“Dizem que a gente deve saber a hora em que é bom abandonar o palco, mas eu não sei, eu não posso e eu não quero. Bem que eu gostaria, meu caro amigo, de fazer coincidir o último alento de vida com o último agudo de minha garganta.” Como descreveu ao jornalista e amigo David Nasser em uma série de entrevistas que originaram o livro Chico Viola, uma de suas inúmeras biografias, era assim que Francisco Alves desejava despedir-se da vida.
Sorrateira e inesperada, a morte calou o Rei da Voz no dia 27 de setembro de 1952, há exatos 60 anos. Dirigindo de volta ao Rio de Janeiro pela Via Dutra, Alves viu seu Buick se chocar contra um caminhão que dirigia na contra-mão na estrada próxima à Pindamonhangaba. O cantor não resistiu e morreu na hora, carbonizado no acidente. Acabava ali a vida daquele que é considerado por muitos “o maior cantor brasileiro de todos os tempos”, como noticiou o Jornal do Brasil na época do desastre.
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Filho de um dono de botequim português, Alves nasceu no Rio de Janeiro, em 19 de agosto de 1898. Ainda criança, começou a trabalhar como engraxate, mais tarde trocando o ofício infantil por um emprego em uma fábrica de chapéus. Antes da fama, também foi chofer de táxi, período em que se casou com sua primeira esposa, Ceci, prostituta que havia conhecido em um cabaré carioca no ano de 1920.
Antes da fama, tomava o bonde até o Teatro S. José onde ia assistir aos concertos de Vicente Celestino, sua grande inspiração musical. Mal sabia ele que, dali a pouco tempo, mais precisamente em 1922, seria a grande atração do S. José. Descoberto pelo dono de uma companhia de teatro, Francisco Alves viu seu sucesso nos palcos crescer até se tornar um dos grandes heróis do rádio brasileiro. Já separado de Ceci, casou-se com a atriz Célia Zenatti em 1921, em união que duraria os 28 anos seguintes.
Encontrou nas composições de gente como Sinhô, Noel Rosa, Ismael Silva e Nilton Bastos, Ary Barroso, Herivelto Martins, Lupicínio Rodrigues e outros o material que precisava para consolidar sua voz junto ao público brasileiro. Batizado como “O Rei da Voz” pelo locutor César Ladeira em 1933, Chico da Viola – como também era conhecido no meio artístico – colecionou sucessos e se tornou o artista brasileiro com o maior número de gravações em discos de 78pm. Ao longo de sua carreira, lançou 526 discos com 983 músicas, sendo 132 composições próprias.
Em 1939, gravou aquela se tornaria uma das mais famosas e emblemáticas canções de sua carreira. Composta por Ary Barroso, “Aquarela do Brasil” teve sua primeira versão gravada por Francisco Alves, a união perfeita entre a música e o cantor mais famosos do Brasil. Entre os diversos sucessos de sua carreira destacam-se músicas como “É Sim Senhor” (Eduardo Souto), “Dá Nela!” (Ary Barroso), “Fita Amarela” (de Noel Rosa, cantada em parceria com o amigo Mário Reis), “Confete” (David Nasser/J. Júnior)” e “Cinco Letras Que Choram (Adeus)” (Silvino Neto), esta última entoada pelo público que acompanhou comovido o transporte de seu corpo do interior paulista à capital fluminense, atirando flores em seu caixão e lamentando sua inesperada e sentida morte.
“Tu, só tu, madeira fria, sentirás toda agonia do silêncio do cantor”, escreveu o amigo e jornalista David Nasser após a morte de Francisco Alves. Para alguns, “Chico” foi o grande talento musical da história do Brasil, um homem capaz de reunir em sua voz grave e forte a alegria do samba malandro dos anos 20 com o drama apaixonado dos anos 40. Hoje, seis décadas após a tragédia que tirou sua vida, Francisco Alves continua atraindo visitantes e fãs ao Cemitério de São João Baptista, no Rio de Janeiro, onde o grande Rei da era de ouro do rádio brasileiro descansa sua majestosa e inesquecível voz.
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