Nossa mulher na Argentina

Ela é carioca, mas da janela de sua “oficina” não se vê o Corcovado nem o Cristo Redentor e, sim, o Palacio Ortiz Basualdo (1912), que já foi residência de Eduardo VII, príncipe de Gales, e desde 1935 abriga a Embaixada da França, em Buenos Aires.

A embaixadora Gladys Ann Garry Facó é a brasileira mais poderosa da Argentina, mas como boa diplomata se nega a esse título. Orgulha-se, no entanto, do avanço das mulheres nos postos de comando em todo o mundo e enxerga semelhança entre a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e a da Argentina, Cristina Fernández Kirchner. “São duas mulheres muito preparadas”, diz sem hesitação, citando o currículo da primeira – uma técnica que se consolidou ao longo de oitos anos como uma excelente gestora – e da segunda, que também teve experiência na gestão pública e começou como deputada e senadora. “Acho que caminhamos bem e a prova disso é o nível de relação que mantemos entre os dois países”, atesta. Ela lembra que a primeira visita oficial da nossa presidente eleita foi justamente ao país vizinho.
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A importância econômica entre Brasil e Argentina pode ser medida pelos números. Nossas relações comerciais giram hoje em torno de US$ 33 bilhões anuais. Há 20 anos, era apenas US$ 3 bilhões. Um salto de 1.000 % que só tende a crescer, segundo os economistas locais.

Com uma carreira de mais de 35 anos – entrou para o Rio Branco em 1976 -, Gladys Garry assumiu seu primeiro posto um ano depois. Nessa época, só havia uma mulher no Itamaraty. Isso mesmo, uma e tão somente uma embaixadora. Do nome ela se lembra bem: Tereza Quintella. “Tive orgulho, pois foi a minha primeira chefe.” Um ano depois de ter terminado o curso de preparação para a carreira diplomática no Instituto Rio Branco, a discriminação passou a ser encarada como natural para um período ainda conturbado de nossa história.

No Palácio do Itamaraty, era comum as mulheres trabalharem mais que os homens e terem o mesmo salário. Casos vários de uma diplomata cuidando de dois setores, enquanto aos homens era reservado apenas um. Hoje, isso não existe mais. “Foi difícil”, diz, sem querer tocar em um tema delicado que, pela natural evolução do mundo moderno, ficou apenas para a história.

Atualmente, o embaixador do Brasil na Argentina é Enio Cordeiro, encarregado das relações comerciais e bilaterais entre os países. Gladys ocupa o cargo de cônsul-geral, mais ligado a questões burocráticas e que corresponde, na carreira diplomática, ao último posto (ministro de primeira classe), mesmo patamar de embaixador.

Ela comanda um time de 42 funcionários, três diplomatas e nada menos que nove vice-cônsules. Quantas mulheres entre as nove? Nada menos que seis. Todas as indicações, claro, feitas pelo Ministério das Relações Exteriores. “Quando cheguei aqui, muitas delas já estavam. Na verdade, o mundo mudou e as mulheres assumiram um papel que considero muito importante em vários setores. Evoluímos todos”, atesta a cônsul-geral que comanda a rotina diária de um consulado envolto com vistos para estrangeiros, documentos roubados, questões administrativas e uma rotina que, segundo ela, não lhe cansa, depois de ter servido em Londres, Caracas e Madri. Em Brasília, ocupou várias funções como chefe da Divisão da Ásia e Oceania e como assessora diplomática da Vice-Presidência da República.

Como não é casada nem tem filhos, a vida diplomática é relativamente mais tranquila sob a ótica das mudanças para outros países, feitas geralmente a cada cinco anos. Shows, teatros, restaurantes e uma boa leitura completam a rotina da vida em Buenos Aires, que, para ela, é tão gratificante quanto a que tinha em capitais europeias pelas quais já passou. Pelo cargo que ocupa, se exime de fazer considerações sobre a política acirrada na Argentina, às vésperas de uma eleição que ameaça rachar ao meio o país, embora a presidente navegue sozinha com uma oposição quase dizimada, como no Brasil. “Eles são tão passionais como nós”, releva.

Provocada pelo repórter, a embaixadora diz que não existe mais rivalidade entre Brasil e Argentina, aponta o Mercosul como parâmetro dessa unidade e atesta que os argentinos são muito educados e cordiais com os brasileiros. “Cordiais e educados? Eles nos chamavam de macaquitos”, provoco, recordando as históricas batalhas no futebol e a velha arrogância argentina que também não nos deixava de fascinar.

“Isso não existe mais”, diz para, em seguida, me dar outro susto. “Tudo bem embaixadora, mas a senhora não vai repetir, como todo bom argentino que Maradona é melhor que Pelé.”

“São épocas distintas, cada um foi melhor em seu tempo e hoje o futebol que se jogava há 30 anos não é o mesmo”, assegura obviamente sem me convencer nem a 190 milhões de brasileiros. Saí da entrevista com o lide da matéria, que meu editor pode até não concordar: “Elas estão realmente muito acima de nós, mas continuam sem entender absolutamente nada de futebol”.


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