A ausência de obras de arte em um andar inteiro na edição anterior da Bienal de São Paulo – a “Bienal do Vazio”, de 2008 – acabou se tornando um símbolo da profunda crise na qual a instituição Fundação Bienal se encontrava.
A partir daquela edição, foi detonado um processo de mudança e agora, em 2010, a 29ª Bienal de São Paulo renasce e recupera brilho financeiro, administrativo e artístico.
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A operação foi feita por um dream team montado por Heitor Martins, o novo presidente da Fundação Bienal de São Paulo, que é sócio-diretor da McKinsey & Company no Brasil (empresa de consultoria estratégica e gestão). A nova diretoria executiva conta com o presidente e oito “craques” – empresários, advogados e executivos do mercado financeiro, que também são apreciadores de arte: Eduardo Vassimon (área financeira), Jorge Fergie (gestão), Justo Werlang (ex-presidente da Bienal do Mercosul), Luis Terepins (captação de recursos e revitalização do prédio), Miguel Chaia (acadêmico especialista em arte), Pedro Barbosa (gestão), Salo Kibrit (área jurídica) e Lucas Melo (contabilidade e finanças). “É uma diretoria muito forte e atuante, pessoas com quem realmente tem sido um prazer trabalhar. Todas de uma integridade impressionante”, diz Terepins, que revela o segredo do sucesso. “A gente simplesmente arregaçou as mangas, cada um com sua competência e sua humildade para colocar, em um tempo exíguo, um plano em pé.”
A equipe de Heitor Martins assumiu em julho de 2009, mas sua montagem começou três meses antes, em um domingo no Pandoro, tradicional bar da Avenida Cidade Jardim, em São Paulo. “Estava voltando de Brasília e recebi um telefonema do Heitor dizendo que queria montar um time para tocar a Bienal e gostaria de saber se eu estava a fim. Marcamos no Pandoro, e ele estava lá com mais uma pessoa que era o Salo Kibrit”, relembra Pedro Barbosa, um dos diretores que tem em seu currículo 12 anos como trader dos bancos ING Bank e Bank of America e é proprietário de uma pequena coleção de arte contemporânea.
No encontro do Pandoro, chegaram à conclusão de que teriam de chamar mais gente. Em 2008, ao final da “Bienal do Vazio”, havia dúvidas sobre o futuro do evento internacional de artes mais importante do Brasil. A Fundação Bienal contava com deficiências estruturais, administrativas e financeiras (a dívida era estimada em torno de R$ 4 milhões).
Outro nome cogitado para integrar o grupo foi Miguel Chaia. “É um cara que entende muito de arte”, diz Barbosa. Sociólogo, autor de vários livros sobre o tema, professor do Departamento de Política e da Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-SP e coordenador e pesquisador do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da PUC-SP, Chaia ficou de dar uma resposta mais tarde. Naquela tarde, Barbosa sugeriu Luis Terepins. “Já mexeu com fund raising da AACD, sua experiência pode ser útil, além de ser um cara muito bacana”, afirmou. Às 8 horas da noite do mesmo domingo, Heitor, Pedro e Salo aterrissavam na casa de Luis Terepins. Depois de 20 minutos, o negócio estava fechado: Luis era o quarto elemento. “Confesso que não tinha a mínima apetência para entrar nessa história, mas vi a importância da instituição e um desafio”, relembra. “Nos últimos 50 anos, quando se falava em modernidade ou em coisa do primeiro mundo no Brasil, só havia duas coisas: a Bienal e o futebol. Bienal sempre foi uma instituição muito importante”, conclui.
E quem mais podia agregar valor à empreitada? Luis sugeriu Eduardo Vassimon, ex-vice-presidente e atual conselheiro do Banco Itaú BBA.
Heitor e Luis partiram para a casa de Vassimon. “Eu conhecia o Heitor porque ele, como sócio da Mckinsey, desenvolveu projetos no grupo Itaú, onde eu trabalhei por muitos anos, mas o meu contato maior era com o Luis Terepins”, diz Vassimon. “Acho que as dificuldades pelas quais a Fundação Bienal estava passando naquela ocasião e o fato de outras pessoas já terem recusado o convite foram motivos de preocupação e reflexão, mas funcionaram, também, como estímulo adicional”, explica. O próximo nome, Lucas Melo, é quase um guru na área de auditoria, que faz parte do board do Bradesco e tinha sido uma espécie de braço direito do Pedro Moreira Salles no Unibanco. Enfim, mais um craque. “A 29ª Bienal de São Paulo é uma realidade após um período de incertezas”, comemora Melo. Da McKinsey, Heitor trouxe Jorge Fergie, especialista em gestão, e o time estava quase completo.
Arte, finanças, gestão. Mas qual deles entendia de “Bienal” propriamente dita? Assim surgiu o nome do Justo Werlang, que foi presidente da Bienal do Mercosul. Só faltava Miguel Chaia que finalmente se entusiasmou e completou a equipe.
Time pronto, eles começaram a se reunir todas as segundas-feiras à noite na casa de alguns deles e, muitas vezes, na própria sede da Bienal, para orquestrar o plano de ação. As reuniões se tornaram uma rotina e continuam acontecendo até hoje, como se vê na foto desta matéria, feita na segunda-feira, 4 de outubro, na casa de Heitor Martins. Para Vassimon, as reuniões de diretoria são “das partes mais agradáveis desse trabalho”. “O grupo é muito interessante, intelectualmente estimulante e bem-humorado. E o Heitor tem um estilo de gestão democrático, de forma que há sempre muita discussão”, diz.
Um dos fatores que contribuiu para que o elenco de diretores conseguisse realizar seu trabalho e pudesse fazer frente às inúmeras dificuldades que encontravam no caminho foi o apoio do Ministério da Cultura. O encontro com o ministro Juca Ferreira aconteceu em uma manhã no café do Museu de Arte Moderna (MAM), no Parque Ibirapuera, em São Paulo, vizinho ao prédio da Bienal. “Falamos para ele: ‘Aqui ninguém tem ambição política, a gente só quer fazer o negócio acontecer, promover a arte contemporânea’”, relata Pedro Barbosa. “Conseguimos estabelecer uma relação de credibilidade com o MinC e com a Prefeitura de São Paulo”, completa Terepins.
Verdadeiros artistas do empreendedorismo, o “grupo dos nove” conseguiu quitar a dívida da instituição, enxugar a estrutura administrativa, trazer artistas nacionais e internacionais contemporâneos e restaurar o edifício. “O prédio estava totalmente inadequado, sem instalações de incêndio com escadas provisórias externas, banheiros caindo aos pedaços, problemas em todos os sentidos”, afirma Terepins, que cuidou da revitalização.
Para isso, foi útil o crédito da Lei Rouanet da 28ª Bienal de São Paulo que não havia sido usado porque nenhuma empresa queria colocar dinheiro em uma “Bienal do Vazio”.
A decisão de escolher quem seria o curador – que eles brincam que seria um “curandeiro” – também foi tomada coletivamente. “A gente queria um ‘curandeiro’ bem quisto, alto astral e não metido a besta”, diz um bem-humorado Pedro Barbosa. Os eleitos foram Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias.
Hoje, o advogado Salo Kibrit, que responde pela área jurídica da Fundação e também é colecionador de arte, faz um balanço do trabalho: “A Bienal voltou a ter a importância do passado, com uma linda exposição, provocando discussões de assuntos polêmicos, como é próprio e inerente à sua natureza. Houve saneamento do passivo da Fundação, investimentos em obras necessárias no pavilhão e resgate das relações com as instituições e com a própria sociedade”.
O maior desafio a partir de agora será perpetuar a excelência da atual Bienal em edições futuras. Houve uma recuperação da entidade, mas ainda falta sua consolidação. “Uma vez a cada dois anos, tudo recomeça”, afirma Terepins. Uma das novidades é que ela será itinerante. A proposta é levar uma parte das obras expostas na 29ª Bienal de São Paulo a 12 cidades brasileiras – a iniciativa faz parte do acordo da instituição com o Ministério da Cultura. Segundo Terepins, um dos pontos centrais dessa nova diretoria é fazer com que a Bienal tenha uma função social – de usar a cultura como instrumento de educação e de acessibilidade.
“Acho que estamos em um bom trilho, fomos capazes de montar uma Bienal que, em geral, tem recebido boas críticas dos especialistas. E o público e a sociedade veem com bom grado o fato de a ‘bienal estar de volta’”, diz Fergie. “Ao chegar ao fim desta 29ª, vamos ver quais são as lições que ela nos oferece. Para a próxima, temos um plano mais ambicioso, o de trazer uma importantíssima coleção europeia”, completa. Parece que um dos maiores desafios, para quem gosta de arte, agora será controlar a ansiedade.
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