Um dos mais argutos pensadores brasileiros, Frei Betto, que já escreveu mais de uma dezena de livros sobre a sua experiência durante o regime militar, quando esteve preso e sofreu torturas com mais outros dominicanos, quer se dedicar de vez à literatura. Ontem à noite, ele falou para um auditório lotado no SESC Vila Mariana, em São Paulo, sobre o seu mais recente livro Minas do Ouro, editado pela Rocco, que conta a saga da família Arienim (“mineira” escrita de trás para frente) durante cinco séculos. “Foi a maneira que encontrei para contar a história da família mineira do século XVI ao século XX”, revelou antes do evento. Na rápida conversa com a Brasileiros, apesar de não querer falar de outra coisa que não fosse literatura, Frei Betto disse o que pensa sobre a Comissão da Verdade e revela que sua obsessão agora é sedimentar sua obra literária.
Brasileiros – Essa é sua segunda incursão pelo romance?
Frei Betto – Exatamente. A primeira foi Um Homem Chamado Jesus (publicado em 1997), que conta a história de Jesus na Palestina do século I. Este livro, Minas de Ouro, é o meu segundo romance histórico.
Brasileiros – Por que você demorou tanto tempo, 13 anos, escrevendo este seu novo livro?
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F.B. – Por que eu tive de ler muito sobre a história de Minas, sobre a história do Brasil e, nesse meio tempo, fui fazendo e me envolvendo em outros projetos. Mas eu não tinha pressa de terminar. Queria fazer este livro com muito capricho.
Brasileiros – Você foi um dos finalistas do Prêmio Jabuti deste ano na categoria Romance com Hotel Brasil: O Mistério das Cabeças Degoladas, que é um romance policial. O que achou de mais uma indicação ao Jabuti?
F.B. – Não é a primeira vez, como você mencionou. Já fui, felizmente, finalista outras vezes e ganhei dois prêmios Jabuti. Fico feliz que o júri reconheça o valor da minha obra literária. Eu não escrevo para receber prêmios, mas são sempre bem-vindos.
Brasileiros – Você falou que é muito difícil escrever um romance histórico. Como você dosou a questão da ficção e da história no livro Minas do Ouro?
F.B. – Você tem de, primeiro, fazer uma boa pesquisa. Ela tem de ser muito bem sedimentada. Agora, o difícil é colocar a história como pano de fundo da história ficcional. Porque senão você acaba chamando de romance histórico um ensaio de vulgarização histórica. E eu, felizmente, creio ter conseguido evitar isso.
Brasileiros – Por que você escolhe essa família Arienim para contar essa saga?
F.B. – Foi a maneira que encontrei para contar a história da família mineira do século XVI ao século XX.
Brasileiros – Mudando um pouco de assunto, o que você acha dessa Comissão da Verdade?
F.B. – Eu sou a favor de acrescentar depois da palavra “Verdade”, a palavra “Justiça”. Tem de ser Comissão da Verdade e Justiça, senão vai ser uma farsa. Se ela não apurar as responsabilidades criminais daqueles que em nome da lei do Estado provocaram assassinatos, sequestros, etc., será uma farsa.
Brasileiros – Mas a Comissão não tem o intuito de apurar responsabilidades, já que existe a Lei da Anistia…
F.B. – Não, a Anistia é uma lei esdrúxula. Isso precisa ser cancelado. Como você anistia, quem não fui punido? Nós, vítimas da ditadura, fomos severamente punidos, até com morte, como foi o caso do frei Tito (dominicano como Frei Betto, que cometeu suicídio no exílio na França por não ter conseguido suportar os traumas das torturas que sofreu quando foi preso pela ditadura. Essa história foi contada no livro de Frei Betto, Batismo de Sangue), meu confrade. Os torturadores nunca foram punidos. Como é que você pode anistiar quem sequer foi punido? É uma lei tipicamente ditatorial.
Brasileiros – Só para encerrar esse assunto, o que não está bem resolvido?
F.B. – Na verdade, o que não está bem resolvido é que o Brasil é o único país de toda América Latina que não apurou os crimes da ditadura e não puniu seus responsáveis. Isso é vergonhoso. Isso sim é um resquício encravado ainda na nossa estrutura democrática.
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