O bastião do conservadorismo

Autoridade – O pastor e deputado Marco Feliciano preside sessão na CDHM, após ordenar a retirada de manifestantes

Municiado de um arsenal de atitudes e declarações grotescas, o pastor e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) tem monopolizado e dividido a opinião pública do País. Para alguns, ele é o arqui-inimigo de setores progressistas, para outros um novo mártir de conceitos éticos e morais que remetem a Idade Média. No olho do furacão dos escândalos protagonizados por ele, fica difícil constatar, mas Feliciano é a ponta de um iceberg que não pode ser ignorado, como veremos na retrospectiva a seguir, que reconstitui a criação do mais novo líder de um perigoso reacionarismo.

Quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013. Dia aparentemente ordinário, mas que foi o estopim da polêmica que atravessou o mês de março e ganhou contornos proféticos para o futuro político imediato do País. Dia em que vieram à tona fortes evidências de um crescente racha ideológico, que promete ganhar força até a corrida eleitoral de 2014. Naquela quarta, em sessão vespertina no Plenário, partidos da base aliada do governo reuniram-se em Brasília para dividir cargos das 20 comissões permanentes da Câmara dos Deputados. Na partilha, a Comissão de Cidadania e Justiça (CCJ), como de costume, foi a mais cobiçada. Reduto de 60 proeminentes parlamentares do País, a comissão analisa, veta ou aprova a viabilidade constitucional, legal, jurídica e regimental de todos os projetos que tramitam na Câmara.

Naquela tarde, pouco repercutiu o fato de os deputados federais José Genoino (PT-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP) terem sido indicados para integrar a CCJ, mesmo condenados pelo Superior Tribunal Federal – STF, por envolvimento no chamado Mensalão. Um singelo aspirante à outra comissão, menos disputada, mas não menos importante, era até então praticamente anônimo. Exceto pelo fato de, como pastor de sua própria igreja, Assembleia de Deus – Catedral do Avivamento, vender milhões de CD’s e DVD’s de artistas gospel e protagonizar cenas dignas de O Exorcista, que se tornaram hits no canal de vídeos YouTube e tiveram milhares de acessos. De indefectíveis cabelos alisados e contidos com gel, sobrancelhas milimetricamente delineadas, o deputado federal Marco Feliciano viu a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara “cair no colo” – como definiria, depois – de sua nanica legenda, o Partido Social Cristão. De orientação religiosa, a agremiação tem 19 representantes na Câmara. Cotado como possível presidente da CDHM, Feliciano deu início a uma campanha para assumir a cadeira, até então, ocupada pela deputada Iriny Lopes (PT-ES), e reuniu, em um abaixo-assinado, 53 mil assinaturas em sua defesa. O PSC integra a base aliada do governo Dilma Rousseff e dá continuidade a uma via de mão dupla aberta na primeira gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Após 16 anos liderando a comissão por afinidade temática, o PT decidiu abandonar mão da CDHM em detrimento da CCJ e foi nessa manobra – legitimada pelo princípio de governabilidade que sustenta a supremacia do partido em âmbito federal desde 2003 – que a CDHM oportunamente “caiu no colo” do PSC.

Naquela mesma quarta-feira, em outra polêmica escolha, o ex-governador do Mato Grosso e senador Blairo Maggi (PR-MT), um dos maiores produtores mundiais de soja, assumiu a presidência da Comissão de Meio Ambiente (CMA). Decisão tresloucada, visto que, em 2005, Maggi foi eleito “Motosserra de Ouro” pelo Greenpeace, por sua “contribuição para a destruição da Amazônia”. Mas a nomeação de Feliciano, apesar da proporcional dose de surrealismo, culminou em polêmica ainda maior do que a suscitada pelo senador. O pastor passou a ser alvo crescente de denúncias de racismo e homofobia, manifestadas e multiplicadas nas redes sociais da internet. Ironicamente, foi na mesma rede mundial de computadores que Feliciano deu o tiro no próprio pé. Havia quase dois anos, em sua página no Twitter, o pastor publicou opiniões preconceituosas sobre negros e homossexuais. Na ocasião, Feliciano declarou no microblog: “Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato. O motivo da maldição é polêmica (sic)”… E prosseguiu em novo post: “Sobre o continente africano repousa a maldição do paganismo, ocultismo, misérias, doenças oriundas de lá: ebola, Aids. Fome…”. Convocado para uma entrevista ao portal UOL em 31 de março de 2011, dias após a repercussão negativa das declarações, Feliciano reiterou crenças primitivas: “É uma questão teológica. O caso do continente africano é sui generis. Quase todas as seitas satânicas, de vodu, são oriundas de lá. Essas doenças, como a Aids, são todas provenientes da África”, disse ele ao portal. Dias antes, a provável polêmica mencionada no primeiro post, também havia ganhado destaque em sua página do Twitter: “…sendo possivelmente o primeiro ato de homossexualismo da história, a maldição de Noé sobre Canaã toca seus descendentes diretos, os africanos”.

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Graças à mobilização de internautas e de ativistas que militam em defesa dos direitos civis de negros e de homossexuais, tais absurdos não caíram no esquecimento e retornaram com força máxima. E o circo pegou fogo quando o deputado foi indicado pelo PSC para assumir o comando da CDHM, feito alcançado por ele no dia 7 de março, em uma polêmica sessão marcada pela insolência do deputado.

O que se viu desde então foi uma sucessão de capítulos bizarros, outras tantas declarações grotescas e uma crescente polarização de setores progressistas e conservadores que articularam um sem-número de manifestações. Na internet, ganhou força campanha pedindo a destituição ou a renúncia do deputado. Uma página na rede social Facebook, intitulada Feliciano Não me Representa, foi criada para somar forças contra o deputado. Com mais de 20 mil seguidores, o espaço é campeão de likes (o famigerado “curtir”) e está repleto de retratos onde seguidores exibem mensagens de repulsa às declarações do pastor (dezenas deles reproduzidos na coluna superior desta reportagem). Cerca de cinco mil manifestantes, segundo a Polícia Militar, foram às ruas de São Paulo, em três passeatas – realizadas aos sábados, da Avenida Paulista em direção ao centro – e exigiram a saída do deputado da CDHM. Logo a campanha também foi engrossada pela classe artística. Caetano Veloso, Preta Gil e os atores Wagner Moura e Dira Paes replicaram o coro do “Fora Feliciano!”, em ato público no Rio de Janeiro. Dias depois, o compositor Chico Buarque também aderiu à campanha. Durante a sétima edição do prêmio APTR, da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro, as atrizes Fernanda Montenegro e Camila Amado e os atores Tônico Pereira e Ricardo Blat protagonizaram uma simbólica troca de beijos na boca, em demonstração de apoio aos homossexuais. Apresentando-se em São Paulo, a cantora Elza Soares acusou Feliciano de não gostar de gays e nem de negros. Pares religiosos e da Igreja Católica também reprovaram publicamente o discurso do pastor e até mesmo a Anistia Internacional entrou em cena, recomendando a destituição imediata do deputado da presidência da CDHM.

Ciente de que toda a celeuma provocada pelo pastor poderia ser vertida em fato positivo para a legenda, o PSC começou a adotar uma estratégia de resistência e defesa. Embora esteja mais do que claro que Feliciano não representa a ala progressista de nossa sociedade, o pastor é porta-voz de uma parcela expressiva do eleitorado do País, com cada vez mais força no cenário político, os fiéis seguidores das religiões evangélicas e pentecostais. Segundo o censo de 2010 realizado pelo IBGE, eles somam mais de 43 milhões de brasileiros. Para a Sepal – Servindo aos Pastores e Líderes entidade com mais de 50 anos que, entre outros propósitos de sustentação, monitora o crescimento dos fieis, cerca de 57 milhões de brasileiros seguem hoje a cartilha ortodoxa dessas religiões. Não é pouco. E é em nome dos interesses morais e éticos da maioria desses seguidores que Feliciano partiu do semianonimato e ocupa hoje o papel de baluarte do conservadorismo. A mídia espontânea que o deputado vem recebendo com a novela, que até o final desta edição da Brasileiros não teve desfecho, será capaz de triplicar os votos do deputado na corrida eleitoral de 2014, calcula o PSC. De olho nessa perspectiva, lideranças do partido insinuaram que a presidenta Dilma Rousseff não deveria ignorar a relevância de defender a permanência de Feliciano, se tivesse consciência que o eleitorado evangélico foi decisivo para sua reeleição e, portanto, pode ser novamente determinante em um futuro próximo. Outro discurso que passou a ser defendido pelo PSC argumentou que Feliciano estava sendo usado como cortina de fumaça para dispersar a nomeação de José Genoino e João Paulo Cunha para integrar a CCJ.

“Ele tem um projeto de poder”

Para o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), nome respeitado quando o assunto é direitos humanos, o grande beneficiado com a polêmica em torno da CDHM é o próprio Marco Feliciano. Pior que isso, segundo o deputado o pastor não representa os evangélicos e ainda defende um ambicioso plano pessoal

Brasileiros– Que análise o senhor faz do episódio Marco Feliciano? Vale tudo em nome da governabilidade?

Marcelo Freixo– Esse é o primeiro ponto, pois Feliciano não chegou lá sozinho e representa um grupo político de características fundamentalistas. Um grupo que não cabe em um partido só e, gostem ou não, é a base do governo. A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara – CDHM – sempre foi ocupada por setores da chamada esquerda, como o PT e o PC do B, e parlamentares com um histórico de luta por direitos humanos. Nunca foi uma comissão das mais disputadas. Só tem interesse nela quem trabalha com o tema. Mas é fundamental para a democracia, já que determinadas pautas da sociedade brasileira só aparecem ali. E esse grupo do Feliciano, que tem um projeto fundamentalista de valores e comportamento, se interessou pela CDHM justamente para negá-la e anular o histórico da comissão.

Brasileiros– O senhor considera que Feliciano sairá fortalecido ou enfraquecido do episódio?

M.F. – Até mesmo pela política que representa, ele sairá muito mais conhecido e fortalecido. Algo que não acho bom para os evangélicos. Para a imagem que eles projetam a outros setores da sociedade, é ruim que sejam associados a alguém como Feliciano. E, a meu ver, ele não representa o pensamento evangélico. Tem, na verdade, um projeto de poder, de ambição pessoal. Podemos dizer também que a CDHM nunca foi tão debatida e as políticas de direitos humanos jamais ganharam tamanha centralidade, durante o episódio, mas acho que o único que sairá ganhando com tudo isso é a figura dele e seu projeto particular de poder.

Brasileiros – O senhor acha que a bancada evangélica poderá mesmo ameaçar a laicidade do País?

M.F. – Tenho grande receio e venho debatendo isso há muito tempo. Dia desses, o próprio Feliciano deu outra declaração estapafúrdia e disse que o Brasil é um Estado laico-cristão. Eu sou cristão e, lógico, sei que isso não faz o menor sentido, afinal, ou o Estado é laico ou não. Para mim, a ascensão desse grupo fundamentalista é sim uma ameaça ao Estado Democrático de Direito exatamente por colocar em risco a laicidade do Estado. Para quem duvida, vale a pena olhar o que acontece com o ensino religioso em boa parte dos estados do País. Um estudo concessível dominado por setores da igreja.

Brasileiros – O senhor acredita que caminhamos para uma polarização entre progressistas e conservadores, que será decisiva nas eleições de 2014?

M.F. – Não fosse a força eleitoral desse setor, as barbaridades ditas por Feliciano já teriam feito com que ele perdesse esse e qualquer outro cargo há muito tempo. Acho grave saber que deputados condenados no mensalão integram a CCJ, assim como aceitar que parlamentares ligados ao agronegócio liderem e integrem a Comissão de Meio Ambiente (CMA). Mas o problema maior é que Feliciano não representa apenas um deputado e, francamente, tenho dúvida se a ala progressista de nossa sociedade vai fazer o enfrentamento que deveria fazer ou se parte do setor será pragmático a ponto de olhar para a capacidade eleitoral desse grupo conservador e fechar os olhos para um importante debate de valores. Vejamos, pois, o que vai acontecer.

 

Em 27 de março, outra quarta-feira sombria, foi aprovada na mesma CCJ a PEC 99/11. Apresentada em janeiro de 2012 pelo deputado federal João Campos (PSDB-GO), a controversa Proposta de Emenda à Constituição pleiteia a intervenção de entidades religiosas em decisões judiciais e também, caso tal anomalia seja aprovada, o poder de impor ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal (STF). Concessões que ferem gravemente a laicidade do Estado Democrático de Direito e os princípios éticos da Constituição de 1988.

E mais sandices ocorreram nos dias que se seguiram. A deputada federal Ana Lúcia, vice-presidente da CDHN e também representante do PSC, dando a medida exata da última presepada de Feliciano, ameaçou renunciar do cargo (depois, recuou), em resposta à nova declaração do pastor, que tentou justificar a perseguição que viveu naquele mês de março, com a seguinte pérola proferida em um culto realizado no ginásio municipal de Passos, em Minas Gerais: “Antes que eu adentre a Bíblia Sagrada e comece a pregar, eu queria só explicar o porquê de toda esta manifestação. Pela primeira vez na história deste Brasil um pastor cheio de Espírito Santo conquistou espaço que até ontem era dominado por Satanás”. Ocorre que Ana Lúcia integra há três anos a comissão antes comandada pela deputada Iriny Lopes, do PT (ou o cramuião, o capeta, como talvez prefira o deputado). Astuto, como demonstrou dias antes no programa Agora é Tarde, do humorista Danilo Gentile, Feliciano justificou que foi mal interpretado, pois satanás, em hebraico, significa adversário, e ele se referia a seus opositores políticos.

Mas a obsessão por satanás e a prática de demonizar aquilo que é alheio a seus credos pode ser também uma faca de dois gumes. Quando o assunto é política e suas subjetividades, tamanho maniqueísmo e dualismo pode ser uma armadilha. Não bastasse a perseguição da opinião pública, o deputado, assim como a vice-presidente da CDHM, é alvo de processos judiciais. Em 2009, o procurador-geral da República Roberto Gurgel denunciou que Feliciano havia recebido R$ 13.362,83 para encabeçar uma série de palestras, mesmo ausentando-se delas com a justificativa de outros compromissos. Feliciano também sofre processos por homofobia e suposto pagamento de honorários de seus advogados com dinheiro público. A companheira de chapa, Antônia Lucia, é alvo de seis processos que tramitam no Tribunal Regional do Acre – TER AC, por suposto envolvimento em caixa dois, compra de eleitores e doações em troca de votos.

Não por acaso, boa parte dos parlamentares da bancada evangélica também são pastores e integram um filão chamado “Teologia da Prosperidade”, que multiplica valores de dízimos com a promessa aos fiéis de que a providência divina também fará proliferar bens materiais e realizará ávidos desejos de consumo. Vale lembrar, nos primeiros dias da desconcertante polêmica suscitada por Feliciano, o painel de notícias do Facebook exibiu milhares de compartilhamentos de um vídeo onde o pastor critica a falta de comprometimento de um fiel, que dá a ele seu cartão de crédito, mas não informa a senha.

Um silêncio conveniente

Durante a produção desta reportagem, a Brasileiros manteve contato por alguns dias com a Assessoria de Comunicação do Partido Social Cristão (PSC). Em inédito assédio da imprensa, em vez de Feliciano, a legenda sugeriu outros dois representantes: o líder do partido na Câmara, deputado André Moura (PSC-SE), e o vice-presidente da chapa, o pastor Everaldo Pereira. Mesmo assim, o silêncio perdurou até o fechamento da edição, quando o PSC comunicou que não participaria da reportagem, conforme e-mail reproduzido abaixo

 

Mesmo sofrendo severas manifestações públicas, irredutível, Feliciano sentenciou que só renunciaria morto. Em contrapartida, integrantes da CDHM especularam uma renúncia coletiva para forçar a saída do pastor e até integrantes do PSC recomendaram que o pastor abandonasse o posto. Dias depois, ele  emplacou mais um de seus reprováveis gestos. Em uma comissão que deveria zelar pelo direito à livre manifestação, visto que o Plenário é a “Casa do Povo”, Feliciano, conseguiu aprovar a proibição de populares nas sessões da comissão.

Quente como a trama de uma novela das nove, dessas que abocanham três quartos do Ibope todo santo dia, o caso Feliciano seguiu sem desfecho até aqui. Dias depois, quando o leitor estiver diante dessas páginas o que haverá ocorrido? Difícil prever, mas é impossível ignorar que esses mais de 40 milhões de brasileiros lidam naturalmente com a contradição de ter voz de decisão em nossa jovem democracia e, ao mesmo tempo, são suscetíveis a interesses obscuros de facções oportunistas. Essa mesma fatia volumétrica será, em breve, alvo da Rede Globo, frequentemente acusada por eles de favorecer e enaltecer religiões espíritas e afro-brasileiras. A emissora carioca anunciou recentemente que o atual folhetim Salve Jorge será substituído por Em Nome do Pai, trama de Walcyr Carrasco, na qual a protagonista se converterá a evangélica. Tal tentativa de aproximação explicita que não é mesmo prudente ignorar a força da legião representada por Feliciano. Na vida real, o pastor agora é alvo de denúncia de quebra de decoro parlamentar, feita pela deputada Iriny Lopes, que tornou pública sua indignação e repúdio à acusação de gestão “satânica”, empreendida por ela à frente da CDHM. Dependendo da disposição para o jogo de forças que tal medida demanda, a acusação pode destituir Feliciano da presidência da comissão.

Nossa reportagem também apresenta, nas próximas páginas, a opinião do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), um artigo do ciberativista Pedro Markun, e as ações truculentas do Bonde dos Carecas, grupo de policiais militares de São Paulo, que tem imposto um sombrio toque de recolher a humilde população de Paraisópolis, na Zona Sul da cidade.

Mas o que tal ação repressiva tem a ver com Feliciano?! Ela prova como os direitos humanos no Brasil experimentam dias difíceis. Feliciano tornou-se ícone desse conservadorismo repressor, uma espécie cerebral do também deputado federal e ex-militar Jair Bolsonaro (PP-RJ), que até a chegada de Feliciano (amigo íntimo do pastor a ponto de convidá-lo para conduzir a cerimônia de seu casamento) era o principal e desastroso protagonista desse fundamentalismo em franca ascensão no País.

Enquanto isso…

… ações arbitrárias de um grupo de policiais militares paulistanos, intitulado Bonde dos Carecas, e a permanência de Renan Calheiros na presidência do Senado ficam em segundo plano

A cortina de fumaça monotemática instaurada por Marco Feliciano tirou de cena temas recentes e polêmicos do cotidiano brasileiro. Dias antes da controversa posse do novo presidente da CDHM, o grande vilão era Renan Calheiros (PMDB-AL). O senador tinha sido alvo de petição virtual que reuniu 1,5 milhões de assinaturas e exigia sua saída da presidência do Congresso. Calheiros está denunciado pelo Ministério Público Federal, no Supremo Tribunal Federal (STF), por envolvimento em três crimes: falsidade ideológica, uso de documento falso e desvio de dinheiro público. Em tempos de crescente conscientização da importância de defender candidatos com ficha limpa, a transferência do cargo a Renan, que sucedeu o polêmico senador José Sarney (PMDB-MA), soou como afronta e a sociedade não se calou… Não até a chegada de Feliciano, que roubou os holofotes para si.

Outro gravíssimo episódio acontece, dia sim, dia não, em Paraisópolis, a maior favela paulistana, que faz divisa com o abastado bairro do Morumbi, na Zona Sul da cidade. O contraste social entre as duas realidades é traumático para os dois lados. Para os humildes moradores de Paraisópolis, os vizinhos representam uma distância social, aparentemente intransponível. Para os moradores do Morumbi, Paraisópolis é um celeiro de criminalidade, que afronta a normalidade de sua rotina com a ameaça de furtos, assaltos, latrocínios e sequestros. E é em nome da manutenção dessa normalidade que um grupo de dez policiais (oito deles de cabeça raspada, daí a alcunha Bonde dos Carecas) invade a comunidade em dias pares, plantão da equipe, e armados de bombas de efeito moral, balas de borracha e gás lacrimogênio, das 20 horas às 4 horas, impõem um arbitrário toque de recolher.

Coadjuvantes – toque de recolher da pm em paraisópolis vem sendo ignorado. a polêmica renan calheiros também saiu de cena

Brincadeiras de rua, festas nos lares das famílias e até mesmo a cervejinha com os amigos, pós-expediente, são reprimidos com violência. No início de janeiro, uma adolescente de 17 anos perdeu a visão direita, atingida por uma bala de borracha. Um mês depois, outras duas garotas foram internadas na rede pública de saúde após, segundo os moradores, sofrerem agressões do Bonde do Careca.

A regularidade das ações provocou reação da comunidade. Armados de celulares e câmeras fotográficas, os moradores passaram a registrar as investidas do grupo, em vídeos e imagens enviados a uma imprensa indiferente. A foto que ilustra esta página foi feita por moradores e explicita provas da ação do Bonde dos Carecas. No início de março, 37 relatos de excessos foram encaminhados à Secretaria de Segurança Pública do Governo do Estado de São Paulo, que tratou os incidentes como “exceções” que serão “apuradas com rigor”. Para a PM, o usual “… se houve erros, são exceção e serão apurados com rigor”, manifestado em nota, está de bom tamanho. Mas, segundo relato dos moradores, o Bonde dos Carecas continua a reinar nas vielas escuras e abandonadas de Paraisópolis e a desafiar princípios basilares de direitos humanos.


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