O jornalista João Lara Mesquita não navegou por mares calmos nesse último ano. Exatamente doze meses atrás, no dia 7 de março de 2012, ele começou, a bordo de seu barco tipo trawler de 76 pés, o Mar Sem Fim, expedição que o levaria para o extremo sul do planeta, mais precisamente para o continente antártico, onde já havia estado antes para produzir uma serie de programas e documentários. Lá João iria juntar material jornalístico para depois veicular, vídeos, fotos, relatos… Mal sabia ele que a história que iria contar, seria totalmente outra.
A calmaria da saída de Ushuaia, ponto de partida da viagem, se transformou em tormenta na Passagem de Drake, onde o Mar Sem Fim lutou contra forte vento e ondas de até 5 metros. Guerreiro, barco, capitão e tripulação aguentaram, porém, os estragos já estavam feitos. O vento levou um dos lemes da embarcação, além de ter danificado a bucha do eixo, acabando com a capacidade de manobra do Mar Sem Fim e o deixando praticamente a deriva. Sob pressão, João tomou a decisão que lhe pareceu acertada no momento, a última esperança para, talvez, tirar seu “Marzão”, como ele carinhosamente chama seu barco, com vida da Antártica. A ideia era rumar para a Baía Fields, parcialmente protegida e que abriga a sede de algumas bases militares, que poderiam o ajudar caso o pior acontecesse.
E aconteceu. O avançado sistema meteorológico avisou que uma tempestade passaria pelo local na noite de 6 de abril. João e Plínio Romeiro Jr., grande amigo de João e um expert em navegação, tentaram deixar o Mar Sem Fim da forma mais segura possível, protegido na baía, antes de ser resgatados pela equipe chilena da base militar, que observava os brasileiros de perto há alguns dias. Após noite de apreensão em terra firme, o choque veio na manhã seguinte, o Mar Sem Fim não aguentou o espancamento da madrugada e afundou, apenas o casco do gigante de aproximadamente 20 metros berrava para fora da água, talvez esperando o capitão acordar para que os dois pudessem se despedir de forma digna.
Não foi a perda material que mais machucou João. Jornalista/ambientalista, ele dedicou sua vida para denunciar os males que o ser humano pode trazer ao entrar em contato com a natureza de forma não sustentável. O mar sempre foi sua casa. Por ironia do destino, seria ele o responsável por um desastre ecológico no quase virgem continente antártico. Congelado no fundo do mar, seria necessário esperar pelo próximo verão para tirar a embarcação da Antártica e evitar uma tragédia de maiores proporções, como um derramamento de óleo.
Agora, no início de 2013 o capitão voltou para buscar o que havia deixado para trás. O barco já estava perdido, nunca houve a pretensão de salvá-lo, mas era imprescindível tira-lo de lá. “O planejamento existia desde o naufrágio, eu só estava esperando o momento adequado para voltar aqui. Eu estava consternado por ter causado esse acidente, mas tinha que fazer minha parte, limpar a bagunça”, revelou João Lara, que durante esse ano, do naufrágio para o resgate, nada pode fazer a respeito disso. “Foi uma angústia extraordinária! Tirei um peso imenso das minhas costas. Enquanto aquilo não fosse resolvido, minha vida não iria ter segmento”.
O resgate do Mar Sem Fim acabou por ser beneficiado por outra tragédia, a explosão na base Comandante Ferraz, base brasileira na Antártica consumida pelo fogo no início do ano passado. Por conta disso, a marinha brasileira já estava por lá faz um tempo e com equipamentos de sobra para qualquer tipo de trabalho. “Eu até tinha contratado uma empresa que me auxiliaria nesse procedimento, mas na Antártica é sempre bom pensar não no número exato, mas no triplo! Lá não tem nada, tem que estar preparado”, ponderou João.
Com o plano traçado, agora era partir de novo para a Antártica e torcer, por que, quando se trata de Antártica, sempre é preciso considerar o acaso. Pra os técnicos envolvidos, o trabalho de reflutuação da embarcação duraria pouco mais de uma semana, porém, no extremo sul do nosso planeta, dez dias de condições adequadas aparecem intercalados entre um mês e meio, às vezes dois meses, ou até um pouco mais.
Além do amigo Plínio, da marinha brasileira e da empresa contratada, João também sempre faz questão de lembrar dos heróis antárticos, a quem ele gosta de chamar de “os imprescindíveis”. Eles são as pessoas que vivem nas bases militares do continente branco. A legislação por lá é muito simples, aprendeu João, ‘respeito e solidariedade’. “Aquilo tudo é muito brutal, sem ajuda, ninguém sobrevive. E esses caras sabem disso e estão sempre disponíveis para o que for preciso. O chinês não necessariamente fala russo, o russo não fala espanhol, mas todos sabem dizer ‘yes’, que é o que respondem para cada pergunta, cada pedido, antes mesmo de terminarmos a frase”, contou o brasileiro emocionado.
A expedição de João Lara foi um sucesso, o Mar Sem Fim, com muito trabalho, saiu do fundo do mar sem poluir ou degradar a Antártica. O reencontro com o capitão foi dolorido. “Era um barco lindo, chique, confortável… Entrei de novo, por dentro ele acabou! Foi terrível!”.
Mais forte após a experiência, a perda do Mar Sem Fim, que vai virar entulho, não significa o fim do oceano para João, afinal de contas, para ele, o mar nunca tem fim. A história do resgate foi toda documentada e em breve deve virar um livro. João também captou um grande material em vídeo e a televisão ou até o cinema, devem virar plataformas para difundir a aventura.
Sorte dos milhares de fieis leitores de seu blog, que leva o mesmo nome de seu finado companheiro, Mar Sem Fim. Nele o jornalista relatou, capítulo a capítulo, sua luta e sua superação. Os leitores acompanharam, em tempo real, o naufrágio do barco e agora seu resgate, textos cheio de emoção. “Eu sou do tempo do papel, peguei a revolução tecnológica já adulto, mas ainda é tempo de se atualizar, como eu fiz, isso é muito importante. A respeito da minha forma de escrever, esse é o meu jeito mesmo, sempre ponho meu sentimento pessoal, faz parte do meu engajamento, é realmente o que eu amo. Não consigo ser frio, distante”, contou ele.
João Lara Mesquita não quer nem saber de ficar longe do mar. O naufrágio não fez com que guardasse receio. “Tenho muito mais medo de viver em São Paulo do que ir navegar até a Antártica”. Apesar de ainda estar chorando as lágrimas da perda de seu ‘filho’, o eco-ativista já planeja um outro companheiro para o futuro, um novo barco que o leve para novos mares, novas aventuras e novas conquistas profissionais.
CONFIRA VÍDEO PUBLICADO NO BLOG DO JORNALISTA
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