O auditório é uma arte

Quando ela pisa no palco, lindinha, saltitante, com leveza bailarina e o frescor de seu sorriso, agasalhada pelos aplausos do auditório, é como se os spots do cenário se multiplicassem numa explosão de mil e uma galáxias. Fernanda Lima é um fenômeno da astronomia, a mais exata tradução que a TV brasileira pode hoje oferecer para a surrada palavra estrela.

Apresentadora com muito orgulho e com muita competência, ela comanda Amor & Sexo (na Globo, quinta-feira, em horário incerto, pois vem depois da novela da 9, às vezes depois do futebol, sempre após A Grande Família) e empresta sua distinção elegante e sua lucidez marota a um guisado picante de intimidades que só não descamba para a vulgaridade porque é ela quem tem o microfone na mão.
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Amor & Sexo é menos amor e muito mais sexo, mas só mesmo uma Fernanda Lima saberia promover uma candente discussão sobre orgasmo, penetração e sexo oral, em linguagem sem nenhum eufemismo, sem que os mais suscetíveis se sintam obrigados a deixar a sala de TV. Amor & Sexo é um Saia Justa em que os homens têm voz e as mulheres falam a verdade.

Fernanda Lima, aos 34 anos, comporta-se como uma veterana do auditório, na melhor tradição dos apresentadores icônicos da TV – que ela decidiu homenagear nesta edição da Brasileiros. Chacrinha, Silvio Santos, Xuxa e Hebe Camargo ganham aqui, da admiradora assumida, uma releitura a caráter, na qual se junta o talento de atriz de Fernanda Lima ao inspirado styling de Lessa de Lacerda, do primeiro time de figurinistas de Rede Globo.

“Escolhi os quatro porque eles são a cara, a voz, a linguagem corporal e a experiência do que há de melhor na comunicação da TV”, diz Fernanda. O traquejo com o microfone, a sedução da plateia, o timing de um veículo por vezes atroz, a facilidade de falar a todos os públicos: esses são os atributos que Fernanda Lima vê em seus padroeiros do auditório, mas que a gente pode tranquilamente dizer que são atributos, por assim dizer, autobiográficos, ela também os exerce com bela e cativante plenitude.

“Quando a câmera é ligada, eu também me ligo”, diz ela. “Me sinto à vontade, percebo que este é o meu mundo.” Ao contrário de 99% do gênero humano, a TV não a intimida; aquilo que nela parece espontaneidade é espontaneidade mesmo, um dom natural, quem sabe até hereditário, lubrificado nas calorosas conversas à mesa nas domingueiras de Porto Alegre, “uma família que fala mais do que a língua”.

(O convívio à mesa floresceu em outra faceta dela, a de dona de restaurante, o justificadamente badalado Maní, cuja chef é uma amiga de adolescência e também modelo, Helena Rizzo. O Maní fica em São Paulo, mas logo, logo os cariocas não precisarão mais invejar esse privilégio.)
Amor & Sexo está encerrando sua terceira temporada e muito por conta de Fernanda Lima – que se entrega apaixonadamente à produção, à escolha dos participantes (e as perguntas feitas a eles), ao roteiro, até à edição -, e também graças ao diretor Ricardo Waddington, adquiriu um padrão de programa fino e elegante que não escamoteia o assunto, curto e grosso. Novas temporadas já estão programadas. Até a TV compreendeu, afinal, que sexo não é fatalmente sinônimo de baixaria.

Waddington (“Eu sou do time dele”) a dirigiu em sua primeira incursão pela telenovela: Bang-Bang, em 2006 (em 2007, ela faria Pé na Jaca, com direção de Carlos Lombardi). Não é que ela guarde muita saudade. Em Bang-Bang, usufruiu o difícil privilégio de ser a protagonista. “Apanhei demais, foi um massacre”, lembra. “Virei a culpada de tudo.” Espreitou-a, nas entrelinhas da crítica, o reiterado preconceito de que beleza e talento são antagônicos. Particularmente cruel e preconceituosa foi a perseguição movida pelo crítico de uma revista semanal que, tempos depois, mudou de ramo e foi muito apropriadamente se incorporar ao Bozo, ao Chaves e ao Chapolin no SBT.

O sucesso como apresentadora (Mochilão, Luau, Fica Comigo, os três na MTV, e o Videogame do programa da Angélica estão em seu currículo) e os insistentes convites para ser MC em eventos consolam-na com a convicção de que achou a sua praia. Foi ela (ao lado de Rodrigo Hilbert, pai de seus filhos gêmeos Francisco e João, de três anos e meio) quem fez a apresentação do logo da Copa de 2014, direto da África do Sul; e que em julho experimentou raro frio na barriga ao comandar, ao lado de Tadeu Schmidt e frente a milhões e milhões de telespectadores, a cerimônia de apresentação oficial da Copa pela FIFA, no Rio.

Os filhos amansam a vocação de workaholic que a persegue desde os 14 anos, quando recebeu o convite para trabalhar como modelo no Japão, que aceitou com precoce destemor. “Meu pai me deu cem dólares e lá fui eu”, lembra. “Não tinha opção, minha família não era rica.” Olhando para trás, contabilizando tudo o que ela já fez, não dá para acreditar que caiba tanta coisa, tanta ralação, tanta experiência, em 20 anos de uma carreira tão múltipla.

Fernanda Lima faz parte de uma nova geração de apresentadores que inclui Luciano Huck, Angélica, Tiago Leifert, Rodrigo Faro, Adriane Galisteu e – por que não? – o sempre garoto Serginho Groisman. Cada um busca, a seu jeito, com maior ou menor sucesso, um estilo que areje os cânones convencionais da arte do auditório.

Ela, Fernanda Lima, já lapidou o seu estilo, pessoal, inconfundível e intransferível. Sua originalidade glamourosa, solta, luminosa, bem-humorada, foi acolhida pelos spots, pelas câmeras e pela audiência com uma cumplicidade vitoriosa. É uma menina com jeito de veterana, como os guerreiros e as guerreiras do palco para os quais ela aqui tira respeitosamente o chapéu.


Colaboração: Lessa de Lacerda, styling


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