O ano que não acabou

Este texto faz parte do especial 2017 x 24 – visões, previsões, medos e esperanças da edição número 113 da Revista Brasileiros, onde articulistas e colaboradores foram convidados a pensarem sobre o que e o quanto podemos esperar – se é que podemos – para nosso País no próximo ano.  

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Em 2016 o País enfrentou um rápido e preocupante processo de deslegitimação constitucional. De um lado, as regras do jogo democrático foram afetadas pela conjuntura política. De outro, direitos, liberdades e garantias, que protegem o cidadão do arbítrio, têm perdido sistematicamente sua função. Como resultado, assistimos à acentuação do número de violações a direitos humanos, de abuso de autoridade e de abuso de direito.

Além das privações decorrentes de uma crise socioeconômica cada vez mais aguda e da violência que marca as cidades, tivemos preocupantes novidades. Houve ataques à liberdade de reunião, de manifestação e de imprensa – vide a repressão policial desproporcional a manifestantes e jornalistas em São Paulo e Brasília, ou o caso da suposta infiltração de agente militar em grupo de jovens que se dirigia à avenida Paulista. Houve violações à liberdade artística – vide o caso do grupo teatral de Santos impedido de atuar. Pelos relatos recebidos no Balcão de Atendimento da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, houve significativo aumento da violência de agentes de Estado contra estudantes, partícipes de protestos e, em especial, contra a juventude negra e periférica. Parece haver, por fim, gradativa corrosão de garantias básicas na esfera penal e processual penal que, embora mais explícita em casos rumorosos, invariavelmente afeta os mais necessitados.

Assim, a projeção referente aos direitos humanos em nível nacional para 2017 não pode ser positiva. Uma onda conservadora e autoritária avança a passos largos, e vislumbra-se a acentuação de retrocessos. O mesmo vale para o cenário internacional, em que ideais nacionalistas, xenófobos e racistas colocam em xeque os mais vulneráveis. O momento exige, pois, alerta da sociedade: defesa inconteste do Estado Democrático de Direito e das liberdades públicas.

Em nível local, o alerta também vale. É importante lembrar que violações de direitos humanos ocorrem na vida real, na rua, no território. Grupos vulneráveis ou invisibilizados – como migrantes, pessoas em situação de rua, mulheres e homens transexuais – têm pequenas conquistas sob risco, e grupos historicamente atingidos continuam como alvo preferencial.

A boa notícia é que surgem relevantes exemplos de sucesso em políticas locais de direitos humanos. Na promoção ou na defesa de direitos, com atuação transversal ou focalizada, cidades podem fazer a diferença. São Paulo mostrou que é possível avançar na construção de uma cidade de todos e de cada um, a partir de programas inovadores. O Transcidadania, voltado a mulheres e homens transexuais, o De Braços Abertos, voltado para pessoas com uso problemático de substâncias psicoativas, e a Lei Municipal de Políticas para Migrantes exemplificam ações locais comprometidas com a garantia de direitos e a promoção da cidadania.

O que se espera para 2017 é que essas conquistas sejam mantidas. Se possível, que sejam ampliadas e replicadas. Que as ações locais sirvam de base para outros entes e que consigam frear o nebuloso cenário autoritário que se apresenta.

*Felipe de Paula é mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Coimbra, Portugal, e doutorando em Direito pela USP e pela Universidade de Leiden, Holanda. Advogado, professor e gestor público federal, é secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo 


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