de pessoal e obras supérfluas, o debate sobre os bilhões do pré-sal está cada vez mais intenso. Para o governo federal, chegou a hora de definir outra forma de divisão do dinheiro. Afinal de contas, as novas descobertas ficam ainda mais longe do litoral, estão a mais de 300 quilômetros da costa brasileira, fora até da plataforma continental, bem no fundo do mar. O governo Lula pretende que esse dinheiro seja empregado em grandes projetos nacionais, com destaque, por exemplo, para a educação. E por último, mas não menos importante, está a situação da Petrobras. Antes uma estatal dona do monopólio sobre o petróleo e o gás, hoje, embora o governo tenha maioria das ações com direito a voto, mais da metade do total de ações está em mãos estrangeiras, resultado de um processo disfarçado de “privatização” realizado no governo Fernando Henrique Cardoso. Duas opções estão sendo estudadas. O aumento da participação do governo na Petrobras ou a criação de uma nova estatal que controlaria e gerenciaria os novos campos do pré-sal. Essa empresa escolheria os parceiros para a exploração, com a Petrobras sendo a escolha prioritária para o serviço.
VEJA VÍDEO DA BRASILEIROS NOS CAMPOS DO PRÉ-SAL:
Mas tudo isso segue no terreno do debate. De realidade, existe a entrada em produção experimental do primeiro campo no pré-sal, o de Jubarte, ao largo do Espírito Santo, a quase 80 quilômetros da costa. O campo já produzia petróleo há tempos, mas no pós-sal. Como as pesquisas indicavam a possibilidade de ter óleo debaixo do sal, novos poços foram perfurados e, bem lá no fundo, mais óleo, de melhor qualidade, foi encontrado. Brasileiros percorreu parte da área da Bacia do Espírito Santo e toda a Bacia de Campos – território tanto do pós-sal quanto, principalmente, do pré-sal, em dois navios de guerra da Marinha. A corveta Júlio de Noronha e o navio-patrulha Guaporé. Em um helicóptero, “vistoriamos” a plataforma P-34 – Juscelino Kubitschek, onde, além da produção normal de óleo do pós-sal, começou o Teste de Longo Prazo com o óleo encontrado no pré-sal local. Aliás, foi lá que, uma semana depois, no dia 2 de setembro, o presidente Lula deu início simbólico ao futuro do petróleo no País. O presidente e sua comitiva, que incluía o dono da casa, o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, e o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, entre outros, foram em um helicóptero da Marinha até a P-34 (um petroleiro transformado em estação de extração e produção de petróleo e gás). Lula repetiu o gesto de Getúlio Vargas, no começo dos anos 1950, sujando as mãos com o petróleo e garantiu que quer definir logo as novas regras para distribuição do dinheiro do petróleo. “Senão os mesmos de sempre, que se apoderam de tudo, vão querer pegar o dinheiro antes dele chegar ao verdadeiro destino”, afirmou o presidente. De qualquer modo, a Petrobras, que detém a melhor tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, já se prepara para ampliar suas operações no pré-sal. Segundo o diretor de Exploração e Produção da Petrobras, Guilherme Estrella, “não há nenhuma barreira tecnológica para produzir no pré-sal da Bacia de Santos, nosso esforço agora é para reduzir o custo”. Na verdade, a perfuração e operação de um poço com sete quilômetros de profundidade envolvem aspectos técnicos que chegam a ser curiosos. Por exemplo, sete quilômetros de tubos que conduzem as brocas de perfuração solo adentro. De qualquer modo, o petróleo do pré-sal, antes mesmo de entrar em produção, já levou o Brasil a ser convidado para integrar a poderosa Organização dos Países Exportadores de Petróleo(OPEP), a organização que reúne os países produtores e exportadores de petróleo. Para um país que só há poucos anos conseguiu a auto-suficiência em petróleo, graças principalmente à Bacia de Campos, que produz no mar cerca de 80% dos dois milhões de barris diários de petróleo do Brasil, ser comparado a um milionário país do Oriente Médio é um grande salto.
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