Faz 25 anos hoje. No mesmo 21 de abril da morte de Tiradentes, o Brasil perdia em 1985 seu primeiro presidente civil eleito após o golpe militar, ainda pela via indireta. A morte de Tancredo de Almeida Neves antes da posse provocaria a maior comoção popular desde o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954.
Cobri a campanha e a eleição de Tancredo para a Folha de S. Paulo, quando ele derrotou Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, e fui a Brasília na véspera da sua posse marcada para o dia 15 de março. Para recordar aos leitores o que aconteceu naqueles dias após a posse que não houve, recorro mais uma vez ao meu livro de memórias “Do Golpe ao Planalto – Uma vida de repórter” (Companhia das letras, 2006).
A agonia e morte de Tancredo está contada entre as páginas 135 e 138, de onde tirei os trechos que reproduzo abaixo sobre este episódio trágico da vida política brasileira:
No Incor, em São Paulo, para onde Tancredo foi transportado, cobri seus primeiros dias de agonia, que se prolongaram, cirurgia após cirurgia. Certa noite, “seu” Frias (dono da Folha, já falecido), que não gostava de ser chamado de jornalista mas adorava farejar notícias exclusivas, me deu ordens para viajar a São João del Rey, em Minas Gerais, onde Tancredo nascera e onde vivia sua família. “O quadro dele é irreversível”, garantiu – e lá fui eu, na certeza de que o desenlace se daria em poucas horas ().
Os dias foram passando, eu já entrevistara todos os parentes e amigos de infância de Tancredo Neves, já não tinha mais o que escrever, não aguentava mais comer tutu, torresmo e frango com quiabo; e nada. Pedi para voltar a São Paulo. Acertei a volta para a segunda-feira seguinte. Na noite do domingo 21 de abril, os jornalistas que estavam na cidade só esperando a morte do presidente eleito combinaram ir ao cinema. Quando saíamos do hotel, a recepcionista chamou-me ao telefone. Era Clóvis Rossi, da redação do jornal, me alertando para ficar atento, porque o comunicado oficial da morte de Tancredo estava para sair.
Avisei todo mundo e, em vez de ir ao cinema, fomos a um bar, lotado, para acompanhar o noticiário pela TV e poder descrever a reação dos conterrâneos de Tancredo (). Quando o porta-voz Antonio Brito leu a nota oficial no início do “Fantástico”, da TV Globo, e Fafá de Belém cantou o Hino Nacional, os sinos começaram a repicar em São João del Rey. O fotógrafo Jorge Araújo e eu, mal acabamos de transmitir o material de domingo, nos pusemos a planejar a cobertura do enterro, que atrairia milhares de pessoas para a histórica e acanhada cidade mineira.
No dia seguinte, logo cedo, fomos fazer uma inspeção no cemitério e descobrimos que o ponto de melhor visão para o fotógrafo era o banheiro de uma casa vizinha, que alugamos por um valor módico. O que ninguém poderia esperar era o esmero do pedreiro encarregado de fechar a cova do presidente, que só foi terminar seu trabalho lá pelas onze horas da noite. Saímos dali correndo para o hotel, assustando soldados, na tentativa de pegar ainda aberto o jornal. “Tancredo enterrado à noite, após o adeus da sua cidade”, foi o título da matéria que o jornal abriu na primeira página no dia seguinte e que começava assim:
“O toque de silêncio. Uma salva de 21 tiros de canhão. Apenas duzentas pessoas dentro do cemitério. A cidade recolhida, calada. Foi o ato final destes quarenta dias que abalaram o Brasil. Tancredo de Almeida Neves, o primeiro presidente civil depois de 21 anos de regime militar, que morreu antes de tomar posse, foi enterrado às 22h54 de ontem, na sepultura número 84 do pequeno cemitério da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis, em São João del Rey, Minas Gerais.
O sepultamento estava inicialmente marcado para as 17h, mas foi adiado por determinação de dona Risoleta Neves para que todos os são-joanenses, que desde cedo formavam longas filas diante da igreja de São Francisco de Assis, pudessem ver o corpo do presidente. O esquife foi levado por irmãos da Ordem Terceira em seus hábitos negros até a entrada do cemitério e entregue à família. Na frente, trazendo o caixão até a sepultura, vinham o presidente José Sarney e o filho Tancredo Augusto, enquanto a banda do Regimento Tiradentes tocava a marcha fúnebre de Chopin. Os sinos da igreja de São Francisco de Assis, onde o corpo estava sendo velado desde as 11h30, dobraram mais forte”.
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Muitos analistas políticos ainda se perguntam até hoje como seria o Brasil se Tancredo Neves não tivesse morrido antes de tomar posse. Eu não saberia responder porque me limito ao ofício de repórter. Se os caros leitores tiverem alguma idéia, por favor, mandem seus comentários para abrirmos o debate neste dia de feriado por variados motivos _ entre outros, o nascimento de Brasília, que hoje comemora 50 anos, em meio à maior crise política da sua história.
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Em tempo: acabei de publicar no Balaio, às 12h07, belo comentário enviado pela leitora Rejane Beatriz Alves Ferreira, no post de dias atrás sobre os bichos ameaçados no Parque da Água Branca. Ela conta como salvou alguns deles por conta própria e denuncia o desaparecimento de galinhas e patos do parque público. Vale a pena ler a mensagem dela.
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